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segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O desespero a dois


José Gameiro, 
in Expresso, 
03/09/2021


O que todos queremos é algo que é impossível de atingir, a felicidade ou o que entendemos por felicidade, por tranquilidade, satisfação ou por paz de espírito. A tragédia humana é isso. Principalmente se não somos ‘os pobres de espírito’.



O pensar, a inteligência, não nos facilita a vida. Vivemos presos pelos passos que demos no início da nossa vida de seres autónomos, pensando que seriam os passos do caminho que queríamos em certa altura da vida. Esse caminho mostrou-nos que havia vários percursos, mas que infelizmente estávamos agarrados ao ponto de partida. O não estarmos sós na viagem, a falta de liberdade, os desentendimentos, as desilusões fizeram perder o encanto. Os desvios deixam marcas. A paragem é inevitável.

E depois? O que fazer? A sociedade dita regras, a educação e a religião reprimiram uma sensibilidade que se revelou doentia. O cansaço é agora demasiado. O que suportava a inteireza física e psíquica levou um rombo enorme. Não há ligação, interesses comuns, e o trabalho e o tempo não permitem as fugas que aliviam o contacto excessivo. A família levantou asas e seguiu os seus caminhos e deixou-nos sós na viagem. O grito é interno, sofrido, amargurado. O consolo é mínimo porque o hábito é terrível, e terrível é a aceitação de que o sofrimento redime e que nele encontramos a salvação eterna.

Mas que salvação? Sabemos que só a morte nos liberta. Que contrassenso é a vida! Vivemos para morrer. O choro na nascença é porque sabemos que a vida não vai ser fácil. Deixámos a proteção uterina onde em solidão a vida era agradável. Nascidos de um ato de prazer somos lançados para um percurso que não escolhemos. A gruta, a caverna é o lugar seguro. A procura da luz é um caminho falso. O Jardim das delícias enganoso e o paraíso não existe e a crónica não revela a solução.”


Quando li este texto, que me foi enviado, a minha reação imediata foi, felizmente que as novas gerações já têm a possibilidade de romperem uma relação e tentarem partir para outra. Este desencanto e este sofrimento prolongados são menos aceites pelos casais. A idade média dos divórcios é de 45 anos e dos casamentos de cerca de 30. Apesar de muitas uniões não serem formalizadas, podemos ter uma ideia do tempo médio que os casais que se divorciam, “aguentam”, até se separarem. Cerca de 15 anos. Mas seria possível, em alguns casos, evitar este desenlace?

Os casais que perduram no tempo têm uma capacidade de “negociação” das suas individualidades, que vai ajustando o que é mais difícil que o amor, a possibilidade de o viver com satisfação mútua. Quanto mais cedo esta começar melhor será o futuro da relação. Mas isto resolve tudo? Claro que não. Mas os maiores riscos para a conjugalidade vêm de dentro. Quando alguém se separa, a primeira pergunta que se faz é, há uma terceira pessoa? Talvez porque assim a história será mais picante. Mas convém saber que as terceiras pessoas podem entrar em relações muito satisfatórias. Há muitas ideias falsas sobre os casais felizes, uma das mais propagadas é que são imunes às tentações...

Talvez, em termos de relação amorosa/conjugal, a grande diferença das novas gerações seja o não suportarem a infelicidade relacional, romperem e tentarem de novo. Pensar que isto é mau ou bom não faz sentido, é o que é. Mas ninguém se separa com anestesia geral, há sempre dor.

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