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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Vias rápidas e vias de morte

 

Ontem foram mais dois jovens que morreram. E a pergunta que fica é esta: quantas mais mortes serão necessárias para que se entenda que alguma coisa tem de mudar? Estas vias, ditas "rápida" ou "expresso" tornaram-se vias de morte. Há uma genérica cultura da pressa à qual se associam a irresponsabilidade de uma condução forçada, quando estas vias, apesar de mantidas com qualidade, pelas suas características, exigem uma condução extremamente cautelosa. Em suma, não são propícias à velocidade.



Numa visita à Noruega instalei-me em Dalen, cidade equidistante de Oslo e Bergen. Pensei que estando a cerca de 200 km de cada uma das cidades, tal permitir-me-ia visitá-las em pouco mais de duas horas. Engano meu. Mais de quatro a partir de Dalen para cada um dos sentidos. Há uma rigorosa aplicação das leis do trânsito. Certo é que têm uma das mais baixas taxas de sinistralidade. Por aqui (Portugal em geral) os condutores transformam-se ao volante, para além do palavreado, ultrapassam os limites, pressionam e buzinam, para logo de seguida ficarem parados numa fila.

Como se isto não bastasse, por aqui "inventaram" aquele sinal de permissão de +10 km com o piso seco, que constitui um convite à velocidade em estradas que, na sua estrutura, não beneficiam de espaço para qualquer manobra de recurso.

Há uma nova cultura a interiorizar, de serenidade na condução, respeito e responsabilidade, ao mesmo tempo que o acto fiscalizador tem de ser assumido com tolerância zero, com marcas nas estradas que impliquem o distanciamento entre viaturas. Ora bem, reconheço a minha ignorância em matéria de trânsito. Apenas sei conduzir, mas não me conformo com mais duas mortes de jovens que bem podiam ter sido evitadas.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

"Ao Deus-dará"

 

Desabafo? Talvez. Mas sabe-me a "chuva no molhado". Todos, não direi, mas muitos, conhecerão o estado de alguma degradação da sociedade. Assiste-se à crescente ausência de confiança nas instituições públicas que contaminam a sociedade. O povo, sentimento meu, sente-se defraudado. O que lhes chega às mãos é-lhes retirado ao virar da esquina. As propaladas melhorias esfumam-se e permanece o estado de luta de milhares pela sobrevivência. E, entretanto, os escândalos (os conhecidos) continuam, as sucessivas vagas de suspeição e as atitudes subterrâneas permanecem no quadro de um jogo forjado que falsifica as regras da ética e fabrica fortunas. Há um sentimento de engano e de fraude política. 



Obviamente que há uma histórica responsabilidade dos governos. Foram eles que permitiram que aqui chegássemos. O sistema educativo falhou em todas as áreas e domínios de intervenção formativa; aculturaram na cultura do chico-espertismo ao mesmo tempo que garantiram a uns poucos o domínio da economia; intencionalmente, a permissividade e a irresponsabilidade das famílias tornaram-se paisagem, em contraponto com a sôfrega corrida ao dinheiro, gerador de riqueza, algumas mal explicadas, que fluiu para uma sociedade globalmente assimétrica, pobre e dependente.

E, hoje, olhamos em redor e vê-se o desencanto, uma crescente tendência para o salve-se quem puder, graves limitações na capacidade profissional de resposta às necessidades da sociedade, empresariais e outras, iliteracias e dependências múltiplas, actos de alegadas corrupções que conspurcam a democracia, emigração forçada, milhares de jovens que não estudam nem trabalham e um insensato foco no turismo e na indústria da construção civil, desprezando outros sectores de importância vital no equilíbrio do desenvolvimento. 

Tem alguns anos e um Amigo dizia-me: "estão a fazer muitos túneis na cabeça das pessoas". A velha e ridícula história do "povo superior" compaginada com a ideia que o madeirense tem de pertencer a uma "máfia boazinha" ou, então, a provinciana, sistemática, intencional e inconsequente atitude contra "Lisboa", fugindo à negociação sensata e profícua, conjugado com uns pozinhos locais de perseguição e medo, hoje, conclui-se, que se trataram de actos de má fé política, mas que surtiram efeito no controlo da sociedade. E, agora, somos o que somos, com a cidadania a níveis muito baixos, onde se cochicha mas não se enfrenta. Em qualquer parte, mesmo considerando a presunção de inocência, as dúvidas suscitadas pela Justiça seriam suficientes para acabar com este sistema pantanoso.

