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19 Julho 2022
Os BRICS estão em crescimento e já causam mossa nas estruturas económicas mundiais instituídas, esperando-se que se consolidem e dinamizem. A economia é, pois, um bom instrumento de questionamento ao injusto sistema mundial vigente.
1. Este artigo de opinião decorre de comentários recebidos sobre o anterior, os BRICS – grandes economias emergentes, sumarizados da seguinte forma:
Os BRICS são ou não uma continuidade do movimento dos países não alinhados (MNA), embora sob outra roupagem? Esta questão é levantada, por vezes, numa expressão algo vaga, como “os BRICS fazem lembrar…”.
Que futuro terão os BRICS, uma vez constituídos por países tão diferentes, quando aparentemente pouco os une?
Qual dos dois movimentos/grupos de países tiveram/terão maior impacto na geopolítica/geoeconomia mundial?
Algumas notas apenas pois as questões colocadas comportam um “mundo”, sobretudo as duas últimas que requereriam a formulação de diversas hipóteses/cenários da evolução potencial dos BRICS e uma análise profunda e desenvolvida do movimento dos não alinhados.
Atendendo a que no artigo sobre os BRICS foram deixadas considerações sumárias sobre a sua designação e evolução, vamos iniciar este, de igual modo.
Mas, antes de tudo, queremos destacar dois pontos de envolvência fundamentais:
O MNA, como movimento congregou/congrega, na sua máxima força, um número significativo de países (cerca de 2/3 dos da ONU), surgiu na segunda metade do século XX, num contexto de plena Guerra-Fria, em que o Mundo se encontrava dividido em dois grandes Blocos antagónicos (EUA e URSS), o bloco capitalista e o bloco comunista. É o tempo de confronto ideológico Leste-Oeste, com efeitos profundos e múltiplos em todo o Planeta Terra, incluindo o Espaço.
Os BRICS, por seu lado, são uma iniciativa recente do século XXI, com base no entendimento primeiro das quatro maiores economias emergentes a que se juntou mais uma, em que o espírito da guerra fria se encontrava algo adormecido. Destas economias, a Índia é a única pertencente como país fundador ao MNA.
Designação e evolução do Movimento dos Países Não Alinhados
2. O movimento dos países não alinhados está solidamente identificado com a Conferência de Bandung/Indonésia 1955 (18-24Abril), embora não seja esta a data de constituição, pois só na I Conferência de Belgrado/Jugoslávia 1961 (1-6Set.) se institucionalizou formalmente o MNA.
A Cimeira de Bandung, que reuniu 29 países de Ásia e África, sobretudo da Ásia com maior número de recém-independentes (em África ainda havia muitos “países”/colónias), tornou-se um encontro muito rico pela discussão de temas e de propostas, embora muitas não tenham sido aprovadas, como a do Tribunal da Descolonização, discussão essa que, no entanto, incentivou e acelerou o processo de independência das colónias entre elas as de origem portuguesa, muito em início de processo, designadamente no apoio à organização dos movimentos de libertação.
Assumiu-se o conceito de Terceiro Mundo (conjunto de países ex-colónias) em oposição às economias industrializadas (Primeiro Mundo) e ao campo socialista (Segundo Mundo). Este Terceiro Mundo, como conceito, está na origem do Movimento dos Países Não Alinhados.
Discutiu-se se a intervenção dos EUA era semelhante ao da URSS no Leste Europeu e Ásia, o que provocou grandes polémicas entre os participantes. Foram reconhecidos em Bandung dez princípios fundamentais que deviam nortear o Terceiro Mundo, bem como a luta pela independência das colónias, o combate à pobreza, ao colonialismo e ao neocolonialismo.
Os grandes impulsionadores desta Conferência foram Nerhu (Índia), Tito (Jugoslávia), Sukarno (Indonésia), Nasser (Egipto), Nkruma (Gana), Sekou Touré (Guiné).
