(…) José Sócrates começou a governar em 2004, recebendo um país com um défice de 6,2%, após dois governos PSD/CDS, numa altura em que não havia crise alguma nem problema algum na economia e nos mercados. Para mascarar um défice inexplicável, os ministros da Finanças desses governos, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix, foram pioneiros na descoberta de truques de engenharia orçamental para encobrir a verdadeira dimensão das coisas: despesas para o ano seguinte e receitas antecipadas, e nacionalização de fundos de pensões particulares, como agora.
Em 2008, quando terminou o seu primeiro mandato e se reapresentou a eleições, o governo de José Sócrates tinha baixado o défice para 2,8%, sendo o primeiro em muitos anos a cumprir as regras da moeda única.
O consenso em roda da política orçamental prosseguida e do desempenho do ministro Teixeira dos Santos era tal que as únicas propostas e discordâncias, de direita e de esquerda, consistiam sistematicamente em propor mais despesa pública. E quando se chegou às eleições, o défice nem foi tema de campanha, substituído pelo da “ameaça às liberdades” (…)
Logo depois, rebentou a crise do subprime nos Estados Unidos e Sócrates e todos os primeiro-ministros da Europa receberam de Bruxelas ordens exactamente opostas às que dá agora a srª Merkel: era preciso e urgente acorrer à banca, retomar em força o investimento público e pôr fim à contenção de despesa, sob pena de se arrastar toda a União para uma recessão pior do que a de 1929. E assim ele fez, como fizeram todos os outros, até que, menos dum ano decorrido, os mercados e as agências se lembraram de questionar subitamente a capacidade de endividamento dos países: assim nasceu a crise das dívidas soberanas. Porém não me lembro de alguém ter questionado, nesse ano de 2009, a política despesista que Sócrates adoptou a conselho de Bruxelas. Pelo contrário, quando Teixeira dos Santos (…) começou a avançar com PEC, todo o país – partidário, autárquico, empresarial, corporativo e civil – se levantou, indignado, a protestar contra os “sacrifícios” e a suave subida de impostos. Passos Coelho quase chorou, a pedir desculpa aos portugueses por viabilizar o PEC 3 que subia as taxas máximas de IRS de 45 para 46,5% (que saudades!) (…) O erro de Sócrates foi exactamente o de não ter tido a coragem de governar contra o facilitismo geral (não concordo. Sócrates combateu privilégios instalados, como nenhum outro primeiro-ministro o fez, nem de perto nem de longe. Daí o ódio que lhe tinham, veja-se o caso dos professores, associação de farmácias, magistrados, etc., etc. - para além do mais, teve contra si uma oposição estrategicamente unida, uma maioria relativa, e uma forte oposição interna – Seguro à direita e Alegre à esquerda. Se o governo não caísse com o chumbo do Pec. 4, cairia seguramente com uma moção de censura) e a antiquíssima maldição de permitir que tudo em Portugal gire à volta do Estado (…). Quando ele, na senda dos seus antecessores desde Cavaco Silva (que foi o pai do sistema) se lançou na política de grandes empreitadas e obras públicas (…) o que me lembro de ter visto, então, foi toda a gente (…) explicar veementemente que não se podia parar com o “investimento público”, e vi todas as corporações do país (…) baterem-se com unhas e dentes e apoiados pelos partidos de direita e de esquerda contra qualquer tentativa de reforma que pusesse em causa os seus privilégios sustentados pelos dinheiros públicos. O erro de Sócrates foi ter desistido e cedido a essa unanimidade de interesses instalados, que confunde o crescimento económico com a habitual tratação entre o Estado e os seus protegidos. Mas ainda me lembro de um Governo presidido por Santana Lopes apresentar um projecto de TGV que propunha não uma linha Lisboa-Madrid, mas cinco linhas, incluindo a fantástica ligação Faro-Huelva em alta velocidade. E o país, embasbacado, a aplaudir!
(Depois de vendido o património e sugado o povo, o que resta para pagar a dívida? O facto de Portugal ser um país periférico da Europa foi sempre uma desvantagem e um dos factores do nosso atraso. Tudo se passava para além dos Pirenéus. Por isso era fundamental o aproveitamento geográfico do país. Com a sua fronteira para o Atlântico, Portugal pode vir a ser uma importante porta da Europa. Para isso é necessário modernizar os portos, ter um aeroporto estratégico em termos europeus e um comboio de alta-velocidade para transporte de passageiros, e, principalmente, de mercadorias. A linha férrea a unir as duas capitais, Lisboa/Madrid, é parte integrante deste projecto. A EU apoiava e incentivava este plano de aproveitamento geográfico do país para a criação de mais-valias. Com o chumbo do Pec. 4 tudo isto se desmoronou. O chumbo do Pec. 4 foi uma tragédia para o país, que havemos de pagar bem caro, ou melhor, já estamos a pagar.