Emerge, por isso, a necessidade de uma nova organização social sustentada em princípios e valores, que relegue mentalidades abstrusas, que caminhe para a democracia e a liberdade vividas na plenitude, fundada no respeito, na tolerância, na inteligência e na cultura. Isso leva anos, muitas legislaturas alicerçadas em políticos bem formados, animados no serviço público à comunidade, que consigam ver para além dos corredores partidários. Simplesmente porque esta e talvez as próximas gerações estejam hipotecadas. 

Ilustração: Google Imagens.

Mais Vitalidade e Qualidade de Vida ao Longo dos Anos

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Orçamento 2025, do que se conhece


Por

O quadro macro apresentado é pobre, porque destituído de fundamentação técnico-económica e, por isso, sem interesse, como guia das potencialidades evolutivas da economia para 2025, para os agentes económicos, privados e públicos.



O fecho do orçamento2025 resultará de um jogo rocambolesco com muitas nuances. Não é o interesse nacional que comanda o processo da sua elaboração e discussão. O que move os agentes políticos causadores da instabilidade, ao contrário do que muitas boas almas, por vezes genuinamente apregoam, não é o evitar uma crise política ao País. O que os move é sair deste imbróglio de cara limpa e imagem retocada.

Os frenesins do Presidente são a imagem perfeita. Não há sítio onde vá, que não fale da viabilização do OE25, procurando passar a ideia de que o país, se governado por duodécimos, será uma tragédia. Tantos países na Europa o têm sido e não veio mal maior ao mundo. Melhor uma gestão por duodécimos, que integra muitas válvulas de escape para despesas necessárias, que um mau orçamento a abrir fissuras fundas na sociedade portuguesa. Mas, bem melhor, é um orçamento aprovado, que promova criação de riqueza e uma distribuição justa da mesma.

Entrando no debate de informação, já disponibilizada, do OE2025.

O OE tem duas peças centrais: enquadramento macro e OE propriamente dito.

Valor facial e real

1. O orçamento, grosso modo, é um documento com a previsão discriminada de receitas e despesas do Estado para um determinado ano civil.

O seu valor facial é atribuído por quem o faz – o Governo – na base de objectivos, suportados em políticas expressas ou subentendidas para os diversos domínios. O Governo dá sempre nota máxima ao exercício que elabora, independente da qualidade.

O valor real é bem diferente. É um “mix” qualitativo, resultante da opinião de uma multidão de agentes sociais e políticos, na maioria das vezes, com interesses contraditórios. De forma simples, as pessoas são influenciadas pelo desempenho das organizações políticas que o debatem no Parlamento, bem assim pelas posições manifestadas por sindicatos, patronato, comunicação social e outros.

Os valores facial e real do OE raramente se cruzam.

Uma variável que muito pesa na formação do valor real é a intuição que se gera na sociedade do seu contributo potencial para a redução ou ampliação das desigualdades sociais. A sociedade é deveras sensível a esta questão, embora muitas outras contem na avaliação do OE: saúde, educação, salários, segurança, …

Enquadramento macroeconómico

2. O enquadramento macroeconómico, também conhecido por cenário macro, constitui uma peça essencial, que está para além do próprio quadro orçamental do Estado. Nele se condensam os valores estimados das principais variáveis da economia no período. Presume-se, então, que incorpore uma informação sólida e sustentada sobre essas variáveis, o que significa que, na sua elaboração, foram considerados os impactos na economia portuguesa da evolução esperada nos diferentes espaços económicos mundiais, com relevo para o que se está a passar ou espera que se passe, com elevada probabilidade, de influenciar o período em análise.

