Por
João Abel de Freitas,
13 Setembro 2021
O INE, nas suas recentes projecções demográficas de longo prazo – Horizonte 2080 – estimadas com base na população de anos diferentes, tem apontado no seu cenário central (sem falar já no cenário baixo) um valor inferior a 10 milhões de habitantes. Concretamente, na última projecção (31/03/2020), o número de residentes em Portugal para o ano de 2080 é da ordem de 8,2 milhões – uma perda substancial – superior a dois milhões de habitantes, comparado com o ano de partida, 2018.
Terá viabilidade uma política pública que aposte na reversão da demografia, ou antes uma outra que minimize pouco a pouco os “custos de desgaste”? Os resultados preliminares do Censos de 2021 do Instituto Nacional de Estatística (INE) apenas vêm confirmar algo que se sabe de há muito, ou seja, a tendência de decréscimo da população global residente no país.
O INE, nas suas recentes projecções demográficas de longo prazo – Horizonte 2080 – estimadas com base na população de anos diferentes, tem apontado no seu cenário central (sem falar já no cenário baixo) um valor inferior a 10 milhões de habitantes. Concretamente, na última projecção (31/03/2020), o número de residentes em Portugal para o ano de 2080 é da ordem de 8,2 milhões – uma perda substancial – superior a dois milhões de habitantes, comparado com o ano de partida, 2018.
Assim, o decréscimo da população de 2% reportado pelo Censos 2021 face ao anterior, colocando Portugal ao nível dos anos de início do século XXI, apenas vem corroborar estas tendências há muito identificadas.
O uso político do decréscimo de residentes nos Concelhos
Interrogo-me se a demografia, um tema tão abrangente, é apropriado numa campanha autárquica! Entendo-o mais como uma questão global a debater numas eleições legislativas. No entanto, tem sido alvo em vários debates mas de forma que nada acrescenta. Diria mesmo, minora tema tão amplo e determinante.
Os candidatos de diferentes partidos têm-se limitado a falar do decréscimo populacional apenas para lançar umas picardias aos adversários.
Os responsáveis pela gestão autárquica mais recente são apontados, nos espaços concelhios onde se registaram decréscimos, como “os causadores” dessa diminuição, tentando desta forma convencer os cidadãos a não dar o seu voto ao adversário político, rotulando-os de incompetência, inércia ou de falhas graves na tomada de medidas apropriadas à solução de um problema que entendem crítico, mas sem uma simples ideia avançada para minorar a situação.
Apresenta, contudo, um aspecto “positivo” embora desolador. Mostra ao vivo que os partidos não têm pensamento estruturado sobre a demografia, sem dúvida, uma questão central em Portugal e no Mundo, embora sob perspectivas diferentes.
A demografia é uma questão central ao desenvolvimento económico e social pois se relaciona e condiciona muitos outros domínios como o problema alimentar, a habitação, o consumo de água, a segurança/violência, as mudanças climáticas, a educação, a cultura, o urbanismo, a redução da população rural, a evolução do ser humano, a revolução tecnológica… só para referir alguns.
Mas está na moda os políticos falarem do tema.
Como já escrevi aqui, “todos os partidos dizem estar muito preocupados com a questão da demografia, mas são tão ambíguos no que dizem, que não se percebe aonde querem chegar. Ou se desejam chegar a algum sítio”.
As muitas questões que a demografia levanta
A evolução demográfica depende no essencial de dois movimentos, o saldo natural (natalidade/mortalidade) e o saldo migratório (emigração/imigração).
A taxa de natalidade/fertilidade é, de longe, a determinante e está em queda há muito tempo. Apesar de muito desigual segundo os países ou grupos de países, a sua queda constitui uma tendência por múltiplas razões, incluindo as de saúde.
A “taxa de substituição” da natalidade, ou seja, a velocidade a que uma população se pode reproduzir é estimada em 2,1. Esta taxa varia, no entanto, consoante o local, dependendo da mortalidade infantil.
Em Portugal, situa-se presentemente em 1,41. Um valor muito baixo. O número de nascimentos tem vindo a diminuir sendo a taxa de mortalidade ligeiramente mais elevada devido ao envelhecimento da população. Daí que o saldo final tenda a ser sistematicamente negativo e difícil de estabilizar.
O saldo migratório poderá tornar-se menos difícil de acomodar, através de políticas públicas robustas para os dois movimentos, entradas e saídas de migrantes.
No entanto, não estamos a ver como o país pode reter certos estratos da população portuguesa, designadamente uma percentagem significativa das pessoas altamente qualificadas, pelas condições de progresso e sucesso a que aspiram, na sua vida. Por outro lado, não vemos como fomentar uma taxa de natalidade mais expressiva!
Neste contexto complexo, com estas tendências de fundo tão consistentes, a primeira grande interrogação que se me coloca é: terá viabilidade uma política pública que aposte na reversão da demografia ou antes uma outra que minimize pouco a pouco os “custos de desgaste”?
Esta linha de ataque ao problema implica apontar para um novo modelo demográfico que consiste em viver e aprender a viver uma realidade de queda deslizante e lenta da população, tentando sustê-la aqui e ali, promovendo em simultâneo uma aprendizagem continuada de lidar com o fenómeno no sentido de o ir dominando. Uma espécie de monitorização activa da situação.
Pensamos que nos países mais desenvolvidos o decréscimo populacional é inelutável (ninguém hoje quer/deseja muitos filhos por motivos vários) e Portugal desliza nesse caminho. Só que em desvantagem face aos países mais ricos, de uma forma geral devido ao seu nível de criação de riqueza. O decréscimo populacional só poderá ser minorado com políticas robustas de imigração e de desenvolvimento.
“Acomodar-se” a este novo paradigma implica um grande esforço de transformação societária do ponto de vista económico e cultural. Esse salto é possível se soubermos aplicar de forma dinâmica e estratégica os fundos comunitários que vão ser disponibilizados durante a década 20/30. Dinheiro não falta. Pode faltar estratégia, ambição e sobretudo capacidade de realização.
O problema que se coloca então aos partidos, e à governação em especial, vai num duplo sentido: conter “os estragos” que se acumularam e partir para a preparação do país para esta nova realidade, o que equivale a criar as condições para produzir mais com menos gente.
Preparar a sociedade para este novo paradigma exige decisões de fundo, diferentes e inovadoras, a nível técnico, organização do trabalho e da sociedade, novas qualificações técnicas, novo tipo de ensino. Uma mentalidade cultural inovada e inovadora.
O problema é que não há tempo a perder sob pena de algum retrocesso civilizacional.
A estratégia de mudança não passa então por pretender aumentar o número de portugueses para repor o défice resultante dos sucessivos decréscimos de população. O essencial para manter Portugal com uma dimensão próxima da que existe reside em criar políticas públicas que incentivem através de condições específicas quem pretenda viver no território nacional. Quanto mais o país for aberto a acolher gente de outros mundos melhor será. Daí impor-se uma política de imigração e integração bem desenhada, uma política que preserve valores básicos e humanos e relações interculturais.
Da articulação entre estas duas vertentes é possível aproximarmo-nos de uma solução de futuro ao problema da demografia e apostar num país com a dimensão em sentido figurativo mais ampla da que tem, dependendo da imagem real que se consiga projectar/consolidar a nível da comunidade internacional.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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