A entrevista ao Padre Martins Júnior, hoje publicada no DN-Madeira, à medida que a fui lendo, levou-me a ter que gerir um conjunto de emoções, pela profunda Amizade e respeito que nutro por esta figura da Igreja, pelos valores que transporta e transmite e, sobretudo, pela imbecilidade de uma hierarquia que o mantém "suspenso a divinis". Há dezenas de anos que nem o julgam em Tribunal Eclesiástico nem lhe pedem perdão, por essa vergonhosa atitude política, repito, política, perpetrada, há 41 anos, pelo então Bispo Francisco Santana.
Li o livro "O 25 de Abril em Machico - Centro de Intervenção Popular 1974/75", publicado pelo seu irmão Dr. Bernardo Martins, livro editado na sequência da sua Dissertação de Mestrado e que teve o Professor Doutor Nelson Veríssimo como orientador do trabalho de investigação. Vezes várias voltei atrás para melhor compreender a relação entre factos, profusamente documentados em 715 notas de rodapé para além de inúmeros fac-símile que dão força ao texto e que entusiasmam a leitura. Nesse notável documento histórico fica clara a mentira vendida como verdade sobre os acontecimentos de 1974/75, em Machico. E na entrevista de hoje, Martins Júnior, ao assumir que é "naturalmente revolucionário", homem progressista, favorável a transformações no âmbito político e social, homem do povo e pelo povo, no essencial, acaba por explicar as razões de nunca lhe terem pedido perdão pela atitude, marcadamente política, de o afastarem. De facto, na prática, nunca conseguiram. E se aqui trago o livro, é por considerar que o actual Bispo António Carrilho deveria lê-lo com toda a atenção. Se já o leu, então, a sua cumplicidade política ainda é mais flagrante e grave. Seja como for, não devia, por amor à Igreja, melhor dizendo, aos paroquianos da Ribeira Seca, em particular, e ao povo da Madeira, em geral, onze anos depois de aqui ter chegado, acabar por confirmar aquilo que Martins Júnior, em 2012, assumiu em uma entrevista conduzida pelo jornalista Emanuel Silva: a Igreja não pode continuar a "(...) servir a dois Senhores. Ou se serve a Cristo ou se serve o Poder (...)". Ora, na esteira de Santana, Carrilho também escolheu o poder. Nessa entrevista, há seis anos, nas vésperas das "bodas de ouro de ordenação sacerdotal", tendo o Padre Martins falado ao Bispo António Carrilho na possibilidade da cerimónia realizar-se na Igreja Matriz de Machico, obteve como resposta: "(...) seria muito boa essa ideia mas se lhe entregasse as chaves desta igreja [Ribeira Seca]. Regredi a 1974. Francisco Santana também me disse que entregasse as chaves da igreja. Respondi 'Não'. A igreja está sempre aberta. Até de noite (...)". Esta não é, certamente, a Igreja de Cristo. É a igreja que fez e faz a opção pelo poder político. Lamento.
É, por isso, que a entrevista de hoje, feita com pinças, me trouxe outras memórias, sobretudo o livro e a entrevista de Emanuel Silva que guardo "religiosamente". Não resisto a um outro excerto. Pergunta o jornalista: "O seu 'crime', no início, foi ter sido político. Qual o 'crime' que lhe foi imputado? [Dom Francisco Santana] chamou-me ao Paço Episcopal e disse: "Martins, entrega-me as chaves da igreja da Ribeira Seca. Disse-lhe 'as chaves não são minhas, são do Povo. Mas porquê?'. 'Porque estás inscrito no Partido Comunista Português'. Ele atira-me esta. 'Até sei o teu número' [de inscrição no PCP]. Que artista! Nem a PIDE faria um serviço tão mal feito! Foi isto. Depois, disse que as catequistas da Ribeira Seca não poderiam mais ensinar Catequese. Porque eu tinha feito um catecismo (Deus no meio do Povo). Nesse catecismo eu relevava as figuras bíblicas libertadoras. Ensinava a linguagem bíblica libertadora. Sei que esse catecismo foi parar à mesa do brigadeiro Azeredo".
Já não falo dos outros, mas deste, do Bispo António Carrilho. Presumo que não deve dormir descansado. "Na paz do Senhor", como vulgarmente se diz, quando tem um problema que indigna todos quantos seguem a Palavra. Trata-se de um comportamento que revolta, mas que confirma uma opção: servir o poder político, primeiro, depois, o Senhor. E sendo assim, questiono-me, como pode o Bispo Carrilho falar de "pecado"?
Ilustração: Google Imagens.
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