Entre esses espaços tem de merecer especial atenção a União Europeia (UE) que, como sabemos, atravessa uma situação crítica na política, na economia, na segurança, com relevo para a França e Alemanha. Os dois motores da UE estão “a gripar” (política e economicamente) e em situação orçamental complexa. Quem admitiu alguma vez a Volkswagen altamente endividada e a fechar fábricas na Alemanha! O relatório Draghi, recentemente entregue à Comissão Europeia, traça uma imagem negra do panorama europeu em declínio sustentado em terreno competitivo.

O OE2025 pelos dados disponibilizados pelo Governo não foi merecedor de um trabalho técnico de qualidade. A informação do Programa de Estabilidade enviada para Bruxelas, em Abril último, elaborada num contexto de políticas invariantes como foi dito então e, na altura, compreensível, tendo o governo acabado de tomar posse, é praticamente a mesma do quadro macro que se conhece.

Ora, na situação presente, quando tanta coisa mudou no país porque foram tomadas ou anunciadas várias medidas pelo Governo e na Assembleia com impactos económicos, quando, como se referiu, a situação na União Europeia é crítica, apresentarem-se as mesmas taxas ou quase, seria uma coincidência improvável. A taxa de variação do PIB nominal é a mesma (4,5%), a taxa real difere apenas em 0,1 pontos percentuais; a taxa de inflação difere quando muito de uma ou duas décimas, enfim…

O quadro macro apresentado é pobre, porque destituído de fundamentação técnico-económica e, por isso, sem interesse, como guia das potencialidades evolutivas da economia para 2025, para os agentes económicos, privados e públicos e, como tal, põe em causa a credibilidade do OE25. Não se compreende este desleixo na elaboração de matéria tão sensível e importante. Desleixo ou incompetência?! Não foi, de certeza, por falta de capacidade técnica dos técnicos do Ministério das Finanças que os há de elevado nível. Este exercício, desprovido de “bases técnicas”, só pode ser imputado aos gabinetes e dirigentes políticos do Ministério das Finanças.

Filosofias subjacentes à criação de desigualdades sociais

3. Centremo-nos em dois temas fiscais que se apresentam cruciais na viabilização do OE25, o IRS Jovem e o IRC. Idealizemos os resultados da sua aplicação, segundo a filosofia dos modelos preconizados pelo Governo.

Segundo o que se vai ouvindo, o Governo estará num jogo de deixar cair o seu IRS Jovem por troca do IRC, aceitando algumas eventuais alterações, neste último, na linha do PS. Temos ouvido, por outro lado, que a medida do IRS Jovem é uma das baias “irrevogáveis” do CDS, certamente ao nível da recuperação de Olivença.

A materializar-se, o IRS Jovem, segundo a filosofia que o enquadra, irá cavar, no mínimo, um/dois fosso (s) sociais: um, em função da idade (mais e menos de 35 anos) e outro, consoante o montante dos rendimentos.

Exemplo. Um português com o vencimento mensal de 6000 euros e 35 anos ou menos pagará de imposto/ano 8497 euros. Outro português com mais de 35 anos pagará de imposto/ano 25718 euros/ano. Uma diferença de cerca de 17 mil euros. Que grande justiça tributária caçar a um português (azar, ter mais de 35 anos) quase três meses de vencimento num ano! Os cálculos não são meus, mas da PwC, publicados no “Público”.

Mais grave. Este não é o caminho para os jovens ficarem no país. Pensemos em certas profissões, a chamada emigração qualificada: enfermeiros, médicos, investigadores… que, com frequência, têm deixado o país. Não são uns quantos euros a mais, decorrentes de uma mais baixa fiscalidade, que os prenderão por cá. São as condições de vida, a progressão numa carreira estável. Um ambiente sustentado de vida e de trabalho. Ora, esta medida tributária, como está formulada, apenas cria tremendas desigualdades sociais, não inverte as razões de saída do país. Estar o país a investir no conhecimento para o “exportar” a custo zero é frustrante.

Estancar e erradicar esta anomalia através de novas vias de desenvolvimento é um verdadeiro desígnio nacional. As medidas de fiscalidade terão certamente o seu lugar, mas não na base de filosofias que aprofundam os fossos das desigualdades. Precisam-se de planos integrados de desenvolvimento que puxem o país no mesmo sentido, ou seja, na criação de condições estáveis numa visão de bem-estar futuro.

