"Eleições antecipadas como resposta a Lisboa", constitui a manchete da edição de hoje do Dnotícias. Esquisito? Não. Absolutamente natural, quando há um factor politicamente difícil de digerir: a existência de uma coligação que constitui uma espinha encravada na garganta, depois de 43 anos de sucessivas vitórias com maioria absoluta. A razão deste tiro ou ameaça, oito meses depois das últimas eleições, não tem nada a ver com o tal "contencioso" com a República ou com duas ou três propostas de lei em debate e votação na Assembleia da República. Esse é um assunto menor e que eventuais eleições antecipadas nada resolverá. Apenas adiará. De resto, em democracia não se deve impor, antes respeitar a maioria. É isso que o PSD defende na Assembleia da Madeira, quando não viabiliza as propostas da oposição. Em democracia tudo se resolve se para tal existir bom senso e diálogo institucional sem ofensas. Portanto, não é por aí que a Região deve mergulhar em uma crise política. Em suma, o que está em causa é, claríssimo como a água mais cristalina, uma estratégia para tentar regressar a uma maioria absoluta, sacudindo da governação o parceiro que deu jeito, mas que constitui uma pedra no sapato!
Aliás, é sensível um certo desassossego. Há subtis sinais de desconforto. As elites e as bases do PSD, embora aceitando o mal menor, nunca deram sinais de óbvia concordância. A criação de duas secretarias, a presidência da Assembleia Legislativa e a "oferta" de tantos lugares na Administração, em troca do voto, gerou nas hostes um indisfarçável nervoso miudinho. Ele está lá... a consumir. Tanto assim é que, desde logo, minimizaram a função das secretarias (veja-se a da Economia) e, de facto, retirando a amplitude da sua acção, passados este oito meses, não se lhes conhece posições e decisões de substantiva relevância. Eu diria que o CDS/PP vive no meio da engrenagem como um "corpo estranho", enquanto na Assembleia, os três deputados, esquecendo os discursos do passado, vão tentando suportar aquilo que sempre me pareceu inconciliável. Debitam discursos, alguns até agressivos, mas faltam as convicções. Falta tudo o resto, as causas, nomeadamente ideológicas.
Aliás, por outro lado, no exercício da política é costume dizer-se que "o que parece é". E o que parece, logo, tudo leva a crer que seja, é o transbordar de questões mal resolvidas no plano partidário interno, conjugado com o interesse de alguns em afastar o Dr. Miguel Albuquerque. Portanto, a sua putativa candidatura à Presidência da República não é mais do que um fait-divers, faz parte de uma encenação apadrinhada por outras figuras de relevo, vá lá saber-se porquê, que esconde outras razões de fundo. Não mais do que isso!
A história, se bem fosse contada, evidentemente que enalteceria outros contornos palacianos. Não é o "silêncio de Lisboa" que está em causa. Serve de álibi. Pese embora seja evidente a existência de vários dossiers que merecem séria reflexão e actuação nas relações bilaterais. Mas isso é política, é diálogo olhos nos olhos, é debate, é respeito pela lei e é contraditório. Que não se resolve com cartas! E mor das vezes só é dado a conhecer uma parte do problema, a que interessa a um dos lados. E neste fel que suplantou o mel os problemas agudizam-se! Há um passado de crispação que não ajuda nada em tais relações que deveriam ser saudáveis e recomendáveis.
Mas, nesta ameaça de uma crise política, alguma coisa irá sobrar para o parceiro de coligação. Depois do anúncio, tipo balão de ensaio, outros chamam "tiro de pólvora seca", feito mais ou menos à socapa, de qualquer forma preparado, nada ficará como antes. Obviamente que fará aumentar a desconfiança entre os partidos coligados. É natural que o CDS venha a pedir uma clarificação política, porque há aqui uma lógica de poder, de tudo ou nada e porque é evidente que, face ao peso eleitoral de ambos os partidos, o PSD não embarcará em uma coligação pré-eleitoral, antes tentará vencer com maioria de lugares na Assembleia. Isto se as intenções se concretizarem. E aí, se tal vier a acontecer, sublinho, adeus CDS, restar-lhe-á algumas pontuais convergências nas autárquicas seguintes.
O drama de tudo isto é que, pessoalmente, olho para a governação e sinto-a fraca, sem norte, sem visão, conflituosa e, da parte do maior partido da oposição, uma sensível incapacidade de afirmação junto dos madeirenses. Falta liderança e projecto. Os episódios seguintes deverão ser politicamente interessantes.
Ilustração: Google Imagens.
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