O 20 de Fevereiro foi a derradeira machadada na resistência de muitos empresários que agonizavam na crise do comércio local depois da profusão de Centros Comerciais, Lojas Chinesas e falta de poder de compra mas, na Primavera seguinte, quase um ano antes do pedido de resgate de Portugal no governo de José Sócrates, novos contratempos surgiram. Os empresários começaram a experimentar situações incompreensíveis com a banca e com os seguros de crédito que garantiam os pagamentos aos seus fornecedores. Viram os seus seguros de crédito reduzidos ou anulados e os bancos a solicitar a calendarização do abate das contas correntes caucionadas, extinguindo-se instrumentos de gestão na pior altura. Apesar de algum movimento no mercado promovido pela “reconstrução” paga pelos seguros (Lei de Meios só para “lobos”), no final de 2010 a situação era ingovernável e de desconfiança. Na política nacional sucediam-se os PECs que, quando aprovados, já estavam aquém das necessidades do país. Bancos e companhias de seguro, depois de lucrar com a dívida nacional, fogem à exposição da catástrofe por posse de informação privilegiada, acelerando a queda do país, das empresas e seus empresários, dos trabalhadores/ contribuintes que depois viriam a ser chamados para os salvar. Irónico.
2010 teve o défice mais alto de sempre nas contas públicas, um saldo negativo de 11,2% do PIB. Na Primavera de 2011, dá-se a falência do país e na Madeira surge uma nova surpresa. Também entra em insolvência com uma dívida escondida. Os empresários da Madeira começam a perceber o motivo dos prazos de pagamento serem incomportavelmente dilatados na Região. O Governo Regional (GR) e muitas câmaras incrementam, por eleitoralismo, o efeito de contágio aos players comuns do mercado. Os custos fixos inadiáveis determinam a austeridade, as empresas começam a cortar, o flagelo do desemprego agudiza e o Funchal é cada vez mais dominado por aquele cheiro do 20 de Fevereiro e por montras “decoradas” com papel de jornal. Assistimos a casos impensáveis, ainda assim, todo esse tempo agudo foi vivido com resiliência e paz social. Contudo, repararam os bens materiais mas muitas vidas ainda penam em silêncio. Apresentar obra é também um acto responsável para com os outros. Muitos empresários que outrora fizeram uma cidade aprazível pelo comércio “jazem” ignorados por um poder avesso a reconhecer a catástrofe que provocou. São marginalizados por não terem fugido às responsabilidades como os que gozaram do privilégio da informação antes do tempo ou de unilateralmente decidirem em seu benefício. Não tiveram direito a subsídio de desemprego apesar de descontarem, não tiveram dignidade no mais básico, foram ofendidos e enxovalhados pelo fisco ou pelos agentes de execução, alguns em conluio para realizar vendas aos privilegiados de sempre, tornando-os “grandes latifundiários urbanos”. Vencem os que nunca arriscam, sustentados pelo erário público.
A reabilitação do Funchal depende da economia, livre e ponderada que assegure o sucesso ao maior número de empresários para criar diversidade de áreas numa cidade que corresponda às necessidades dos cidadãos e lhes fixe residência. A economia é a força motriz que distribui rendimentos e elimina montras com papel de jornal, edifícios devolutos e recantos conspurcados que se evitam. É a força que dilata a dimensão da baixa da cidade. Somos, em toda a ilha, um quarto de milhão de habitantes. Uma cidade é auto suficiente a partir de um milhão porque assegura uma variedade de venda de produtos e serviços em plena simbiose com as necessidades, aliado a um poder de compra que sustenta o mercado. A Madeira tem cidades fruto da política, sem um tecido urbano pujante. As cidades mais vivas e bonitas que conheço não caíram na macrocefalia dos centros comerciais apesar de terem inteligentemente feito centros comerciais a céu aberto, colocando por rua ou zona aquilo que mais cativa os clientes a entrar num comum centro comercial, a comodidade, tanto para o cliente como para o comerciante. É evidente que numa cidade antiga como o Funchal não temos as condições ideais, mas podemos torná-la numa singularidade atraente. A frenética Amesterdão de ruas estreitas, de edifícios exíguos, tortos e velhos não os deita ao chão, mantém a fachada e junta os interiores. Veneza é outra singularidade. Uma cidade atraente é a que torna um turista contemplativo num cliente que compra para deixarmos de ser um quarto de milhão.
Coadjuvados por associações empresariais que servem a ditadura económica da Madeira temos produzido macrocefalia e limitação de oportunidades. Não conheço cidades saudáveis na mão de meia dúzia, o sucesso está em derramar as oportunidades num ambiente multifacetado e multicultural, aderindo à globalização. Por instrumentos legais recentes e pelo turismo que vinca memórias, somos opção para um calmo desfrutar de vida de um considerável número de pensionistas da Europa, uma razão mais para zelarmos pela qualidade dos serviços de saúde e promover um comércio que forneça as necessidades de outras paragens.
O debate é urgente numa cidade de muitas portas fechadas, a campanha não serve para insultar, enlamear, recontar, adulterar, fingir, fotografar. Fortes homens e mulheres que querem governar mas incapazes de usar argumentos em debates públicos. Porventura disfarçam o medo de, mais cedo ou mais tarde, os seus nomes soarem como responsáveis directos ou indirectos pela situação da cidade do Funchal.
A cidade não resulta de 4 anos de Cafôfo mas de um marcante evento climatérico extremo e, sobretudo, de catástrofes económico-financeiras que se abateram sobre os cidadãos e empresários de um município falido que subscreveu, no mandato anterior, as condições de gestão impostas pelo PAEL (Programa de Apoio à Economia Local), reflectidas na gestão de Cafôfo, realçando-se que dos 29 milhões de Euros de facturas em atraso submetidas, 21 milhões foram para empresas do GR. Apoio à Economia Local? Apenas no início do corrente ano a CMF se livrou do PAEL, diria que Cafôfo só teve um ano de mandato. Este município tão apetecido e busílis político foi berço de uma Quinta Vigia incapaz de produzir qualquer contrato programa com a CMF até ao momento mas, teve como boa vontade da Câmara, ora Confiança, a transferência de mais dinheiro para o conjunto das 5 juntas do PSD do que para as suas. Uma grande diferença de atitudes e critérios. Como acreditar em sentimentos sinceros de lealdade por estes munícipes funchalenses com a agravante da economia regional ser condicionada por um autómato financeiro ultra liberal que professa as ideias de Passos Coelho e Maria Luís no seio do lobismo? Será por tudo isto que Cafôfo, o careca diabolizado, escolheu o slogan “Pelas Pessoas” e a principal opositora sente necessidade de ser “Leal”?
NOTA
Artigo de Carlos Vares, publicado na edição de hoje do DN-Madeira
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