O secretário da Educação continua a não acertar uma. Lamentavelmente, sublinho, porque somos todos nós que continuaremos a pagar esta factura de uma certa ignorância militante. Bastaria que ouvisse outras pessoas e não apenas as do seu círculo político que andam por ali entre portas e gabinetes. Que escutasse o pensamento de tantos autores e investigadores. E se não quisesse ir por aí, no mínimo, parasse, pensasse e duvidasse do que lhe vão soprando. Refiro-me ao Projeto de Capacitação de Alunos, que irá abranger, diz a secretaria, entre 600 e 700 estudantes do 5.º e do 6.º ano referenciados pelo insucesso escolar. "(...) Temos notado algum insucesso neste nível", disse o secretário, Jaime Freitas. Algum (?), digo eu. E então, qual medida de grande alcance, determina a formação de trinta professores capazes de virem a assumir um papel de mediação "social e afectiva" junto desses alunos em risco e respectivas famílias. Uma espécie de psicólogos e sociólogos de segunda!
Falta CÉREBRO na política educativa |
Mas vou directamente ao que penso sobre esta matéria. Afinal, a Escola tem de posicionar-se como remediadora social? E qual é a função da secretaria dos Assuntos Sociais e respectivos domínios de intervenção? O secretário já pensou que intervenção nesses domínios já o fazem (sem que essa seja a sua função primeira) todos os professores, as direcções executivas e os directores de turma? Pelo menos questionou que existem psicólogos nas escolas que trabalham no sentido de integrar e atenuar os problemas situados a montante? Portanto, mediadores familiares para quê, quando a função do professor não é essa?
Exactamente ao contrário do que o secretário acaba de propor, a intervenção na escola deve ser cognitiva, de apoio pedagógico e não de intervenção social. Para isso existem especialistas com formação nesses domínios. Custa-me ver a Educação entregue a políticos como este secretário. Revolta-me porque está em causa o futuro. Seria aceitável que entre a secretaria da Educação e a dos Assuntos Sociais fosse assumido um protocolo de cooperação para que as questões sociais tivessem um determinado e profícuo enquadramento. Na prática, a definição de uma estratégia comum e transversal, porque nem a Educação resolve o problema da Economia e, entre outros, o da empregabilidade estável e o da POBREZA, nem os Assuntos Sociais conseguem resolver as questões pedagógicas conducentes ao sucesso escolar. O que o secretário parece querer fazer é uma formação de psicólogos e sociólogos de segunda categoria, uma espécie de bombeiros para uma tragédia que tem uma história de mais de trinta anos. Aliás, curiosamente, em Maio de 2011, ele falou na necessidade de colocar sociólogos nas escolas. (aqui)
Mas há mais. Sabe-se que qualquer intervenção deve ser o mais precoce possível, logo aos primeiros sinais de desconformidade na aprendizagem. E isso detecta-se logo no pré-escolar. Já aqui escrevi, em tempos, o que James Heckman, Prémio Nobel da Economia (2000) assumiu depois de conduzir vários estudos sobre esta matéria: "Tentar sedimentar num adolescente o conhecimento que deveria ter sido apresentado a ele dez anos antes custa mais e é menos eficiente (...) os números são espantosos. Uma criança de 8 anos que recebeu estímulos cognitivos aos 3 conta com um vocabulário de cerca de 12 000 palavras – o triplo da de um aluno sem a mesma base precoce. E a tendência é que essa diferença se agrave. Faz sentido. Como esperar que alguém que domine tão poucas palavras consiga aprender as estruturas mais complexas de uma língua, necessárias para a aprendizagem de qualquer disciplina? Por isso as lacunas da primeira infância atrapalham tanto. Sempre as comparo aos alicerces de um prédio. Se a base for ruim, o edifício desmoronará".
Portanto, o que falta é investir mais na Escola, com a qualidade de uma nova cultura política. E essa cultura não existe porque o Presidente do Governo e o Secretário da Educação manifestamente não a têm, a avaliar pelas suas declarações públicas. Faltam políticas de família, obviamente que sim, da responsabilidade dos Assuntos Sociais, pois sem uma actuação a montante da Escola não é possível inverter a mentalidade existente. Mas falta, também, uma política ECONÓMICA capaz de gerar empregos (por andam os Recursos Humanos?) que retire as pessoas da pobreza. Um pobre não pode pensar em uma educação a vinte anos, pensa ao mês e à semana! Quanto à Escola, essa, não pode nem deve ser, repito, remediadora social, nem a Acção Social Educativa deve constituir a mezinha que disfarce os males do sistema. Depois, falta uma nova concepção organizacional de Escola, tornando-a motivadora, inclusiva e aliciante, o que implica uma ampla autonomia dos estabelecimentos de educação e de ensino e não uma autonomia mitigada, de faz-de-conta e de medo, falta o respeito pela sua identidade e diversidade pedagógica, um baixo número de alunos por estabelecimento e por turma e uma formação inicial de professores mais condizente com os desígnios do sistema educativo. Finalmente, falta uma profunda e integrada revisão curricular e programática.
Em suma, os Assuntos Sociais que se mexam a montante do sistema e a Educação que resolva o que lhe compete. Professores (re)mediadores familiares, não obrigado.
Ilustração: Google Imagens.
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