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terça-feira, 13 de setembro de 2022

A recessão organizada por Lagarde


VISTO DE FORA
Por Tiago Franco *
Setembro 11, 2022

Raquel Varela usou uma expressão, que considero feliz, para descrever a actual crise económica: recessão organizada. Enquanto governantes nos tentam convencer que a perda do poder de compra e a redução de salários se devem à guerra na Ucrânia, aquilo a que assistimos são lucros fabulosos na banca, nas energéticas e nas cadeias de supermercados.



Sendo os preços definidos pelos salários e pelos lucros, sem que se conheçam aumentos significativos no lado dos salários, compreende-se que a subida de preços (inflação) se destine apenas a fazer crescer a balança no lado do lucro. É isto que o BCE de Lagarde consegue ao aumentar, repetidamente, as taxas de juro.

Criar uma escandalosa orgia de lucros à custa da disparatada subida dos preços em contraponto com a estagnação dos salários. Está criada a tempestade perfeita em que o trabalhador por conta de outrem fica preso num ciclo sem saída. Por um lado, não pode deixar de trabalhar e, por outro, o valor a que vende a sua força de trabalho vale cada vez menos. Ao mesmo tempo, o lucro das corporações vai batendo recordes.

Pelo meio, Lagarde diz-nos que é este o caminho para que a inflação regresse aos 2% lá para 2024, e António Costa (tal como os restantes governos da União Europeia), vai distribuindo umas migalhas pela população a partir do IVA extraordinário amealhado por conta da “economia de guerra”.

Em lado nenhum se aumentam salários. Em lado nenhum se mantém o poder de compra do lado dos trabalhadores. Mas em todo o lado as empresas aumentam os seus lucros. Se isto não nos faz pensar, enfim, não sei o que mais será necessário. Talvez quando nos vierem buscar a pele.

Dou por mim, pela primeira vez na vida, a concordar com uma afirmação de um deputado da Iniciativa Liberal. Se, de facto, o Governo quer proteger as famílias, bastaria que, por agora, reduzisse a fatia que tira de cada salário na contribuição do IRS. Era esse o verdadeiro acompanhamento da inflação.

Mas então, e a Ucrânia? Sim, a Ucrânia, onde nos garantem que a vitória é possível (até ao último ucraniano, entenda-se), e que, de costas largas, aceita todas as justificações que nos empobrecem. Até onde iremos?


Há uma ironia macabra em tudo isto. Enquanto os nossos governantes (europeus) nos garantem que não podemos deixar de apoiar financeiramente, e com armas, os esforços de guerra, dizem-nos que, também por causa desse esforço, devemos aceitar a perda de salários e, para alguns, das suas habitações. Isto depois de nos garantirem que a inflação seria temporária, quando todos já tínhamos percebido que estaria sempre associada (nem que fosse pela narrativa) a uma guerra que ninguém parece querer ver terminada.

Sempre que ouço esta conversa de que a Ucrânia não pode cair, olho em volta e penso nos que, em qualquer parte do mundo, vão caindo todos os dias na ignorância dos interesses europeus. Mas mais do que isso, pergunto-me até quando aceitaremos patrocinar esta guerra com a nossa pobreza?

Nada no terreno nos leva a pensar que os ucranianos poderão fazer mais do que resistir. Para além de Nuno Rogeiro, que nos garante desde Maio que os russos já não aguentam mais, a maior parte dos especialistas não vislumbram maneira alguma de rechaçar o exército russo do Donbass e da Crimeia. Mesmo aqueles que já viram a guerra para lá dos estúdios de televisão.

Portanto, enquanto a União Europeia e os Estados Unidos forem enviando dinheiro e armas, enquanto nós formos empobrecendo sem gritar muito, enquanto os ucranianos tiverem gente viva e enquanto os russos conseguirem vender gás e petróleo aos asiáticos, em princípio a guerra tem pernas para andar.


Quem grita pela solidariedade eterna com a guerra no Leste Europeu é quem, por norma, nunca quis saber de qualquer outra invasão. Mas é também quem, acima de tudo, vê o drama alheio sem o risco de perder o telhado ou que, apesar dos aumentos do Banco Central Europeu (BCE), tem um salário suficientemente robusto para se sentar na poltrona a exigir solidariedade. Fica bem. É a barricada dos impérios pela verdade. São a nova versão do “fiquem em casa, salvem vidas”, que o meu emprego já é para a vida.

Acalmaram-se um pouco os falcões que exigiam a entrada da NATO no terreno (de forma oficial, pelo menos), e isso leva-nos para a parte da solução de todo este imbróglio.

Sem a NATO e uma III Guerra Mundial, é possível derrotar os russos? Rogeiro faz-nos crer que sim, os militares dizem que não. Acreditando nestes últimos, alguns que até defendem que a única solução do conflito passará pela perda de território por parte da Ucrânia, a quem interessa o prolongamento deste conflito?

Assim de repente, consigo pensar em várias corporações que estão a lucrar como nunca, percebo que para os Estados Unidos seja importante desgastar os russos o mais possível (até porque eles já o admitiram), e para alguns governos até a inflação parece ser positiva.


Mas para nós, o comum dos mortais que trabalha 40 horas por semana e paga contas, de que nos interessa a moral da escolha entre impérios? A hipocrisia da invasão boa vs. a invasão má? A irritante sobranceria com que aceitamos a morte de uns, mas declaramos inconcebível o sacrifício de outros, consoante o nome do invasor ou a proximidade do nosso bairro.

Compreendo que ucraniano algum queira perder território. Mas… tem de ser a Europa toda a pagar por isso? Não posso eu escolher a que invadido quero dar a minha solidariedade, ou, pelo menos, achar que que tenho o direito de não pagar guerras que não escolhi?

Andei, andámos, dois anos a pagar os lucros das farmacêuticas e dos laboratórios, enquanto nos cortavam salários. Agora transferimos o valor do trabalho para o capital que está no sector da energia, do armamento, da banca. E voltamos a reduzir salários.

Quase três anos desta merda, deste ciclo de empobrecimento. Sem que nos perguntem sequer se queremos fazer parte dele. Uma minoria que controla, dirige e oprime a maioria que trabalha, mas que, ao que parece, se recusa a pensar e reagir.

Eu não aceito que me obriguem a pagar guerras que não escolho. Nem sequer aceito que me digam quais são as guerras boas ou guerras más. E certamente não compreendo, em nome de quem é que a estabilidade da minha família tem que ser colocada em causa para que a banca, os senhores da guerra e as energéticas lucrem como nunca.

Entre o sangue ucraniano e a pobreza que aumenta na Europa, há quem ganhe fortunas. E nós, os idiotas de serviço, discutimos 125 euros de esmola e gritamos Slava Ukraini no sofá, sem saber quanto mais tempo nos sentaremos nele.

*Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)

N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ten muinta razao sao todos uns hipocritas so Pensao neles (Selfish)