Um OE25, com filosofias como esta, não serve o País, desacredita-o. Frusta as ambições de quem está atento.

(Nota: o IRC, por falta de espaço, será tratado em próximo artigo).

sábado, 21 de setembro de 2024

Os homens devem estar loucos


Por
Miguel Sousa Tavares, 
in Expresso, 
20/09/2024
estatuadesal 

Atravessámos décadas de Guerra Fria a evitar cuidadosamente que qualquer dos lados fosse levado a sentir-se ameaçado ao ponto de perder a cabeça e carregar no botão. E agora andam a brincar com o fogo, testando até onde irá o sangue-frio e o juízo de alguém que eles próprios classificam como louco e assassino. Quem são os loucos, então?



No “Fórum TSF”, discutindo-se o envio de armas de longo alcance para Kiev, com a finalidade de serem utilizadas contra território russo, e as possíveis represálias de Moscovo a essa escalada da guerra, um ouvinte, corajosamente sentado na sua secretária, opinava, seguro, que nada havia a temer: mesmo que Putin levasse avante a sua ameaça de recorrer a armas nucleares, e se bem que o arsenal russo seja o maior do mundo, a superioridade tecnológica ocidental garantiria a vitória final. Uma douta opinião, por muitos partilhada, mas que assenta em duas presunções, uma abusiva, a outra simplesmente idiota. A presunção abusiva é a habitual, a de que cada vez que Putin abre a boca está a ameaçar com armas nucleares. Curiosamente, nunca o fez, pelo menos explicitamente, mas são sempre os media e os dirigentes ocidentais que põem a ameaça nuclear na boca dele: ou porque lhes interessa para efeitos de propagada ou porque acham mesmo, e temem, que essa possa ser a resposta fatal a cada novo passo do engajamento da NATO na guerra da Ucrânia. O que Putin disse desta vez foi que o fornecimento de mísseis de longo alcance a Kiev por parte de países membros da NATO, acompanhado da licença do seu uso contra território russo, equivaleria a uma declaração de guerra da NATO à Rússia, a qual “acarretaria consequências”. Sem perder tempo, essas “consequências”, tal como no passado, foram imediatamente traduzidas pela ameaça de utilização da arma nuclear. Quanto à presunção simplesmente idiota do ouvinte da TSF, ela consiste em imaginar que uma guerra nuclear na Europa, entre a NATO e a Rússia, se limitaria ao território da Ucrânia e que dela restariam vencedores e vencidos.

Como é que chegámos aqui, a este patamar de insanidade geral, com os nossos governantes a acumularem passos cada vez mais próximos do caminho de uma terceira guerra mundial, sem que os povos sejam esclarecidos e consultados? Que Putin o faça com o seu povo, ninguém estranha: é um ditador. Mas, e as democracias? Ainda agora vimos o novo PM inglês, o trabalhista Keir Starmer, correr a Washington para suplicar a Biden que junte os ATACMS americanos aos Storm Shadow ingleses e aos mísseis franceses para uma tempestade de fogo sobre os céus da Rússia. Acrescentou que se trata apenas de “ajudar a Ucrânia a enfrentar o inverno” e a conseguir prosseguir a guerra em pé de igualdade. O louco não só quer continuar a guerra sem fim à vista como ainda acredita, ou finge acreditar, que a Ucrânia pode vencer a guerra, mesmo quando já não dispõe de soldados que queiram combater e civis que queiram continuar a viver debaixo de bombardeamentos e escombros. Como disse o Presidente mexicano, López Obrador, a mensagem do Ocidente para Kiev continua a ser “vamos continuar a guerra, com as nossas armas e os vossos mortos”. No que à Inglaterra respeita, esta tem sido, aliás, uma política consequente e consensual: foi o antigo PM Boris Johnson quem, ao segundo mês de guerra, foi expressamente a Kiev dizer a Zelensky que não assinasse o acordo de paz com a Rússia, já negociado em Ancara, pois que era possível correr com a Rússia da Ucrânia à força, com os meios que os países da NATO poriam à sua disposição. O mesmo Boris Johnson que depois de sair de Downing Street se dedicou a correr mundo dando conferências sumptuosamente pagas para defender a continuação da guerra, onde os ucranianos combatiam em defesa das propostas e dos honorários dele... Mais tarde, foi o secretário da Defesa americano, Lloyd Austin, quem foi a Kiev reforçar a mensagem ocidental, explicitando que o objectivo final da guerra da Ucrânia não era apenas correr com os russos de lá, mas enfraquecê-los de tal maneira que de futuro não mais se atrevessem a aventuras militares: fora de combate.


