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domingo, 6 de janeiro de 2013

EXAMES NO ENSINO BÁSICO, NÃO, OBRIGADO!


"É preciso redescobrir o signicado de ir à escola, de estudar. Mercado de trabalho e status social são questões que devem deixar de nortear as políticas educacionais. A sociedade valoriza muito mais o trabalho cooperativo, mas a escola forma alunos muito mais focados no trabalho individual" (...) A maioria dos grandes pensadores que deixaram um legado para a humanidade seguiram caminhos muito diferentes do convencionalmente estabelecido". Portanto, a questão central não pode circunscrever-se aos exames, mas à mudança do sentido de Escola. Mudança de paradigma que é difícil, sublinho, não só porque os políticos não se interrogam, mas porque há uma mentalidade formatada e encaixotada que impede desde logo a discussão séria dos assuntos. E se os centros universitários de formação e investigação bem lutam por uma mudança, a verdade é que se trata de uma luta desigual, simplesmente porque, por ignorância altifalante, os decisores não querem ouvir.


Os alunos do Ensino Básico entraram, no dia 3 de Janeiro, na preparação de contorno acelerado para os exames que terão lugar lá para Maio. O ano lectivo termina em finais de Junho, mas os exames realizam-se um mês antes. Alguém compreenderá, logo à partida, o(s) motivo(s)? Este é, apenas, um pormenor, mas não é isso que realmente me preocupa. Defendo, há muitos anos, que não é por aí que o país melhorará. Trata-se de um tema demasiado complexo para uma abordagem num blogue circunscrito a umas linhas. Para o visitante deste espaço seria, com toda a certeza, fastidioso enquadrá-lo em todas as suas variáveis, porque se trata de um assunto multifactorial. Pretendo, tão somente, deixar aqui algumas pistas, algumas reflexões que despertem o leitor sobretudo para novas interrogações.
Em traços genéricos entendo que o ensino básico visa, fundamentalmente, a criação de um alicerce, um lastro consistente sobre o qual poderão ser edificados os pilares do conhecimento poderoso que virá mais tarde. Quanto mais frágil o alicerce piores serão os resultados futuros. E esta tese não tem nada de utópica e não se trata de qualquer coisa consequência de pensadores que nunca "deram uma aula" no sentido tradicional da expressão. Não, há importantes experiências, uma delas em Portugal, na Escola Pública da Ponte, na Vila das Aves, perto do Porto, e que ontem aqui deixei um texto e depoimentos que, pelo menos para mim, me deixam emocionado por não ter podido viver em pleno uma experiência dessas. Tentei, na verdade tentei, quando fui presidente do conselho directivo da inesquecível Escola dos Ilhéus, no Funchal, no seio de uma notável equipa de professores. Escola que fechou porque o secretário da educação não gostava do que ali se passava. Mas essa é outra história que um dia predispor-me-ei a contar. No passado dia 29 de Dezembro participei num jantar com vinte alunos de uma turma dessa escola que habitualmente se reúnem. Certamente porque a escola lhes deixou alguma coisa, já lá vão perto de trinta anos! Todos adultos e com bons percursos de vida.
Regresso aos famigerados exames. Dizia eu, a partir de agora, os professores, por imposição da hierarquia, vão concentrar as suas atenções nas respostas às perguntas que, possivelmente, constarão dos exames. Está em causa a avaliação dos alunos, mas também a avaliação dos professores. Podem dizer que o exame só pesa 30% ou uma outra percentagem qualquer sem grande peso na avaliação final, mas o sinal exame e preparação específica para o exame está presente. E há quem acredite que, tal como no meu tempo, a via do sucesso é essa. Se nunca foi, hoje, ainda pior, aliás como ressalta de muitos estudos sobre esta matéria.
Não vou muito longe e socorro-me de algumas passagens de um incisivo artigo do Professor José Pacheco (figura que ainda ontem destaquei) publicado na edição de Inverno de 2012 da revista A Página da Educação. O artigo começa assim: "A conceituada revista Science deu a conhecer um estudo que contraria tendências reveladas  em recentes decisões de política educativa. (...) Deborah Stipek, docente da Faculdade de Educação da Universidade de Stanford, trabalhou o seu estudo ao longo de 35 anos. A autora do estudo denuncia o facto de os jovens serem treinados para obterem bons desempenhos em testes e afirma que é aberrante uma educação centrada em resultados mensuráveis e em rankings. E acrescenta que a preparação para exames sufoca a formação de uma personalidade madura e equilibrada. (...) Irá o senhor ministro contrariar dados científicos? - questiona e prossegue: (...) Deborah  sublinha o facto de o sistema de exames produzir especialistas em provas enquanto prejudicam vidas que poderiam ser promissoras. Em suma, sublinha o Professor José Pacheco, "um ambiente escolar competitivo, voltado para testes e exames é prejudicial à aprendizagem. E quem o afirma é a revista Science que tem por título "Educação não é uma corrida". Escutemos a pesquisadora: "O sistema actual baseado no desempenho em testes, pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores. Esta forma de ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes. A maneira como a educação é organizada na actualidade faz com que potenciais  vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos mesmo antes da educação básica, já que o modelo de ensino massacra qualquer outro interesse que não seja o cobrado nos exames. É importante desenvolver talentos. Isso sim tem um papel importante no futuro de alguém".
Mais adiante, o Professor José Pacheco traz à colação a coordenadora do Centro de Pesquisa em Empreendedorismo da Universidade de S. Paulo: "É preciso redescobrir o signicado de ir à escola, de estudar. Mercado de trabalho e status social são questões que devem deixar de nortear as políticas educacionais. A sociedade valoriza muito mais o trabalho cooperativo, mas a escola forma alunos muito mais focados no trabalho individual" (...) A maioria dos grandes pensadores que deixaram um legado para a humanidade seguiram caminhos muito diferentes do convencionalmente estabelecido".
Portanto, concluo, a questão central não pode circunscrever-se aos exames, mas à mudança do sentido de Escola. Mudança de paradigma que é difícil, sublinho, não só porque os políticos não se interrogam, mas porque há uma mentalidade formatada e encaixotada que impede desde logo a discussão séria dos assuntos. E se os centros universitários de formação e investigação bem lutam por uma mudança, a verdade é que se trata de uma luta desigual, simplesmente porque, por ignorância altifalante, os decisores não querem ouvir.
Esta mudança, que leva muitos anos, quando está em causa a completa ruptura de um sistema e a paulatina criação de um outro, não significa, no ensino básico, é dele que estamos a falar, ausência de avaliação quer no vértice da pirâmide do sistema (vértice estratégico - ministério ou secretaria regional), quer na linha hierárquica (ao nível de escola), quer ao nível do centro operacional (professores e alunos). Pelo contrário, as exigências são muito maiores, porque formativas, contínuas e sistémicas. Mas para essa construção falta, na expressão de Rubem Alves uma "erecção da inteligência" a todos os níveis!
Deixo aqui dois vídeos exactamente com Rubem Alves. Vale a pena segui-los e explorar o significado e profundidade dos conceitos.




Ilustração e vídeo: Google Imagens.

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