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quarta-feira, 20 de maio de 2020

O jogo virou, mas não está ganho


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A Europa fundada por Jean Monnet e Robert Schumann está de regresso e o motor franco-alemão voltou a funcionar. O anúncio feito por Emmanuel Macron e Angela Merkel de um pacote de 500 mil milhões de euros para relançar a economia europeia, montante a ser pedido aos mercados pela Comissão Europeia e a ser disponibilizado aos Estados membros sob a forma de subvenções é uma revolução e um regresso a um dos valores fundacionais da União Europeia, a solidariedade entre todos os membros do clube.

Trata-se de um passo, que ainda pode ser travado. Mas é um grande salto porque, pela primeira vez, a Alemanha, através da sua chanceler, admite que seja a Comissão a endividar-se para apoiar os Estados membros mais afetados através de subvenções e não de empréstimos.
Os sinais são todos positivos. O pacote anunciado é superior aquele que estava a ser cozinhado nos corredores de Bruxelas e que rondava os 320 mil euros. Depois, será dirigido para os países cujas economias foram mais atingidas pela pandemia do coronavírus e não distribuído de forma equitativa. Mais importante, as transferências assumem a forma de subvenções e não de empréstimos, o que é essencial para os países altamente endividados que não vêem assim esses montantes somarem às suas dívidas públicas. E finalmente o seu pagamento, a longo prazo, será da responsabilidade de todos os Estados membros, consoante o seu peso económico, e não exclusivamente dos países beneficiários.

É o ressurgimento do eixo franco-alemão em todo o seu esplendor. Há muitos anos que Berlim e Paris não tomavam uma decisão tão marcante para o futuro da União. Deve saudar-se a habilidade negocial do presidente francês. Mas deve sublinhar-se ainda mais a enorme coragem da chanceler alemã, que conhece bem a resistência política e social que terá no seu país contra esta medida. Em qualquer caso, o jogo não chegou o fim. Há pelo menos quatro países que continuam a opor-se às subvenções e insistem nos empréstimos, com a Holanda à cabeça, apoiada pela Áustria, Suécia e Dinamarca. E para que a proposta franco-alemã faça o seu caminho é necessário que haja unanimidade no próximo Conselho Europeu em Junho.

Este grupo de países, designados por «frugais», são muito reticentes a uma emissão comum de dívida, como será o caso, se a proposta de Berlim e Paris avançar. E detestam a ideia do dinheiro ser distribuído sob a forma de subvenções ou subsídios.
Para aplacar a sua resistência, Paris e Berlim sublinham que os 500 mil milhões são para ser reembolsados, através de um «plano de pagamento vinculativo para lá do atual Quadro Financeiro Plurianual». Além disso, «este apoio de retoma (…) vai basear-se no compromisso claro dos Estados-membros de seguir boas políticas económicas e uma agenda de reformas ambiciosa».
Contudo, apesar da semântica, o que está em cima da mesa é um processo de mutualização da dívida a nível europeu, algo reclamado insistentemente pelos países do sul da Europa e que até agora tinha sido sempre recusado pela Alemanha. Nunca se falou em «eurobonds» mas é evidente que há uma partilha de responsabilidade na emissão de dívida e no seu pagamento.
Mais: o seu reembolso não será suportado apenas pelos seus beneficiários, mas por todos os Estados membros, «com base numa chave de repartição que depende do peso que têm no orçamento (da UE)» ou então de «contribuições» e «outros mecanismos» que ainda não são conhecidos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, tem agora nas mãos a dificílima tarefa de apresentar a 27 de Maio uma proposta que possa ser consensual para o Fundo de Recuperação e para o Orçamento Comunitário – já que, como se sabe, a sua aprovação exige a unanimidade dos Estados membros. O jogo virou mas ainda não está ganho.

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