Nesta estratégia de tudo pela guerra, nada pela paz, a Inglaterra andou sempre um passo à frente dos Estados Unidos, mas, com a surpreendente colaboração de Macron, foram conseguindo arrastar Biden, hesitando sempre primeiro, acabando por aceitar depois: conselheiros militares, partilha de informações sensíveis, sistemas de mísseis, tanques de última geração, F-16 e — é só esperar uns dias — os mísseis de longo alcance para atacar território russo. Tudo o que Zelensky tem pedido, mais tarde ou mais cedo, tem obtido. Só lhe falta, e já o lamentou, não dispor de armas nucleares — o que é uma ironia histórica, pois que, quando a Rússia deu a independência à Ucrânia, a grande preocupação ocidental foi justamente que Moscovo não deixasse para trás, em mãos ucranianas, as armas nuclea­res que ali tinha estacionadas.

A guerra da Ucrânia, evitável desde antes do início da invasão russa, tem sido a ruína da Europa: arruinamo-nos para comprar armas aos Estados Unidos e depois fornecê-las à Ucrânia (70% delas), vimos a Alemanha, o motor económico europeu, gripar devido ao fim das importações de petróleo e gás russo com a sabotagem dos oleodutos Nordstream (onde pára o inquérito, aberto há mais de ano e meio?), pagámos a guerra com inflação, com energia mais cara, com o fim do mercado importador russo, com dez passos atrás nas políticas de descarbonização, com uma descolagem brutal na competitividade da economia europeia face às dos Estados Unidos, China ou Índia: está tudo no Relatório Draghi, só não se diz porquê. Mas, graças ao alinhamento militante de uma imprensa submissa a acrítica como nunca tinha visto, a própria palavra paz tornou-se símbolo de rendição, quando não de conivência com Putin, e até, numa curiosa inversão de valores, um sinal de falta de solidariedade com os ucranianos que já morreram e os que ainda vão morrer. Um por um, todos os que ousaram tentar ou sugerir um acordo de paz para pôr fim à guerra, foram politicamente exterminados, as suas palavras deturpadas, as suas intenções vilipendiadas: Erdogan, o ex-PM israelita, Xi Jinping, o Papa Francisco, Lula da Silva, o Presidente do México, quem quer que não professasse o credo da guerra para sempre e até à vitória final. Nunca tantos se deixaram arrebanhar tão facilmente durante tanto tempo.

Para nos assustar e convencerem da sua razão, dizem-nos que se Putin não for contido, acabará sentado em Kiev, e não ficará por aí, como garantiu Kamala Harris. Nenhum dado, nenhum relatório de serviços secretos, nenhuma tese de observadores independentes, nenhuma análise séria e lógica confirma tal dedução, mas isso o que interessa? Mais depressa e com mais razões Putin concluirá que os mísseis de longo alcance disparados contra a Rússia não se deterão em objectivos militares ou estratégicos e rapidamente estarão a visar Moscovo ou São Petersburgo — e, aí sim, entrará em vigor a doutrina nuclear russa, que é conhecida e idêntica à das potências nucleares ocidentais. Então, o que esperam, o que querem estes loucos que nos governam? Atravessámos décadas de Guerra Fria a temer que qualquer estúpido acidente de percurso levasse alguém, de qualquer dos lados, a carregar no botão vermelho. A evitar cuidadosamente que qualquer dos lados fosse levado a sentir-se ameaçado ao ponto de perder a cabeça e carregar no botão. E agora andam a brincar com o fogo, testando até onde irá o sangue-frio e o juízo de alguém que eles próprios classificam como louco e assassino, como disse Biden. Quem são os loucos, então?

