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sábado, 3 de dezembro de 2022

O pecado - Foi quiçá o maior «negócio» da história


Por
José Luís Rodrigues 
Padre
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Foi quiçá o maior «negócio» da história.
Serviu para sacar enormes fortunas. Serviu para enfeitar altares com peças requintadamente douradas e prateadas. Serviu para vender pedaços de céu com indulgências e outras «graças» que consolavam as almas malévolas, sanguinárias, cruéis e profundamente injustas para os seus semelhantes, mas depois do «milagre» do vil metal, estavam concertadas para entrar no bem bom dos céus.



O pecado tal como nós o concebemos não existe. Muito menos existe aquela ideia tão comum entre as pessoas de que quase tudo é pecado. E muito do que comumente designamos de pecado não interessa nada ao Menino Jesus. A consciência perante as injustiças, a corrupção praticada e a indiferença da maioria perante os praticantes dela, os ódios pessoais e coletivos que levam à morte, o abandono dos frágeis e etc… São talvez os verdadeiros pecados que ninguém se importa e muito menos confessa.

Nas Vinhas da Ira, John Steinbeck, colocou na boca de um dos seus personagens esta frase: «pecado é ter fome e frio» (pag. 386). Nesta fase do livro a reflexão sobre o pecado é magnífica e devia ser afixada nas portas das igrejas.

O «negócio» do pecado levantou basílicas sumptuosas, catedrais requintadamente faustosas, vestes clericais bordadas a ouro e prata, imagens de santos riquíssimas contrastando com a pobreza real enquanto viveram historicamente e objetos para guardar o Senhor Jesus - que foi um pobre de Nazaré. Os bens mais ricos que alguma vez a humanidade criou, serviram para luxos e para voluptuosidades do clericalismo - essa casta privilegiada e autorreferencial que se intitula de os chamados e eleitos Deus para O servirem esplendidamente.


Mas par deste «negócio» astronómico, cujo produto era o pecado e todos os medos e ameaças de condenações eternas às penas do inferno a ele inerentes, o povo na sua larga maioria morria de fome e de frio, e tudo, exatamente, como ainda hoje acontece. Uma larguíssima maioria de pessoas humanas morre de frio. Este pecado, ninguém confessa.

O pecado nos nossos dias tem um sentido mais lato, porque mais social e comunitário, porque é a esse nível que situamos a verdadeira desgraça da humanidade e do planeta. Por exemplo, o pecado dos atentados contra ecologia e o meio ambiente, são graves e afetam todos.

Se concebemos Deus dentro de determinados parâmetros, mais de acordo com o Evangelho do amor e da misericórdia, também devemos encarar de modo distinto a forma como nos relacionamos com o transcendente.

Nunca pode o pecado ser encarado como um negócio, uma arma para meter medos com vista a domesticar e dominar as pessoas. O pecado existe, é um mal corrosivo das sociedades, das famílias e das relações interpessoais. Porém, a ninguém é legítimo servir-se das quedas humanas para enriquecer, incutir medos, tecer condenações e fazer de Deus um justiceiro ou merceeiro que concede dons e graças como moeda de troca.

Muito menos a forma de reconciliação e remedeio do pecado pode ter por uma única via e por uma única entidade. Porque tal seria ilegítimo e pior seria que aceitássemos que pecadores andavam a salvar pecadores, como cegos a conduzir cegos ou cambados a carregar à costas outros cambados.
O pecado para ser remediado, implica arrependimento e o propósito de emenda, depois Deus e a consciência de cada pessoa ditarão e farão o que é preciso fazer. Quanto ao caminho e a forma de lá chegar, cada um procure a melhor forma de se reconstruir interiormente. Não há uma única via e o reino de Deus tem muitas portas.

Por isso, pecados verdadeiros, que devem inquietar o Deus da misericórdia, da paz e do amor, devem ser todas as atitudes desta vida que violentem tais qualidades. Neste sentido, só temos para «confessar» a gravidade que assola este mundo onde tantos ainda morrem de frio e de fome. Por causa da guerra, do negócio das armas e todas as estupidezes que a humanidade teima em fazer valer contra o bom senso e a razão autêntica das coisas.

Ter fé não é ter sossego, é viver desassossegado. Quando há sossego é sinal que deixamos de nos considerar responsáveis do frio e da fome que ainda existe no mundo. O pecado não é mais importante que a fé, a esperança e a caridade.

Um grande pecado é ser escravo de medos. E estragar a felicidade própria e a dos outros, é o caminho certo para cair no inferno. E a Deus só pode interessar que não violentemos a vida de forma nenhuma. JLR

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