Logo depois, rebentou a crise do subprime nos Estados Unidos e Sócrates e todos os primeiro-ministros da Europa receberam de Bruxelas ordens exactamente opostas às que dá agora a srª Merkel: era preciso e urgente acorrer à banca, retomar em força o investimento público e pôr fim à contenção de despesa, sob pena de se arrastar toda a União para uma recessão pior do que a de 1929. E assim ele fez, como fizeram todos os outros, até que, menos dum ano decorrido, os mercados e as agências se lembraram de questionar subitamente a capacidade de endividamento dos países: assim nasceu a crise das dívidas soberanas. Porém não me lembro de alguém ter questionado, nesse ano de 2009, a política despesista que Sócrates adoptou a conselho de Bruxelas. Pelo contrário, quando Teixeira dos Santos (…) começou a avançar com PEC, todo o país – partidário, autárquico, empresarial, corporativo e civil – se levantou, indignado, a protestar contra os “sacrifícios” e a suave subida de impostos. Passos Coelho quase chorou, a pedir desculpa aos portugueses por viabilizar o PEC 3 que subia as taxas máximas de IRS de 45 para 46,5% (que saudades!) (…) O erro de Sócrates foi exactamente o de não ter tido a coragem de governar contra o facilitismo geral (não concordo. Sócrates combateu privilégios instalados, como nenhum outro primeiro-ministro o fez, nem de perto nem de longe. Daí o ódio que lhe tinham, veja-se o caso dos professores, associação de farmácias, magistrados, etc., etc. - para além do mais, teve contra si uma oposição estrategicamente unida, uma maioria relativa, e uma forte oposição interna – Seguro à direita e Alegre à esquerda. Se o governo não caísse com o chumbo do Pec. 4, cairia seguramente com uma moção de censura) e a antiquíssima maldição de permitir que tudo em Portugal gire à volta do Estado (…). Quando ele, na senda dos seus antecessores desde Cavaco Silva (que foi o pai do sistema) se lançou na política de grandes empreitadas e obras públicas (…) o que me lembro de ter visto, então, foi toda a gente (…) explicar veementemente que não se podia parar com o “investimento público”, e vi todas as corporações do país (…) baterem-se com unhas e dentes e apoiados pelos partidos de direita e de esquerda contra qualquer tentativa de reforma que pusesse em causa os seus privilégios sustentados pelos dinheiros públicos. O erro de Sócrates foi ter desistido e cedido a essa unanimidade de interesses instalados, que confunde o crescimento económico com a habitual tratação entre o Estado e os seus protegidos. Mas ainda me lembro de um Governo presidido por Santana Lopes apresentar um projecto de TGV que propunha não uma linha Lisboa-Madrid, mas cinco linhas, incluindo a fantástica ligação Faro-Huelva em alta velocidade. E o país, embasbacado, a aplaudir!
(Depois de vendido o património e sugado o povo, o que resta para pagar a dívida? O facto de Portugal ser um país periférico da Europa foi sempre uma desvantagem e um dos factores do nosso atraso. Tudo se passava para além dos Pirenéus. Por isso era fundamental o aproveitamento geográfico do país. Com a sua fronteira para o Atlântico, Portugal pode vir a ser uma importante porta da Europa. Para isso é necessário modernizar os portos, ter um aeroporto estratégico em termos europeus e um comboio de alta-velocidade para transporte de passageiros, e, principalmente, de mercadorias. A linha férrea a unir as duas capitais, Lisboa/Madrid, é parte integrante deste projecto. A EU apoiava e incentivava este plano de aproveitamento geográfico do país para a criação de mais-valias. Com o chumbo do Pec. 4 tudo isto se desmoronou. O chumbo do Pec. 4 foi uma tragédia para o país, que havemos de pagar bem caro, ou melhor, já estamos a pagar.
Não é possível um país desenvolver-se sem empresas fortes e saudáveis. Sócrates tentou incentivar vários “cluters” que pudessem ser o motor da economia. O que se passou com os computadores “Magalhães” foi vergonhoso e exemplar. Toda a gente ridicularizou uma iniciativa que distribuiu um milhão e oitocentos mil computadores por um estrato social que não os poderia comprar a preço normal. Hoje o J. P. Sá Couto só consegue vender computadores no estrangeiro. É o país que temos…) Diferente disso é a crença actual de que a dívida virtuosa – a que é aplicada no crescimento sustentado da economia e assegura retorno – não é essencial e que a única coisa que agora interessa é poupar dinheiro seja como for, sufocando o país de impostos e abdicando de qualquer investimento público que garanta algum futuro. Doentia é esta crença de que governar bem é empobrecer o país. Doente é um governante que aconselha os jovens a largarem a “zona de conforto do desemprego” e emigrarem. Doente é um governo que, confrontado com mais de 700.000 desempregados e 16.000 novos cada mês, acha que o que importa é reduzir o montante, a duração e a cobertura do subsídio de desemprego. Doente é um governo que, tendo desistido do projecto de transformar Portugal num país pioneiro dos automóveis eléctricos, vê a Nissan abandonar, consequentemente, o projecto de fábrica de baterias de Aveiro, e encolhe os ombros, dizendo que era mais um dos “projectos no papel do engº Sócrates”. Doente é um governo que acredita poder salvar as finanças públicas matando a economia.