Outra das teses da propaganda dos discípulos da NATO é a de que qualquer negociação implicaria a cedência de territórios ucranianos. Porquê? Porque Putin o disse. Disse, sim, como Zelensky disse que exigiria a devolução da Crimeia. Qualquer negociação começa assim, com posições extremadas de ambos os lados, e o papel dos negociadores é levá-los a perceber, neste caso, que um acordo no meio termo é melhor para ambos do que uma guerra sem fim. É muito fácil estar sentado aqui, no extremo ocidental da Europa a pregar que a NATO dispare os seus mísseis e não se preocupe com as armas nucleares de Moscovo. Mas se ele estivesse numa aldeia da Ucrânia, à mercê de bombardeamentos diários, a ver a sua casa destruída, os seus familiares e vizinhos mortos e uma vida sem outro futuro pela frente, quem sabe não acabaria a desejar a vitória de Trump nas eleições americanas? “A vida é uma história contada por um idiota”, escreveu Shakespeare.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

"AB INITIO"


Eu sei que perante a lei e todos os normativos, somos iguais. A Lei é gerada pelos representantes dos cidadãos em sede de Assembleia da República. Mas também sei que até sentença transitada em julgado todos são inocentes. A presunção de inocência tem de acompanhar todos os processos. Trata-se de um pressuposto que todos deveriam dominar. Ser detido para ser ouvido é uma coisa; outra, é ser arguido, julgado e condenado. Há gente sobre as quais recaem dúvidas, que é ouvida e, mais tarde, absolvida. Entretanto, ficaram na lama através de julgamentos públicos apressados.



Lamento o que tenho vindo a assistir. Como se fossem criminosos de sangue, de um qualquer tráfico ou com uma gravosa história penal, vejo-os tapando a cara e algemados, rodeados de tantos agentes e guardas prisionais agarrando-os pelo braço e, neste quadro, questiono-me, para quê este espectáculo montado pela Justiça? Porque podem fugir ou criar distúrbios? Esquecem-se que há famílias, que há pais, filhos e netos, amigos, entre outros, com todas as repercussões negativas que daí resultam.

Esteja o que estiver na mira do poder judicial, não me parece aceitável a subjugação de pessoas, espezinhando-as, como se se tratasse de assassinos de culpa provada e transitada em julgado. Até esses têm direito à reabilitação social. Mas isso é depois. Defendo a Justiça, mas repudio o circo apalhaçado da Justiça.

Aguardemos pelos próximos episódios da série!

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Os “11 de Setembro” ao longo dos tempos


Por

A ideia inicial de um simples revisitar, de forma simbólica, o Golpe Militar do Chile e o Atentado às Torres Gémeas, qualquer deles, um acto de terrorismo puro, surgiu de muitos investigadores defenderem que estes dois acontecimentos trouxeram ao Mundo mudanças profundas duradouras, designadamente descredibilizando o “Mundo do Poder” indiciando o seu declínio, incentivando a prazo um novo Mundo em ebulição.




A publicação deste artigo de opinião coincide em data com dois acontecimentos de primordial importância mundial, relativamente recentes: o Golpe Militar do Chile, no ano de 1973, comandado por Pinochet, pouco antes do nosso 25 de Abril, que derrubou o regime constitucional existente, no decorrer do qual morre o Presidente Salvador Allende e o Atentado às Torres Gémeas em Nova York, em 2001, com milhares de mortos.

O Golpe militar do Chile

Salvador Allende chegou à Presidência do Chile, eleito a 4 de Setembro de 1970, constituindo um governo de Unidade Popular com um programa de reformas estruturais de transformação da sociedade. Esse programa ia contra os interesses da extrema-direita, direita e democracia cristã. A CIA, aliada destas forças políticas chilenas, esteve sempre na manobra da criação de condições para o derrube de Allende que, sem maioria no Congresso, enfrentava problemas graves de funcionamento, designadamente em termos da legislação das reformas a introduzir. Em tempos de guerra fria e grande envolvimento na guerra do Vietname, a governação Allende, em desgraça desde início face aos EUA, pois, tornava-se ainda mais incómoda, na América Latina, a funcionar em contracorrente. Assim, o regime democrático de esquerda sobreviveu somente 3 anos, graças ao apoio da CIA no seu derrube. Com o golpe militar instituiu-se a Junta Militar, com Pinochet na Presidência, o cérebro que comandou o ataque ao Palácio de la Moneda.

