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segunda-feira, 25 de julho de 2022

O Estado da Região - Carta aberta


Por
Nuno Morna

Exmo. Sr. Presidente do
Governo Regional da Madeira



Esperando que se encontre tudo bem com a sua saúde e a dos seus, escrevo-lhe com toda a frontalidade, sobre vários assuntos que me mexem com a inteligência que, sendo pouca ou muita, é a que tenho. Como V. Exa. bem sabe, não me move qualquer questão pessoal, mas tão só o posicionamento político que tenho, de clara oposição ao seu governo.

Para muitos madeirenses, dos quais me excluo, V. Exa. representou esperança. Uma ruptura com o passado, mudando o paradigma do modo de fazer política, de nela estar, no modo de a viver. Repare que ali, num instante, mesmo no início até parecia ser o que íamos ter. Cordialidade, respeito pela diferença, procura de consensos. Sol de pouca dura.

Ouvi-o a falar no último debate mensal na Assembleia Regional. Tentei criar alguma empatia com o seu discurso. Tão marcante foi, que já nem me lembro sobre o que era. Fui-me concentrando e consegui chegar a uma espécie de Nirvana, onde só estávamos os dois. Fiquei por ali até que terminou de falar. Foi aí que me veio uma epifania: um de nós dois está errado. E pela primeira vez na vida tive a certeza de que não era eu.

Nos seus mandatos como Presidente do Governo, a cada quatro anos, penso que a coisa não pode piorar. Mas piora.

Nas últimas regionais, por um muito breve momento, pensei que V. Exa., e o seu partido, iriam ter que aprender a governar em minoria. O bem que isso vos faria. E a todos nós. O momento durou até a RTP passar para a sede do CDS e mostrar a festa que lá ia, por perderem milhares de votos e metade dos deputados, sobrando os suficientes para um casamento pecaminoso, contranatura. Aquilo não era uma sede partidária, era um prostíbulo.

Ao fim destes quase dois mandatos, os seus governos nada fizeram que proporcione desenvolvimento e criação de riqueza. A pandemia não serve como desculpa. Somos a região do país com maior risco de pobreza. Continua o predomínio da monocultura do turismo.

Em quase 8 anos teria tido mais do que tempo para avançar com o estudo e implementação de um sistema fiscal próprio de fiscalidade reduzida. Teve mais do que tempo de aplicar o que a lei já prevê, baixando todos os impostos em 30%.

Anunciou com pompa e circunstância o fim do PAEF, no final de 2015, mas manteve a canga sobre o pescoço dos contribuintes.

Mostrou um quero, mando e posso inaceitável durante a pandemia, pondo em causa as liberdades de cada um e “marimbando-se” para o que a constituição, mãe de todas as leis, determina. Tudo baseado em “achismos”, sem qualquer tipo de cientificidade. “Essa história dos direitos individuais é uma palermice”, lembra-se?

A agricultura empobrece quem a pratica e são cada vez mais os terrenos ao abandono.

Nas pescas, o panorama é tão mau, que me reservo para um escrito só sobre isso.

Manteve a estratégia, que vinha do seu antecessor, que tanto criticou, de manter a desigualdade económica para estabelecer uma base firme de apoio, baseada na dependência. As pessoas ficam agradecidas ao seu poder pífio, por este lhes dar o que é seu de direito. Isto é assim porque, infelizmente, muitos dependem do cabaz da Junta e/ou da Câmara, da Casa do Povo, dos subsídios do Estado, da habitação social. Desta amálgama que os convence da gratidão que têm de demonstrar, aderindo a valores impostos pela dependência, aceitando de cabeça baixa um código de hierarquia e visão de mundo, fruto de uma vil propaganda que os convence da caridade, da bondade de quem os aguenta pobres e sem perspectivas. Isto é socialismo.

Na educação, salvo raras e honrosas excepções, que se devem ao esforço das comunidades educativas (alunos, país, professores, funcionários), reina um vazio de ideias, um protagonismo autofágico.

Na saúde aumentaram as listas de espera em todas as valências. A pandemia não pode ser usada, outra vez, como desculpa. Não se pode fechar a saúde devido a uma doença. V. Exa. fê-lo.

Os apoios às empresas foram um poço de burocracia onde ainda, muitas delas, andam enroladas. A banca executou empréstimos que cumpriam critérios de fundo perdido, porque o Governo Regional, não lhes transpira confiança. Tanto assim é, que exigiram garantias pessoais aos empresários.