Entretanto, foram acontecendo, de forma mais ou menos programada, contactos formais e informais que levaram à Conferência de Belgrado. Desses contactos, destaca-se a reunião preparatória do Cairo (a nível de ministros) onde se acordaram cinco questões principais para os debates: desarmamento, colonialismo, papel e estrutura da ONU, Alemanha e Berlim e problemas económicos e ainda os critérios de admissão ao movimento em lançamento, que, de algum modo, já vinha em marcha desde a Cimeira de Bandung e que podem resumir-se no seguinte: o país aderente tem de ter uma política externa independente “baseada na coexistência de estados com diferentes sistemas políticos e sociais”, “apoiar os movimentos de independência nacional” e não pertencerem “a nenhuma aliança militar” surgida no contexto dos grandes blocos [EUA e URSS].
Nesta Cimeira participaram 25 países já membros e três observadores.
Pode dizer-se que a principal conclusão desta Cimeira foi a institucionalização de um novo bloco não alinhado nem com os EUA nem com a URSS, ou seja, o estabelecimento de um caminho independente no campo das relações internacionais exigindo aos seus membros o não se envolver no confronto entre as grandes potências de então.
Este bloco passaria a ter reuniões periódicas e com presidência rotativa a cada três anos tendo em conta as regiões.
No campo da cooperação económica por proposta da Jugoslávia, Egipto e Índia ficou assente a iniciativa de criar um modelo próprio e independente de desenvolvimento.
Independência ou não alinhamento tornou-se assim um imperativo global e urgente para o Sul- Sul ou, como hoje cada vez mais se diz, o Sul Global. Independência não deve ser confundida com neutralidade, tanto assim é que o MNA condenou a intervenção dos EUA no Vietnam tanto como a da URSS no Afeganistão.
Com o desmantelamento da URSS em 1991, o MNA perde, de algum modo, as referências, pois a rivalidade militar e ideológica entre os dois blocos deixou de ser factor decisivo, esmorecendo a sua acção política. Mas há quem aponte para o ressurgimento de um MNA 2.0.
Um ano de 1961 forte em termos de relações internacionais
3. 1961 foi muito tenso e diversificado. Houve a crise de Cuba. O voo orbital de Gagarin. A crise do Congo. A interferência dos EUA no Vietname, Cambodja e Laos.
Na Europa, o muro de Berlim e a bomba de hidrogénio da URSS e muitos mais acontecimentos de segundo nível.
O Mundo estava em aquecimento político. Poderá perguntar-se. Teve o MNA alguma interferência nestes acontecimentos? É legítimo afirmar que sendo um movimento já em andamento sustentado contribuiu para apaziguar muitos dos efeitos nefastos e para o sucesso a prazo de outros como a independência de vários países. O seu impacto político na sociedade mundial tornou-se mais decisivo e consequente nas décadas seguintes até ao desmoronamento da URSS.
Pontos de contacto
4. O MNA e os BRICS de contacto têm a recusa do tipo de estruturação e funcionamento de muitas das instituições internacionais a começar pela ONU, embora utilizando formas diplomáticas diferentes. O MNA de cariz político assumia-se como um terceiro bloco nesse campo.
Os BRICS mais virados para a cooperação económica, com tendência para acrescentar outras economias, mas não ambicionando atingir nem de longe nem de perto a dimensão em número de países. Os BRICS têm tendência para um não confronto e criar ao lado de instituições que contesta outras, como exemplo, o banco dos BRICS. O foco de acção é assim bem diferente: Política versus Economia.
Quanto à questão do impacto na geopolítica ou geoeconomia mundial não se pode deixar de reconhecer a evidência do grande contributo do MNA na descolonização e o seu papel de equilíbrio em muitas situações complexas mundiais desde a sua constituição. Os BRICS estão em crescimento e já causam mossa nas estruturas económicas mundiais instituídas, esperando-se que se consolidem e dinamizem.
Quanto ao futuro aguarda-se que o MNA se reconstitua e os BRICS prossigam o seu caminho, eventualmente vindo a cruzar-se em objectivos comuns. A economia é, pois, um bom instrumento de questionamento ao injusto sistema mundial vigente.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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