A Junta desencadeia uma repressão sangrenta por todo o Chile. Os números oficiais de vítimas são terríveis. Cerca de 3200 entre desaparecidas e executadas e 200 a 300 mil pessoas presas e torturadas. Abule o Congresso, instala a ditadura, suprime a liberdade de imprensa e implanta um regime ultraliberal na economia. Passaram-se 19 anos até a retoma de eleições.

O Ataque às Torres Gémeas

O ataque às Torres Gémeas foi desencadeado pela Al-Qaeda, dirigida então por Osama bin Laden. Dos quatro aviões americanos, sequestrados na costa Leste, dois são lançados contra as Torres Gémeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque, um danifica o Pentágono, em Washington, e o outro cai na Pensilvânia em área não habitada.

Sobre estes atentados persistem muitos buracos negros. Demorou tudo muito tempo a saber-se. Desde o apuramento do número de mortos que nunca se saberá, sendo a maior incógnita uma “aparente negligência” da CIA na antevisão dos acontecimentos porque houve indícios, pelo menos, vários investigadores e historiadores a isso se referem.

De assinalar que Bin Laden, por algum tempo, manteve excelentes relações com os EUA, recebendo inclusive armas e dinheiro. Porém, a guerra do Golfo mudou tudo, por despeito, devido ao alinhamento dos EUA. E aí começam os atentados da Al-Qaeda contra os EUA.

Estes dois acontecimentos têm leituras bem diferentes. O primeiro é um conluio do “Mundo do Poder” atacando um país democrático por não lhe prestar vassalagem. O segundo é uma “rebeldia” contra “o Mundo do Poder”, abrindo-lhe fragilidades.

Acontecimentos ao longo dos tempos

Uma pesquisa alargada aos muitos Setembros permitiu identificar factos históricos de relevo, de que se escolheram alguns, relativos a Portugal e ao Mundo. Desde logo, neste mesmo dia, 11 de Setembro, só que do ano de 1891, suicidou-se, em São Miguel, num banco de jardim, o poeta Antero de Quental.

Nos acontecimentos salientados, a escolha tem muito de pessoal. O que uma pessoa entende relevante, para uma outra pode não o ser.

Continuando:

Dia 1 de Setembro, 1911 (menos de um ano da implantação da Primeira República Portuguesa, 5 de Outubro 1910), promulga-se a Portaria a regulamentar a reforma ortográfica da Comissão, nomeada para o efeito, em Fevereiro de 1911. Assinale-se a velocidade de funcionamento, comparada aos dias de hoje. Neste mesmo dia de 1945, o Japão rende-se aos aliados, após o lançamento pelos EUA das duas bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki

Dia 3, 1759, promulgação da Carta Régia de D. José a abolir a Companhia de Jesus.

Dia 6, 1951, primeiro acordo entre Portugal e EUA sobre a Base das Lages.

Dia 7, 1822, declaração da Independência do Brasil pelo infante Dom Pedro, filho de D. João VI – grito do “Ipiranga” e a assinatura dos acordos de Lusaca, Portugal – Moçambique, 1974.

Dia 8, 1918, distribuição de senhas de racionamento de bens em Portugal, em tempo da Primeira Grande Guerra.

Dia 10, 1911, reconhecimento da República Portuguesa pelas maiores potências europeias, todas (curioso) com sistema de Monarquia: Espanha, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália e Áustria/Hungria.

Dia 12, 1297, assinatura do Tratado de Alcanizes, entre D. Dinis e Fernando IV de Castela, definindo as fronteiras entre Portugal e Castela. Portugal até agora perdeu São Félix dos Galegos em 1640 e Olivença em 1801. Neste mesmo dia 12, mas do ano 1990, deu-se a reunificação da Alemanha, com a junção da RFA e RDA.

Já os “15 de Setembro” parecem um dia “fadado” pelo nascimento de escritores: 1765, nasce em Setúbal, Barbosa de Bocage; 1789, em New Jersey, o escritor americano F. Cooper, cujo livro mais famoso é O Último dos Moicanos; 1890, em Torquay, a escritora inglesa Agatha Christie, que produziu mais de 100 livros, entre policiais, ensaios e poesia.

