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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

TRIBUNAL TRANSFORMADO EM ARENA CIRCENSE


Não entendo, talvez muitos não entendam, este circo no qual se transformou (em alguns casos) o Ministério Público e o Tribunal. É ininteligível a forma como, desde há muito, a Justiça funciona. E não estou, sequer, a escrever sobre a lentidão da dita, os custos da mesma ou a abusiva divulgação de gravações em vídeo e áudio que deveriam ser mantidas sob reserva. Também, de difícil compreensão, as manhãs, tardes e noites dos canais de televisão e rádio a acompanharem, em directo, repetindo até à exaustação o que já é do domínio público, ou a discutirem o nada. Autêntica pescadinha de rabo-na-boca inconsequente. Há uma lamentável e doentia espécie de "voyerismo" que acompanha alguns e incentiva outros, acicatando paixões, já de si exacerbadas e, agora, até, com novas "claques" à porta do Tribunal. Pessoalmente, preferiria o essencial da notícia, o que não se compagina com todo o folclore mediático que não vale um chavo!


Não sou jurista, mas sou cidadão. Tenho o sentido da justiça, mas não me acompanha o sentido do espectáculo no qual, muitas vezes, a Justiça se transforma. 
Se o essencial da Lei deve ser do conhecimento de todos, todos devem saber que as leis produzidas na Assembleia da República, têm de ser aplicadas a qualquer cidadão que as infrinja. O essencial é isto. O resto é espectáculo, muitas vezes grosseiramente encenado para consumo. 
Tenho dificuldade em perceber como é que se prende para investigar, como é que se explica a "especial complexidade de um processo" (há casos, muito específicos, que sim) para manter em prisão preventiva pessoas que, posteriormente, podem ser ilibadas, em um claro desrespeito pelo cidadão que, tenhamos presente, até prova em contrário é inocente. Quem paga ou reabilita à posteriori a imagem, isso parece não constituir preocupação primeira. Mais, ainda, apenas como exemplo, questiono, será o caso de Alcochete "terrorismo" ou um caso de puro "hooliganismo"? Não conviria ler "Em busca da excitação" de Norbert Elias e Dunning? 
Dir-me-ão que há casos e casos! Obviamente que sim. Porém, esta mobilização de centenas de recursos humanos para alguns casos de Justiça, a especulação que é feita sem o conhecimento concreto dos processos e os "debates" organizados em horário nobre e não só, para discutir o zero, causa-me um enorme desconforto. Denunciam que, na Justiça, parece existir desnorte e uma espécie de feira de vaidades entre Magistraturas. Concomitantemente, uma óbvia excitação entre a comunicação social.
O curioso e lamentável é que, enquanto isto acontece, passa ao lado a discussão do Orçamento de Estado, verdadeiramente importante para a vida de todos os cidadãos; passa ao lado o trabalho apaixonado dos cientistas; passam ao lado os grandes dramas sociais; passam ao lado alguns "milagres" diários no campo da saúde, consequência do trabalho de médicos e enfermeiros, apesar de todas as dificuldades; passam ao lado, enfim, tanto de bom que acontece no país. Decididamente, os desmandos do futebol, o "anormal" e a busca de sangue fresco, tomou conta do nosso dia-a-dia. Sinais dos tempos. Quando a Lei, doa a quem doer, é para ser aplicada, mas dispensando a transformação do Tribunal em arena circense.
Ilustração: Google Imagens.

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