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segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Vamos trocar umas ideias sobre sanções económicas?

 

Por
Economista 

O atual caminho tem de ser invertido, através de formas de suspender a guerra, sob pena de a próxima recessão económica ser muito mais dramática que a anterior crise das “dívidas soberanas”.



Uma grande discussão envolve o impacto real das sanções económicas cujo destino é asfixiar as economias dos países contra quem são dirigidas, com o fim de os vergar e sujeitar à vontade de quem as impõe. Cada vez mais um conjunto de estudos sustenta que as sanções, quase nunca, surtem os efeitos pretendidos. De um modo geral, são dirigidas a países com economias de menor dimensão e mais frágeis.

Nunca se assistiu a sanções contra os EUA, por exemplo, mesmo quando cometem agressões militares com desrespeito pleno pelo direito internacional (basta recordar, entre outros, o Iraque ou a Síria), tal e qual como o fez agora a Rússia na Ucrânia.

É uma boa questão porque, em algumas das sanções anti Rússia, é legítimo questionar: como se pode sonegar e apropriar-se de activos de estados, entidades e pessoas terceiras? Outra questão não menos interessante: porque entram a NATO e o G7 no processo destas sanções, uma NATO a quem Macron tinha passado certidão de óbito e agora aparece, dizem, fluorescente? Precisava de uma guerra? Ou será que, mesmo num contexto pós-Guerra Fria, a NATO é necessária como instrumento subtil de subordinação da União Europeia (UE) aos EUA?!

A guerra económica anti-Rússia

Estas sanções devem ser vistas sob um duplo ângulo. Os efeitos na sociedade e economia da Rússia e no Mundo e países da UE.

Diz o FMI: “mesmo com as sanções, a economia da Rússia contraiu menos que o previsto”. O PIB vai cair em 2022 apenas 6% (estimativas Julho) quando, nas de Abril, a queda esperada era de 8,5%. Isto deve-se ao comportamento favorável sobretudo em termos de preços das exportações de bens (energéticos e não energéticos) e a uma melhoria de adaptação da economia russa com reflexos positivos também no trabalho (menos desemprego).

No Mundo, o problema maior é o da subida dos preços e a contracção da economia no seu todo.

No mesmo relatório, o FMI avança: “os efeitos da guerra nas principais economias europeias foram mais negativos que o esperado”, devido a preços de energia mais elevados, custos mais altos das matérias-primas e bens intermédios, quebra de confiança dos consumidores e desaceleração da produção de bens decorrente de interrupções na cadeia de fornecedores. O FMI acrescenta ainda que a UE poderá vir a acusar um decréscimo de 6% do PIB se a Rússia fechar a torneira do gás por completo.

Cada vez mais, os observadores internacionais são de opinião que a UE está a penalizar-se pelas suas próprias mãos. Larry Elliot, ditor de Economia do jornal britânico “The Guardian”, além de reafirmar que a economia russa não está a ser esmagada, realça, sobretudo, que os Estados-membros da UE estão a tomar medidas incongruentes, nomeadamente a Alemanha, com a reactivação de 27 centrais eléctricas a carvão, fazendo regredir os países para a época do carvão, poluindo 2,2 vezes mais (CO2) que as de gás natural, para igual produção eléctrica. Como conjugar com o combate à crise climática, que a UE tanto advoga?

O “Le Monde Diplomatique” de Junho 2022, pela pena de Mathias Reymond e Pierre Rambert, defende: “os países europeus, na impaciência de renunciar aos combustíveis russos para asfixiar o Kremlin, improvisaram soluções” e, nessa precipitação, avança, cometeram dois erros grosseiros:

Primeiro, ao reduzir de forma precipitada a sua forte dependência do gás e petróleo russos, sem terem assegurado uma alternativa fiável e equivalente em custos;

Segundo, ao alinhar pelas posições americanas desajustadas dos interesses europeus. Washington pode, com toda a facilidade, decretar o embargo dos combustíveis, pois não é atingido pelas sanções, enquanto nos países europeus a situação é desigual, por não terem recursos próprios.

Quanto ao primeiro erro, é de vincar a completa precipitação/incompetência da União Europeia que, através da Comissão, esboçou logo nos primeiros dias após a invasão, o plano REPower.EU (8Março2022) com vista a “eliminar a nossa dependência de combustíveis fósseis russos até 2027”, detalhando reduzir 2/3 do abastecimento de gás russo (pasme-se) até finais deste ano.

Ora, isto significa passar ao abastecimento através de Gás Natural Liquefeito (GNL), exigindo a solução prévia de dois problemas de fundo: infraestruturas de recepção (terminais) e de transporte (navios metaneiros) e mercados fornecedores. Nada disso estava equacionado. Primeiro, um metaneiro cheio transporta, em média, o equivalente a um dia de consumo francês. Não se exige muita criatividade para “imaginar” que não é possível encontrar no mundo tanto navio para responder às necessidades! Segundo, não havia nem há mercados suficientes. EUA, Catar e outros não têm capacidade de produção para substituir, a curto prazo, o gás russo, sem falar da concorrência asiática.

A UE não assentou o avanço para as sanções em bases técnico-económicas fiáveis, não atendeu às condições diversas dos Estados-membros, lançando, deste modo, o rastilho de um ambiente pouco solidário e de desunião. Esta e outras formas de agir foram gerando desentendimentos (escondidos) que têm vindo a degradar-se. A Europa unida é uma falácia. A aprovação da manta rota de redução dos consumos de 15% do gás é um bom exemplo dessa falácia.

O ziguezague europeu das sanções

Os sucessivos pacotes de sanções aplicados à Rússia têm sido um verdadeiro viveiro de contradições, com as chamadas derrogações a sucederem-se.

Tomando como exemplo o acordo alcançado sob a égide da ONU e da Turquia para a exportação de cereais – consulte-se o Diário Oficial da UE, onde se diz: para “evitar distúrbios nos canais de pagamento dos produtos agrícolas” foi decidido “introduzir uma derrogação do congelamento de activos” –, que, no fundo, corresponde à UE ir contra às suas próprias sanções, pois liberta fundos bancários a sete bancos russos excluídos do sistema SWIFT (pagamentos internacionais).

Por outro lado, ainda neste mesmo contexto, foram abolidas as medidas que poderiam dificultar a formulação dos custos com fretes e seguros relacionados com as entregas marítimas e aéreas de bens alimentares e fertilizantes da Ucrânia e Rússia.

Estas derrogações significam um recuo claro nas sanções aplicadas e uma aproximação às exigências de Putin. Ainda bem, pois sem este recuo da UE não teria havido acordo de exportação e os países que se abasteciam da Rússia e Ucrânia continuavam privados desse cereal.

Todo este caminho tem de ser invertido, através de formas de suspender a guerra, sob pena de a próxima recessão económica ser muito mais dramática que a anterior crise das “dívidas soberanas”. A actual situação já contém uma forte desvalorização do euro face ao dólar e uma descontrolada evolução dos preços dos bens essenciais. Daqui a uma agitação social generalizada na Europa faltará pouco.

Medidas europeias de política económica autónomas precisam-se para afastar a UE deste pesadelo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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