Por Liliana Rodrigues*
Jornal Público -16.11.2014
Em 2004 tivemos a revisão da Educação Profissional em Portugal. Dez anos depois já a queremos matar?Com pouco mais de 15% da população portuguesa com ensino superior, e com níveis deficitários de educação secundária, Angela Merkel concluiu que temos licenciados a mais e pouca aposta na educação profissional/vocacional.
Ambas as afirmações trazem em si falácias e erros grosseiros de análise da Educação em Portugal. Mas numa coisa estamos de acordo: devemos fazer uma clara aposta da educação profissional que não tem que se inspirar forçosamente no modelo dual. Ou seja, a segunda imprecisão de Angela Merkel diz respeito ao modelo de formação profissional que o nosso país deve implementar.
De forma sucinta vamos descrever os três modelos de formação secundária: em primeiro, o sector escolar compreende três percursos: o ensino geral/académico, o ensino técnico e o ensino profissional (função educativa e de "transfer" para o ensino superior); em segundo, o modelo dual é também conhecido por formação em alternância, porque alterna entre a escola e a empresa/indústria local (função "profissionalista", ocupacional e terminal) e por fim a formação não-formal que assenta em programas de formação-emprego desenvolvidos sob a alçada do Estado e das empresas.
Expostos os três modelos não será difícil percebermos os riscos da assunção do modelo dual como aquele que deve ser implementado em Portugal e generalizado na Europa. Com a assinatura do Memorando de Entendimento para a Educação Profissional, em 2012, entre Portugal e Alemanha apercebemo-nos muito facilmente do que poderá estar em jogo: a substituição do modelo escolar profissional e demissão do Estado no que diz respeito à educação profissional. Ou seja, transferência desta via de formação para as empresas. Com uma economia débil não percebemos como poderão as empresas financiar este modelo de ensino. Os estudantes, neste modelo, vão um dia por semana à escola, não tendo relação identitária com a instituição escolar. A formação geral é descuidada e não é por acaso, que num trabalho de 2005, nenhum aluno austríaco, em 40 entrevistados, conhecia o nome de Platão ou de Goethe.
No programa eleitoral do PSD, em 2011, é assumida a implementação do sistema de formação dual onde as empresas são chamadas a participar na estrutura curricular e conceptual das formações, onde a oferta formativa deve garantir empregabilidade e onde a responsabilidade da execução prática da formação é das empresas. Até aí de acordo. Mas quem irá supervisionar as práticas pedagógicas? Quem é que irá idealizar os currículos? É que o currículo não é apenas uma amálgama de conteúdos. Ele traz em si diversas dimensões: valores, conhecimento e verdade, relações de poder e concepções de sujeito e de subjectividade. Em relação à empregabilidade que é tão volátil: iremos mudar os currículos de quatro em quatro anos? Ou não deveríamos criar focos de formação profissional que num mercado globalizado exige que tenhamos clusters bem definidos?
Acresce a isto diversas dúvidas: terão estes alunos acesso ao ensino superior? Estará a formação inicial de professores preparada? Quais serão os requisitos mínimos dos formadores? E dos professores? Quem irá assegurar e quanto irá custar a formação pedagógica dos formadores e dos professores? Acima de tudo, há uma pergunta que teima: é isto que queremos para Portugal? Vale a pena importar modelos, neste caso, o modelo germânico, que tem uma estrutura e uma lógica que nada tem a ver com a identidade portuguesa? Em 2004 tivemos a revisão da Educação Profissional em Portugal. Dez anos depois já a queremos matar? Ou vamos fazer da escola pública o lugar onde se certificam não apenas conhecimentos mas posições de classe?
* Eurodeputada socialista e membro da Comissão da Cultura e da Educação do Parlamento Europeu.
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