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domingo, 18 de dezembro de 2022

NATAL - A minha mensagem, o meu desabafo!


Gostaria que fosse diferente, mas é o que é. Por isso, mantenho a utopia no seu significado mais profundo, essa utopia, na esteira do escritor Eduardo Galeano e do cineasta Fernando Birri, aquela que está no horizonte e que se distancia à medida que para ele avançamos, o que significa que ela serve, exactamente para isso, para que não deixemos de caminhar. Caminhar com sentido, com objectivos e convicções claras e não vendáveis. 


Por isso, o Natal, aquele que eu gostaria que fosse, não é. Ficamos pela boa azáfama, embora rotineira, que ignora o lado dos verdadeiros e intrínsecos princípios e valores da Humanidade. Não sou pelo Natal rico, mas muito menos pelo Natal pobre. Em todos os sentidos. Sou pelo significado do Nascimento e pela semente deixada entre os Homens. Essa semente que tornaria esbatidos o mundo dos ódios e de perversidades, religiosos, políticos e outros, um mundo de equilíbrios, de liberdade, tolerância, de paz, de amor, de fraternidade e irmandade entre os Homens e as nações. Um mundo onde não fosse necessário pregar a fé e apregoar a caridade, porque implícita nos nossos valores humanos. 


Este, não é, portanto, o Natal que desejaria viver. Nunca foi. Vivo as tradições culturais, sinto-as e esforço-me por transmiti-las, arrebata-me a tão deliciosa proximidade da família, mas, questiono-me, isso bastará quando inalamos o cheiro da pobreza que passa ao nosso lado, o desespero do suicídio (na Madeira são três por mês), o som da guerra que se espalha, a destruição sem dó nem piedade, os povos em fuga, as mortes no mediterrâneo, o sofrimento de milhões de refugiados, o tráfico e exploração de seres humanos, a fome, o desespero, a emigração forçada, a magreza dos salários e das pensões, o desencanto relativamente a políticos que roubam e que nos esbulham, a corrupção tornada modo de vida, o desemprego, as várias violências, a hipocrisia, a mentira, a fortuna de uns à custa da maioria, mais, ainda, a própria destruição do planeta? Há, convenhamos, um certo amargo, quando passamos em revista o que nos rodeia, reflectindo sobre a realidade local e global. 

Não é este o Nascimento que ambiciono e que, estou certo, a esmagadora maioria dos povos deseja. Prevalece a existência de mais direitos do que justiça. E o que não faltam são textos aprovados pelos Homens que servem para emoldurar e a eles se referirem sempre que dá jeito e a necessidade apela. O que não faltam são Constituições de países com artigos e alíneas repletos de direitos sociais. Mas falta-nos o essencial: repudiarmos o egoísmo, a maldade, a ganância, a mentira servida de forma sorridente e convincente, a ostentação, o falso altruísmo, políticos sem visão e especialistas em mediatismo, os ditadores, os que fazem da política uma profissão, a globalização da indiferença, os fraudulentos negócios da banca, entre tantos outros, a punição exemplar de quem se serve de mão-de-obra escrava, os crimes de colarinho branco, os que carregam nos impostos por obediência a essa desorientada União Europeia dos "mercados" e dos favorecimentos, os que se servem de países pobres para sugarem as suas riquezas, enfim, tudo aquilo que ofende a dignidade do Homem que por aqui passa umas escassas dezenas de anos. 

O Nascimento aponta nesse sentido, penso eu. Não passa por matar a fome, por exemplo, aos sem-abrigo na noite de Natal, mas em devolver-lhes a vida. Não passa, apenas, pelo espectáculo das festas de Natal nos hospitais, mas em garantir o pleno direito à saúde, sem milhares nas várias listas de espera. Não passa, apenas, por visitas de circunstância a instituições de crianças, distribuindo-lhes brinquedos, mas em garantir-lhes futuro. Não passa por um sistema educativo caduco que mata o direito ao sonho, à felicidade e que, ao contrário de constituir-se um meio de combate à pobreza, continua a atirar milhares para as margens. Não passa, apenas, por almoços e jantares entre colaboradores de empresas, por momentos de alegria e de esquecimento de tropelias, pressões e angústias. Não passa, apenas, por uma noite do mercado, uns copos e umas sandes de vinho-e-alhos. Não passa, apenas, pelas visitas de cortesia, entre governantes e instituições, onde, amistosa e de sorriso largo, declaram Bom Natal uns aos outros. Porque o Nascimento deveria residir em nós, nos outros onze meses do ano. Utopia? Não. Fraqueza dos Homens, sim.

No coração citadino cruzamo-nos com milhares de pessoas, cada uma na sua vida, correndo de um lado para outro, adquirindo isto e aquilo, mas quantos, questiono-me, nessa azáfama, sofrem em silêncio as vicissitudes da vida? Tudo ou quase tudo aparências, quando Janeiro aí estará com a vida a voltar à doentia normal anormalidade, segundo dizem, um ano de 2023 que só será fácil para uma minoria. Os outros carregarão o fardo das extremas dificuldades. Gostaria que fosse diferente, mas é o que é! Tomemos consciência. E se digo isto é porque acredito no Pai-Natal! A utopia, enquanto caminho, não morrerá em mim.

Para todos um Bom Natal.

Ilustração: Arquivo pessoal

Nota
1. Texto reescrito de um outro que publiquei em 2015 
2. Só voltarei à escrita em Janeiro de 2023

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