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18 Setembro 2022
Os países europeus não tinham alinhado com os EUA. Agora, desorientados com a escassez de gás natural mas sobretudo temerosos da avalanche de contestação social, os políticos europeus fazem marcha atrás.
1. A Europa e a União Europeia em particular estão em onda de desnorte perante a crise energética (que se arrasta há algum tempo) e a inflação galopante que daí decorre. Segundo o Eurostat, em Agosto, a inflação atingiu 9,1%, na zona euro, um aumento de 0,2 pontos percentuais face ao mês anterior. Em Portugal, o INE reviu em baixa para 8,9%.
A escassez de gás natural, que tudo indica pode trazer um inverno de frio pouco amigável para a maioria dos europeus, faz estremecer os dirigentes políticos.
Juntando a subida dramática dos preços dos bens ao aumento das prestações do crédito, nomeadamente a da casa, estão criadas as condições explosivas para uns tempos de turbulência com efeitos sociais e políticos imprevisíveis.
A comunicação social europeia está a ser eco desta situação, apontando movimentos autónomos de contestação social como o do não “pagamento da factura” no Reino Unido, que já recolheu 180 000 signatários e procura até ao 1º. de Outubro reunir um milhão para começar a agir, “não pagando”. Em França, após manifestações dispersas, está em marcha uma maior para 29 de Setembro, esta da responsabilidade da CGT, que inclui, entre as suas palavras de ordem, a temática das pensões.
Em muitos outros países (Alemanha, Itália, Bélgica …) e cidades diversas reina um forte descontentamento e indícios de protesto variados. Na Itália, desenvolve-se o movimento “rasgue-se a factura”. Este ambiente favorece avanços das forças de extrema-direita no espaço europeu como aconteceu na Suécia e as sondagens em Itália vão também nesse sentido.
Tudo aponta para uma mudança da correlação de forças no terreno político da UE, o que a acontecer não será indiferente às relações com a Rússia.
Medidas de mitigação dos efeitos da crise
2. Alguns governos estão a avançar com medidas de mitigação do impacto da subida vertiginosa de preços, com pouca adesão dos europeus.
O descrédito das populações nos políticos “corta” fundo. Há o sentimento de que os políticos europeus erraram sucessivamente e perderam o comando da situação. Que os erros cometidos nas sanções foram muito desproporcionais, não tendo em conta a situação de crise económica que vinha da Covid19, nomeadamente o estrangulamento dos circuitos de abastecimento.
A Comissão Europeia tenta medidas quase sempre mal desenhadas que não convencem os países membros, nem as populações, porque não atendem ao custo-benefício, económico, político e social.
A reunião do Conselho Europeu da Energia do dia 9 de Setembro é uma prova. Mais um fiasco a somar para mal dos europeus. Não sei se o Banco para o Hidrogénio avançado pela Presidente tem sentido e vai convencer alguém. É necessário reflectir nos erros cometidos antes de avançar com mais medidas desastradas.
O avanço pela Comissão da medida “revisão da formação dos preços da electricidade nos mercados por grosso”, há muito reclamada até por Macron, é tão tímida e formatada com pouca consistência técnica, que não incute confiança.
Um assunto que toda a gente entende que nada tendo a ver com os custos de produção da electricidade, no presente, antes segue os preços do gás, é um absurdo, apenas serve os lucros dos grandes grupos energéticos (apropriação de rendas) em detrimento dos consumidores em geral.
Erros não se resolvem juntando outros.
A introdução do gás de xisto na Europa
3. Há um passado europeu recente por detrás da não exploração do gás de xisto na Europa, devido a preocupações ambientais e efeitos geológicos. Por exemplo, o aumento do grau de sismicidade em zonas de exploração.
Os países europeus não tinham alinhado na onda dos EUA que desprezaram estes efeitos e avançaram. Agora, desorientados com a escassez de gás natural mas sobretudo temerosos da avalanche de contestação social, os políticos europeus fazem marcha atrás, querem mostrar trabalho e, deste modo, vários países encaram e alguns já decidiram partir para o gás de xisto.
No Reino Unido, a primeira-ministra Liz Truss, dois dias após a sua tomada de posse, levantou a moratória de suspensão da exploração abrindo caminho para o gás de xisto.
Na Alemanha, o problema está em marcha. O lóbi do gás de xisto está a trabalhar bem e já capturou um partido do governo, o FDP (partido democrático livre)
A Hungria foi o primeiro a dar luz verde e outros países ponderam.
Há de facto muitos metros cúbicos de gás de xisto no subsolo europeu. E nada mudou em termos de impacto ambiental e geológico face ao que se sabia quando tudo foi proibido ou abandonado por não viabilidade económica.
O que é o ‘fracking’
4. Esta técnica de extração serve para capturar petróleo ou gás de xisto (fracturação hidráulica), através de uma cisão precisa de blocos geológicos, por meio de injecção de água a elevada pressão que perfura, deste modo, as rochas pouco permeáveis. A água a alta pressão é misturada com uma elevada e diversificada quantidade de produtos químicos de elevada toxicidade e areia para dificultar que as rochas perfuradas voltem a fechar.
É construído um poço normalmente vertical até uma certa profundidade (cerca de 2 Km). Detectada a camada dos hidrocarbonetos, alarga-se o poço a fim de permitir a maior captação possível de gás.
Há muita controvérsia sobre o uso dos combustíveis fósseis e ainda mais sobre as técnicas de extracção.
O fracking como uma dessas técnicas tem associado graves e perigosos efeitos em diferentes domínios, apontando-se a poluição da água designadamente os lençóis freáticos bem como o elevado consumo. Um furo, referem alguns estudos, consome 200 000 m3, usa cerca de 500 produtos químicos de variados efeitos por exemplo, substâncias de teor cancerígeno; a poluição do ar; a poluição dos solos, e o aumento do grau de sismicidade nas zonas de exploração.
Não podemos deixar de relevar os elevados riscos para a saúde humana do seu uso, onde a leucemia nas crianças é evidenciada nos estudos de impacto.
Desconcerto com o acordo de Paris
5. Em síntese, políticos e governos europeus, entre eles, os dos maiores países recorrem a todos os expedientes para “taparem” os erros que as populações lhes imputam, na escassez do gás e efeitos decorrentes. O frio do inverno é o que mais temem.
A entrada da Europa na extracção do gás de xisto, a dar-se, é um erro maior, pois este combustível fóssil é muito mais perigoso que o gás natural. É um caminhar para trás no tempo e um grande desconcerto da Europa com o acordo de Paris.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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