O fantasma do engº Sócrates pode servir para o prof. Freitas do Amaral mostrar mais uma vez de que massa é feito, pode servir para uns pobres secretários de Estado se armarem em estadistas ou para os jornais populistas instigarem a execução sumária do homem. Pode servir para reescrever a história de acordo com a urgência actual, pode servir para apagar o cadastro e as memórias inconvenientes e serve, certamente, para desresponsabilizar todos e cada um: somos uns coitadinhos, que subitamente nos achámos devedores de 160.000 milhões de euros que ninguém, excepto o engº Sócrates, sabe em que foram gastos. Ninguém sabe?”
Miguel Sousa Tavares
«Expresso», 17 de Dezembro de 2011
O fantasma do engº Sócrates pode servir para o prof. Freitas do Amaral mostrar mais uma vez de que massa é feito, pode servir para uns pobres secretários de Estado se armarem em estadistas ou para os jornais populistas instigarem a execução sumária do homem. Pode servir para reescrever a história de acordo com a urgência actual, pode servir para apagar o cadastro e as memórias inconvenientes e serve, certamente, para desresponsabilizar todos e cada um: somos uns coitadinhos, que subitamente nos achámos devedores de 160.000 milhões de euros que ninguém, excepto o engº Sócrates, sabe em que foram gastos. Ninguém sabe?”
Miguel Sousa Tavares
«Expresso», 17 de Dezembro de 2011
Nota: Texto remetido pelo meu Amigo Gil França. Os sublinhados não são do autor do artigo.
6 comentários:
Amigo, até 2008 foi um vê se te havias na desorçamentação...
Que se acumulou na dívida que hoje nos pesa nos termos que se vêm...
Na prática, um défice disfarçado e curto e toda a despesa directa à dívida. Muitos anos vamos ter que penar para pagar esse desvario. O homem, agora, estuda Filosofia em Paris. Fica tudo dito.
Estorinhas de branquear já todos conhecemos.
Obrigado pelo seu cometário.
Desde logo o texto não me pertence. É de Miguel Sousa Tavares. Por isso nem o comentei, apenas publiquei.
Todos os governos têm os seus pecados, maiores ou menores. A história do Primeiro-Ministro Cavaco começa a ser conhecida. A de Santana Lopes e Durão... são alguns exemplos.
E se José Sócrates não está imune a pecados, alguns significativos, não podemos ignorar a verdade do texto de MST. Basta os primeiros parágrafos. E também sabemos que a crise foi avassaladora e toda a Europa está a sofrer as consequências de uma situação que não foi antecipada, ou melhor, prognosticada pelos economistas.
Muitos sabiam que o rumo que o Mundo estava a tomar só poderia dar nesta situação. Agora, cruxificar um político, apenas este, quando a situação foi e é mais externa que interna, penso que não é nem justo nem correto.
Caro André Escórcio
Embora eu considere o MST um jornalista acima da média e tenha apreciado muitos dos seus trabalhos jornalísticos e literários, reconheço-lhe algumas falhas graves que lhe tiram muita credibilidade.
Começa por se apresentar com demasiada arrogância, como se fosse detentor da verdade universal. Permite-se fazer julgamentos, o que em jornalismo não é lá muito ético. Mais ainda, quando não sabe, alinha pelo facilitismo, veiculando a "verdade" que está na moda e assim não correr o risco de grandes reprovações. Já o vi demasiadas vezes a pontificar sobre assuntos que ignora e, consequentemente, a dizer asneiras. No seu discurso revela ter inimigos de estimação (caso dos EUA) que, façam o que fizerem, são sempre alvo da sua condenação.
Enfim, MST, como a maioria das pessoas, está na sua profissão a tratar da sua vidinha e faz o que pode para melhorar a sua posição.
A situação não é característica por ser externa. Quanto muito o é por ser geral... ou generalizada aos países desenvolvidos.
Todos penaram no mesmo erro. Só isso.
Quando uma quadrilha de ladrões consome o seu roubo, o facto de todos terem cometido o crime não isenta qualquer um das suas culpas.
Obrigado pelo seu comentário, Coronel Vouga. Em abstrato a sua leitura parece-me correcta. No que concerne a este artigo em concreto, alguns aspectos são interessantes, pois permite recuperar a história e, cada um, refletir de acordo com as suas convicções e leituras.
Um abraço.
Obrigado pelo seu comentário (J. R. Santos). Achei curiosa a parte final do seu texto. De facto, estamos à mercê de políticos muito fracos em toda a Europa. Na Europa e no Mundo! Estamos perante uma crise de liderança. Outra coisa é a cruxificação daqueles que foram apanhados na onda. Mas compreendo o seu comentário.
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