Dia 16, 1900, nasce O Mundo, um jornal diário da linha republicana Afonso Costa. Por curiosidade, a rua da Misericórdia durante algum tempo designou-se Mundo. No Mundo, neste mesmo dia de 1908, nasceu, em Michigan, a General Motors, aquela empresa de que se dizia: tudo o que é bom para a GM é bom para os EUA.

Dia 18, 1499, Vasco da Gama desembarca em Lisboa da viagem à India, com muita informação (e haveres) para a continuação da saga dos descobrimentos e no Porto, mas em 1865, é inaugurado o Palácio de Cristal, hoje pavilhão Rosa Mota.

Dia 21, 1761, é queimado no Rossio o padre jesuíta Gabriel Malagrida, denunciado pelo Marquês de Pombal de falso profeta e impostor. É o último auto-de-fé, com condenação à morte, efectuado em Lisboa.

Dia 23, 1822, é promulgada a primeira Constituição da República Portuguesa, um marco da época do liberalismo em Portugal apesar dos seus muitos ziguezagues.

Dia 28 de Setembro de 1974, a primeira grande derrota de Spínola. Por todo o país, barricadas contra a manifestação da Maioria Silenciosa, convocada pela direita e extrema-direita de apoio ao General Spínola, que acaba por se demitir de Presidente da República na sequência destas movimentações. Curiosamente, neste mesmo dia de Setembro de 1863, nasceu o rei D. Carlos que morre assassinado no Terreiro do Paço, em 1889, vítima de um atentado republicano.

Dia 29, 1992, realizam-se as primeiras eleições em Angola cujos resultados não são reconhecidos pela UNITA.

Dia 30, 1974, toma posse o 3º governo provisório de Portugal, presidido por Vasco Gonçalves.
Estes, alguns dos muitos acontecimentos registados no Mundo e no nosso país, nestes Setembros todos, o que pode ser feito para qualquer outro mês. Listas de acontecimentos com registos por dia, mês e ano existem de várias fontes. Os apresentados, aqui, decorrem de consulta ao Portal da História.

A ideia inicial de um simples revisitar, de forma simbólica, o Golpe Militar do Chile e o Atentado às Torres Gémeas, qualquer deles, um acto de terrorismo puro, surgiu de muitos investigadores defenderem que estes dois acontecimentos trouxeram ao Mundo mudanças profundas duradouras, designadamente descredibilizando o “Mundo do Poder” indiciando o seu declínio, incentivando a prazo um novo Mundo em ebulição.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Cortesia e civilidade

 

Há qualquer coisa de esquisito no comportamento político do presidente do governo regional da Madeira. Ele é membro, por inerência, do Conselho de Estado e lidera o governo da Madeira, portanto, não só do ponto de vista político, mas também da cordialidade e respeito que devem nortear os detentores de funções da maior importância pública, as relações institucionais devem ser pautadas pela maior reverência e deferência. Sem hipocrisias, acrescento. A propósito dos recentes incêndios, perguntar "o que é que ele (Presidente da República) vem fazer?" e ao mesmo tempo dar a resposta, que o Chefe de Estado "não tem nada para ver" na ilha, e que é "só mato queimado", parece-me que atinge um grau de muito pouca cortesia e civilidade.



O Senhor Presidente da República desloca-se a qualquer ponto do país sem ter de ouvir seja quem for, embora a polidez institucional imponha um contacto prévio, até por razões protocolares. Estas situações deixa-me preocupado, pelo efeito negativo que produz junto da população, sobretudo na mais jovem. Parece que tudo é possível, que ser educado é coisa fora de época ou de prazo e que não existem graus de responsabilidade nos patamares da organização política.

Depois, queixamo-nos do aluno que é mal educado para com o professor ou que os filhos não respeitam os pais e avós. São anos e anos de atitudes muito pouco pensadas, de ofensas públicas que começam na Assembleia dos representantes do povo e se estende pelo discurso político de circunstância. O que podemos esperar, pergunto?

Ilustração: Google Imagens