O Dnotícias recordou e bem que, há 26 anos, o Professor Virgílio Pereira demitiu-se da presidência da Câmara Municipal do Funchal, em litígio com o presidente do governo, Dr. Alberto João Jardim. Não vou aqui narrar todos os contornos da história. No essencial, a Câmara, na sequência dos mandatos do Senhor João Dantas (PSD), devia, permitam-me a expressão, "uma pipa de massa". O Professor Virgílio era então Deputado no Parlamento Europeu e aceitou o convite para encabeçar a candidatura à liderança do executivo camarário. Consta que a dívida, sendo significativa, contou com o compromisso do Dr. Jardim de que seria saldada, se não na totalidade, pelo menos em uma grande parte, o que permitiria, no caso de vitória eleitoral, o Professor Virgílio Pereira governar a autarquia com estabilidade.
O compromisso não foi concretizado e as situações começaram a azedar, logo no início do mandato, até ao ponto do Dr. Jardim ter afirmado que "bom (presidente) é aquele que governa bem e faz obras mesmo sem dinheiro”. O disparo político, intencional ou não, foi feito no areal do Porto Santo. E o Professor Virgílio deu, serenamente, a resposta própria de um político com coluna: se é assim, demito-me já. E em Setembro isso aconteceu.
À contar da esquerda na foto em baixo: Dr. Jorge Martins, Arquitecto João Conceição, André Escórcio, Dr. Miguel Albuquerque, Armindo Abreu, Professor Virgílio Pereira e Arquitecta Elisabete. |
O Professor Virgílio (PSD) e eu, pelo PS, estivemos envolvidos em uma longa campanha eleitoral em 1993. Nunca antes vista em eleições anteriores, asseguram-me. Foi taco-a-taco durante vários meses. Interessante foi o facto, logo que o Dr. Jardim teve conhecimento que eu seria o candidato pelo PS, ter dito que já poderia ir de férias descansado. Mais tarde, depois de um debate que a RTP-M promoveu, conduzido pelo ex-jornalista José Manuel Rodrigues, hoje presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, um outro jornalista confidenciou-me que o líder do PSD estava a fazer "horas extraordinárias" pela candidatura do meu adversário político. Na realidade, fiquei com o sentimento que tinha valido a pena ter estudado, profundamente, todos os dossiers da cidade. Lembro-me de ter realizado 63 reuniões preparatórias com as forças vivas da cidade, com a ajuda da notável equipa que me rodeou. O Professor Virgílio Pereira, julgo eu, acreditou que a sua experiência seria suficiente para ultrapassar um iniciado àquele nível de debate político. Daí que, posteriormente, tivesse assumido: "a minha postura (no debate) talvez não tenha sido a mais correcta; deveria ter exigido o volte-face durante o debate e não consegui" (Dn. pág. 7 de 22.07.1993).
"Vamos bater-nos com galhardia e depois de tudo isto continuaremos amigos" - Professor Virgílio Pereira |
Recordo que uns dias antes o jornalista Luís Calisto (Dn) tinha-nos juntado no Pico dos Barcelos para um encontro. Foi, como disse o Luís Calisto, o aquecimento, que decorreu com absoluta cordialidade. Recordo esse momento com muito agrado, pela forma como discutimos alguns problemas, com algumas alfinetadas pelo meio, obviamente que sim, mas com respeito de ambas as partes. Afinal ele era um Senhor Deputado do Parlamento Europeu e eu um cidadão convidado pelo meu Amigo Dr. Mota Torres, presidente do PS-Madeira, e cuja experiência política activa resumia-se a quatro anos na Assembleia Municipal do Funchal.
Nas contas finais perdi a eleição, por pouco, após uma "esfrega" de vários meses com um enorme entusiasmo. Depois, aconteceu a sua demissão pelas razões que, inicialmente, equacionei em traços gerais. O curioso de tudo isto, é que o Professor, fazendo jus ao que chegou a transmitir, publicamente, isto é, a sua oposição a "qualquer democracia musculada", quando decidiu demitir-se, teve a elevação de chamar-me ao seu gabinete, na Câmara, enquanto líder da oposição, para uma longa conversa. Disse-me que ia demitir-se e que não tinha outra alternativa. Fiz-lhe ver que compreendia, mas que não seria oportuno. A cidade apresentava um quadro degradado de "alto a baixo" (slogan da sua campanha) e que só com determinação, responsabilidade e respeito pela oposição, poderia ser ensaiada uma mudança consistente. Uma crise política não seria recomendável, quando estávamos com oito meses de mandato. Foi irredutível e e, aí chegado, disse-lhe que, então, seria melhor clarificar a posição eleitoral através de eleições. Respondeu-me: essa luta não me diz respeito, certo é que vou embora. Não houve novas eleições e o Dr. Miguel Albuquerque assumiu o lugar de presidente.
Apreciei a sua postura de homem e de político. As picardias da campanha e mesmo a minha postura à mesa da vereação tinham ficado definitivamente enterradas. Por isso, mantivemos uma irrepreensível cordialidade sempre que nos encontrávamos e nos encontramos. Tenho apreço pelo Professor Virgílio Pereira. Temos, politicamente, posições divergentes em vários assuntos. Ainda bem. Mas sempre vi nele um Homem politicamente decente, que nada tinha e tem a ver com certos comportamentos que uma verdadeira Democracia exige. É um social-democrata convicto, em síntese, uma figura que sempre se opôs àquilo que ele na altura designava por "democracia musculada". Por isso teve os seus dissabores partidários.
Apesar de não convivermos, tenho presente as suas palavras no Pico dos Barcelos: "vamos bater-nos com galhardia e, depois de tudo isto, continuaremos amigos".
O Dnotícias lembrou o conturbado Verão de 1994. Foi bom recordá-lo, pois isso fez-me, também, trazer à memória um tempo que me "apaixonei" pela política séria, com princípios e com valores. Foi com o meu Amigo Dr. Mota Torres e, mais tarde, com outras figuras, que consolidei essa ideia que o exercício da política só faz sentido quando norteado por eles. Hoje, não tenho partido, mas continuo fiel aos princípios e aos valores políticos, económicos, sociais e culturais.
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