A região vive um enorme problema de drogas sintéticas que levará, no futuro, a uma geração de inúteis. Os números não mentem e os casos de saúde mental irreversíveis, internados em instituições, por causa destas drogas, são cada vez mais.

A “construção a custos controlados”, que V. Exa. pomposamente anuncia, só pode ser um gozo. Que raio de “custos controlados” são esses que apresentam preços correntes de mercado? Numa terra com um enorme déficit de equilíbrio populacional “achar” que a tipologia T1 dá para as pessoas iniciarem a sua vida, é de uma falta de sentido de governação a toda a prova.

Permita-me que lhe diga que “passear” pelas páginas das redes sociais do Governo Regional não difere em nada das páginas de um qualquer influencer, a debitar informação sobre produtos que promove. É triste, para não dizer ridículo.

V. Exa., como responsável máximo do Governo, permitiu que a administração pública se tivesse transformado numa verdadeira agência de emprego, onde prevalece o nepotismo, o amiguismo e os cartões partidários. A nomeação indiscriminada de pessoas sem qualificação para lugares de conselho técnico e a duvidosa qualidade dos dirigentes é prática corrente.

O seu Governo é forte com os fracos e agachado com os fortes. Os exemplos são mais que muitos, desde a palhaçada com o ferry, até ao pseudoacordo de operação do Porto do Caniçal, passando pela falta de fiscalização e acção na extração de inertes. Entre outros.

Já uma vez falei dos seus entusiasmos: o Toco, o Brava Valley, o Centro de Inteligência Artificial, as criptomoedas. E agora o túnel, o túnel que esventrará a cidade, com saídas para todos os lados. Deixou-se hiperpovoar uma zona do Funchal, sem acautelar a rede de entradas e saídas, e depois lá vem um entusiasmo que nunca será feito, mas que dará pano para mangas durante este aninho e picos que faltam para as regionais.

Ninguém tem responsabilidade por nada. É o inimigo externo, é o outro, é a natureza, são factores indeterminados, há sempre desculpa para tudo. V. Exa., e os que o rodeiam, nunca saberão o bem que sabe assumir o erro, aprendendo com isso.

Uma coisa lhe concedo, V. Exa. não é jardinista. Falta-lhe o empenho porque mais preguiçoso. Merece ser albuquerquista, que é um modo de estar na política com ar enfadado, falar de tudo “achando” sempre qualquer coisa, não fazer quase nada porque dá trabalho, e olhar para os outros com o desprezo de quem “acha” que tudo sabe. O Sr. Presidente, é um fruto de azar. Do azar que tivemos, e temos, em o ter como presidente. São muitos os caminhos trilhados pela falta de sorte. Alguns submetem-se-lhe e não reagem; outros conformam-se e alheiam-se; há mesmo os que encontram em variadas formas de misticismo a válvula de escape e o sossego da consciência; os que desesperam, vivem em estado de frustração negacionista; os invejosos arrastam-se na maledicência do entre boca; os que se humilham hipocritamente; a desconfiança tornou-se o centro de tudo, ninguém diz, nem faz nada, sem olhar por cima do ombro; os que o seguem cegamente, mergulham nas suas megalomanias entusiásticas esfregando-se histericamente; os vaidosos da proximidade babam-se com tanto conhecimento; e há os que vêem na mentira e no banditismo político o clímax do vale tudo até tirar olhos.


Muitas vezes os perdedores também ganham, e o Sr. Presidente é um perdedor que nos arrasta para o fundo. As suas, muito poucas, vitórias (a esmagadora maioria delas eleitorais), exprimem bem o dito: “de vitória em vitória, até à derrota final”. Energia tem V. Exa., mas aparenta deixar que esta seja devorada por uma enorme vaidade e por um inexplicável desprezo por quem não partilha consigo esse “brilhantismo”.

V. Exa., Sr. Presidente, é o gestor de um governo descompassado. Máquinas dessincronizadas, a destempo, engrenagens que não encaixam umas nas outras, levando a um resultado de soma zero. O que nos oferece é uma estatolatria digna de um vulgar socialismo, do qual é evidente o resultado.

Fique descansado, não tenho a ilusão de que vá mudar alguma coisa num futuro próximo, mas, ainda assim, permita-me a ousadia de um conselho: pense mais e “ache” menos.

Atenciosamente,
Nuno Morna

Ilustração: Google Imagens/Funchal Notícias

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