Por
Domingos Lopes,
in Público,
04/05/2020
É hoje forte o sentimento na nossa comunidade que o Serviço Nacional de Saúde foi até à data o serviço público que tratou e salvou os doentes covid-19, apesar de descapitalizado, atacado e desprezado pelos vários governos. Sem o SNS, a pandemia teria dizimado muitos milhares de portugueses.
Aliás, os países com um forte SNS responderam muito melhor à crise que os países onde os cidadãos que queiram ter acesso à saúde têm de a pagar. Na verdade, serviços públicos fortes, modernos, desburocratizados e ao serviço das populações são elementos chave de um Estado moderno, democrático e vocacionado para proteger.
Ora esta conclusão óbvia não se encaixa nas ideias dominantes de sobrevalorização do papel do indivíduo prevalecente sobre o da comunidade, que está em sintonia com a elevação da empresa a um novo paradigma de proteção estatal fundado num quase direito natural.
O que parece contar é a sorte das empresas, sobretudo as grandes. O Estado, a entidade “despesista e gastadora”, de repente tem de ir socorrê-las para a sua salvação. O tal Estado malfadado faz-lhes falta quando a iniciativa privada não está capaz de responder aos seus desafios próprio das sacrossantas leis do mercado. Vejamos de outro ângulo – quando há lucros fabulosos a ordem é arrecadar, quando há prejuízos a ordem é para lançar impostos e os cidadãos pagarem.
Há até quem candidamente defenda que o Estado garanta um empréstimo à TAP de 300 milhões de euros para salvá-la e depois entregá-la à sociedade Barraqueiro/Neelman… que grandes capitalistas…
Parece ser uma nova religião que preconiza que o Estado subvencione os mais poderosos e sobrecarregue os que vivem da força do seu trabalho, como se o salário fosse um peso e sempre imerecido. Felizmente que muitos são os patrões que não têm esta visão, mas esses não têm voz nos media.
A iniciativa privada é essencial numa sociedade moderna, mas de acordo com as regras do mercado e não baseada no critério de que na sua atividade o risco é do Estado e o lucro do capital.
Aliás, os lucros de algumas dessas empresas vão direitinhos para os “repugnantes” holandeses, enchendo-lhes os cofres e deixando o maldito Estado português à míngua, mas obrigado a socorrer os mesmos de sempre.
Quando chegar a hora de fazer contas vira o disco e toca o mesmo – austeridade. Não se pode tocar nos lucros, só nos rendimentos dos que trabalham e nesses pode ser à bruta porque aguentam, aguentam, como afirmou o célebre banqueiro...
Dinheiro já (não pode ser amanhã de manhã) a fundo perdido. E a vida das famílias, dos trabalhadores com menos um terço do vencimento? Alguém deu conta da necessidade de remunerar mais dignamente os enfermeiros, os médicos, os cientistas das várias áreas sem os quais as mortes eram aos milhares? Já foi feito o ato de contrição sobre o sair da zona de conforto que levou milhares de enfermeiros e médicos portugueses a sair do país? Um dos rostos desse período negro aparece confortavelmente e todo pimpão, com ares de cientista, pianinho, pianinho, a botar postas de pescada sobre o coronavírus. Refiro-me a sua excelência o “Paulinho das Feiras”, dos retornados, dos ex-combatentes, do irrevogável, do vice-primeiro-ministro que ultrapassou na corrida Maria Luís e todo lampeiro perora na TVI. Ele é que sabe e por isso estendem-lhe a passadeira… Depois de tudo o que foi, agora é virologista formado na Rua do Caldas.
Na SIC, em entrevista à ministra da Saúde, o sr. Rodrigo atirou-se como uma fera a propósito da comemoração do 1.º de Maio da CGTP e instou-a a esclarecer o que lá fazia Jerónimo de Sousa de cima dos seus setenta e três anos. Veja bem, sra. ministra, aquele velho desconfinado, um dirigente do PCP, nas comemorações do 1.º de Maio…
O Sr. Rodrigo estabeleceu uma linha fortificada que ia da Alameda até à Cova da Iria. Queria a todo o custo saber porque não autorizara a peregrinação e a missa no santuário, em contraste com o que se passara na Alameda.
Marta Temido explicou o conteúdo da decisão presidencial contida no estado de emergência sobre aquela data e referiu as conversações com a Igreja que não passaram pelo modelo da Alameda.
Porém, como o sr. Rodrigo se achava portador do inconfessável propósito da ministra, a entrevista tornou-se num interrogatório. Com toda a simplicidade do mundo, um sorriso e um olhar firme, teve de responder ao sr. Rodrigo que estava ali para esclarecer e para tanto esclareceria. Foi então que ele deu conta que se acabara a gasolina da motosserra. Ficou a imagem de Marta Temido feliz com a resposta do SNS.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
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