"Não deve ter havido, na Região, uma única obra pública que não tenha tido alguma contestação", assumiu o Senhor presidente da Câmara do Funchal, a propósito de um parque de estacionamento a construir no emblemático Largo do Município (Colégio). Quando li esta declaração lembrei-me de um debate na Assembleia Legislativa da Madeira, no decorrer do qual um político repetiu vezes sem conta a "obra feita" e, naturalmente, as obras a realizar. A páginas tantas, um deputado olhou o embevecido político e, sarcasticamente, disse-lhe: "vossa excelência muito obra"!
Assinei a petição que se manifesta contra, mas, presumo que pouco adiantará. Veremos. A não ser que muitos milhares tomem consciência do erro. Simplesmente porque há gente que "obra" por todo o lado, pouco se ralando, por um lado, com as prioridades, por outro, com a douta opinião de outros, sobretudo com os defensores do património e os geólogos. Eles conjugam o verbo esventrar em todos os tempos e modos, porque o que interessa é "obrar" e inaugurar a "obra" que fizeram!
Que interesse terá a opinião de tantos que, aos longo de anos, tentaram chamar a atenção para a necessidade de libertar a cidade do número excessivo de veículos, de criar ciclovias no quadro de novos hábitos a aprender, do efeito dos gazes na saúde (qualidade ambiental), no pressuposto, até, como sublinhou o Engenheiro Geólogo João Baptista, que "a natureza reage às perturbações de cariz humano, como a construção indiscriminada (...)" que não tenha em conta as posteriores vulnerabilidades. Pelo que sei, pois tive o cuidado de escutar quem sabe, há erros perpetrados na baixa que, um dia, podem tornar-se visíveis e incontornáveis.
Ora bem, que personalidades portadoras de conhecimento científico foram escutadas para que o senhor presidente da Câmara do Funchal decida ali "obrar"? Admito a existência de pessoas que gostem muito de automóveis, sobretudo do roncar e do cheiro a combustível, mas o bem comum e a sustentabilidade da cidade deve situar-se muito acima dos interesses pessoais. Mas é assim, não são, por exemplo, os edifícios que devem recuar, mas as ciclovias que devem desaparecer; não são os automóveis que devem estacionar nos "park & ride" periféricos, mas a defesa da sua circulação até junto das máquinas registadoras das empresas.
"Obras públicas, alvo de contestação"? Ainda bem. Lá se foi o tempo do come e cala-te. A Democracia veio possibilitar a divulgação de outros pontos de vista e de chamadas de atenção. No caso em apreço, julgo que um presidente de uma câmara, tendo consciência que ali não é lugar para "obrar", deve recuar, eu diria encolher-se, seguindo a voz dos cidadãos. "Obre" noutros sítios. De resto, maioria absoluta não significa poder absoluto.
Ilustração: Google Imagens.
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