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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Dia Mundial do Doente. Se a sociedade está doente a saúde não pode estar melhor!


É o primeiro bem. Ter saúde, sublinha a Organização Mundial de Saúde, constitui "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades". Infelizmente, tal desígnio anda pela via da amargura. Aqueles três âmbitos podem ser desmontados com uma impressionante facilidade: no bem-estar físico, 70% da população não tem uma actividade física de característica regular, simplesmente porque nunca lhe foi incutido o pressuposto do bem cultural para a vida; no quadro mental vivem-se tempos dramáticos, bastando olhar para os números dos síndromes depressivos, ansiedade, tristeza, perturbações do sono, cansaço, falta de concentração. Calcula-se que, anualmente, em média, cerca de 400.000 portugueses sofram de síndrome depressivo, uma das médias mais altas do mundo. A cada oito horas um português suicida-se! Ascende a quase 8.000.000 de embalagens vendidas, por ano, de antidepressivos. Por aí fora, com os custos que todo este quadro tem nas mais variadas análises possíveis. Finalmente, a parte social, vivem-se tempos de engano, de uma louca corrida contra o tempo, como se não houvesse amanhã. É a organização da sociedade que está em causa que tudo pede, que tudo exige, à custa dos baixos salários e de uma estúpida competitividade ao serviço de poucos.


Neste Dia Mundial do Doente, não se pode falar de um povo saudável. A população, genericamente, está doente porque a sociedade está doente. Vivem-se tempos turbulentos e de falsas aparências saudáveis. Vivem-se tempos de confronto entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Tempos de violência e catarse gratuitas que, a montante, escondem razões primárias e chocantes. Tempos de sonhos irrealizáveis, onde pedem que nos adaptemos a uma sociedade inadequada, vazia e errada nas suas raízes. Nesse sentido, quem tem poder ou serve um poder, pede empreendedorismo e resiliência como panaceia para a infelicidade. Vivem-se tempos de corrupção às escâncaras, tempos de eternização da Justiça e de sentenças simbólicas. Vivem-se tempos de tendencial ausência de protecção aos que mais precisam. Vivem-se tempos de aparente abundância, mas de intencional desperdício e de despesas inúteis. Vivem-se tempos que nos conduzem, serena e docemente, para a arena do individualismo, para a cerca onde ficamos encurralados e sujeitos às orientações e interesses de poderes maiores que nem descortinamos. Vivem-se tempos de hipnose, tal como salientou Umberto Eco (1991), porque a linguagem da imagem não permite à civilização, aparentemente democrática, fazer dela um estímulo à reflexão crítica. A televisão, por exemplo, escreveu Jacques Piveteau (1984), instalou-se nas nossas casas "como um parente que se transforma, gradualmente, no pai de família autoritário, gerador de efeitos hemiplégicos no seio da família". Li em Karl Popper e Jonh Condry que "a televisão tornou-se um perigo para a democracia, porque o seu poder é colossal e que nenhuma democracia poderá sobreviver se não pusermos cobro a essa omnipotência". 


Ben Baddikian, citado por Jorge de Campos (1994), sublinhou que os "senhores da aldeia global têm a sua própria agenda política e resistem a quaisquer mudanças económicas e sociais que não se ajustem aos seus interesses financeiros. Juntos, eles exercem um poder homogeneizante sobre as ideias, a cultura e o comércio que afectam as populações (...) Nem César, nem Hitler, nem Rosevelt, nem qualquer Papa tiveram tanto poder como eles para moldar a informação da qual tantas pessoas dependem sobre as mais variadas matérias: desde em quem votar até o que comer".

Todo o discurso está, assim, contaminado. Designam isto, simpaticamente, pelo mercado. Os equilíbrios estão cada vez mais distantes do aceitável e necessário. Aliás, quando persiste o princípio "dos rápidos ou dos mortos", quando a cultura empresarial é a do nanosegundo, é evidente que só podemos esperar uma sociedade doente. Quando o homem, sem dar por isso, ou empurrado pelas circunstâncias, torna-se peça da engrenagem, quando deixa de ter voz e embarca na condescendência, quando se torna actor de uma peça que não gosta, quando acredita na mentira que, pela enésima vez, lhe vendem, quando prefere o individualismo ao sentido e vantagens do colectivo, obviamente que escancara as portas à ausência de "bem-estar físico, mental e social".  
Estamos, por isso, em conflito aberto. Da perspectiva global, fechemos o zoom e situemo-nos por aqui. Olhemos em redor, para as famílias em sofrimento, para as diversas assimetrias, passemos os olhos sobre os salários e o custo de vida, já que falamos de doentes vs saúde, para os magros salários pagos aos médicos, aos enfermeiros e outros técnicos, tenhamos presente as intermináveis listas de espera, para o hospital que há vinte anos não avança, para a proliferação de seguros de saúde para colmatarem o direito público ao sistema de saúde, para a tendencial prevalência do sector privado em detrimento do que sobressai da Constituição da República, para a emigração de técnicos que tanta falta aqui fazem, para os medicamentos em falta, para a instabilidade do próprio sistema que contou com três secretários nesta legislatura, idem na administração do SESARAM, e mais, e mais e mais, pergunto, entre tanto que aqui poderia aflorar, se não estaremos mais próximos da doença do que da saúde?  
Deixo-vos com Leandro Karnal que nos fala da necessidade de "ser louco numa sociedade doente é a única opção (...) O mal sempre vem travestido de bem". Mais do que as minhas palavras, escritas ao correr do pensamento, oiçam Leandro Karnal.

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