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quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A voz do eucalipto é lei!

 

Há quantos anos isto acontece! Directo ao assunto. Em todos níveis de análise, a verdadeira Democracia ainda não passou por aqui. Formalmente ela existe, os ciclos eleitorais acontecem no quadro da Lei, já foi pior (dizem que até os mortos votavam), mas hoje sabe-se que só contam os votos expressos. E se, de quando em vez, há alguma marosca, estou em crer que ela é marginal e combatida. O problema não reside aí. É mais profundo e de difícil, não na compreensão do fenómeno em si, mas quando se pretende descortinar a mentalidade que se enraizou e, qual eucalipto, cresceu, rapidamente, sugando toda a água (leia-se liberdade e direitos) à sua volta.



Ao longo de anos assisti à sementeira do eucalipto, político, claro, nesta silenciosa floresta de homens e mulheres. Subtilmente, outras vezes às escâncaras, o eucalipto foi competindo e matando outras espécies. Tal como nas Mirtáceas, gerou muitas espécies, mas todas Eucalyptus. 

Já tem um tempo e li em Paulo Novais, Professor de Inteligência Artificial, um texto muito interessante e cada vez mais actual, onde sublinha que eles, os eucaliptos da vida, "secam tudo à sua volta e são uma espécie que tem vindo a ganhar adeptos e a vulgarizar-se. São indivíduos que, no seu dia-a-dia, por norma, são afáveis e têm uma assinalável facilidade de se relacionarem com os outros, de comunicarem, no fundo expressam-se bem, falam simples e repetem à exaustão cassetes e frases feitas, mas conhecem muito bem a sua malta. São indivíduos que utilizando esta proximidade são capazes de se rodearem de correligionários fiéis, que não discutem nem lhe desobedecem – a voz do Eucalipto é assim a “lei” que domina. Nos seus domínios controlam as diferentes organizações colocando aí os seus “fiéis” – o Eucalipto tem raízes profundas e distribuídas no seu meio ambiente, empobrecendo desta forma o seu habitat porque não permite o aparecimento da diversidade".

De facto, o Eucalyptus está em toda a paisagem madeirense e quem os intencionalmente planta pouco se importa de ser nocivo relativamente à biodiversidade nos ecossistemas. Importante é continuar a sementeira que impeça quaisquer outras plantas germinarem. Vejo-os plantados e de plantão em todo o sistema político.

Não me foi estranho, por isso, há dias, um interessante diálogo que tive com um amigo de longa data. É na sequência dessa amena conversa que escrevo. A páginas tantas disse-me: "(...) ter uma conversa com ele, sim, ir a um encontro aberto ao público para dizer o que penso, não. Tenho familiares que trabalham em instituições públicas e não os quero prejudicar". Em síntese foi mais ou menos isto que me referiu. Para com os meus botões pensei: lá está o efeito "eucalipto". Seca tudo, seca a diversidade da opinião livre e responsável. Seca um dos vectores da própria democracia.  


Não deixa de ser curioso, enquanto no Continente, quando perguntamos a uma pessoa onde trabalha, a resposta sai com naturalidade: no ministério da educação, no ministério da agricultura, no ministério da saúde, na Direcção Geral disto ou daquilo, etc; aqui, também com naturalidade, a resposta é: trabalho no governo! Enquanto a primeira transporta uma ideia de independência política (função profissional e o local é uma coisa, a opção partidária é outra), aqui existe uma intuída aproximação ao poder político, como se de um "patrão" tratasse. Tenho uma curiosa história que ilustra este sentimento. Já tem uns anos, estava eu em campanha eleitoral à porta de uma instituição autárquica, aproximei-me de uma senhora que às 17:30 saída do seu trabalho e disse-lhe: "quando puder, leia a nossa proposta". Respondeu-me: "sim, esteja descansado, eu voto sempre no senhor presidente"! Pela forma, tom e semblante, uma vez que me conhecia dos corredores dessa instituição, creio que não estava em chalaça comigo. É assim, grosso modo, o comportamento do eucaliptal.

E aqui sumariamente chegados, ressalvando que este é um tema de ligações e análises quase inesgotáveis, pergunto como devolver a liberdade de pensamento e de opinião que devia nortear a democracia e a atitude de todos os cidadãos? Aos partidos? À comunicação social? Desde logo, os partidos políticos, com algumas culpas próprias e históricas, é certo, sentem-se bloqueados pela castradora mentalidade que se tornou paisagem. Por razões diversas, uma fatia da população está empregada e invade-lhes o medo de uma qualquer ostracização ou perseguição (desde o quadro técnico ao contínuo); outra parte espera por um emprego ou beneficia de qualquer coisa e quanto ao tecido empresarial, todos os cuidados são poucos, pois conhece muito bem os meandros do sistema. Nesta anormal configuração "democrática" a adesão a outros projectos torna-se complexa. E os "corajosos" sabem quanto isso custa! Depois, temos a comunicação social, num espaço territorial limitado, onde as pessoas se conhecem, onde as relações são, por isso, umbilicais, um espaço dominado pelo grande capital que nos sectores chave influencia, ordena como quer e com subtileza, limita a acção dos profissionais, os quais, por seu turno, legitimamente, olham e pensam na família e nas obrigações que a vida impõe. Pergunta-se, então, como chegar ao povo com verdade e honestidade? Os temas de fundo, os que são estruturais, aqueles que merecem investigação séria, obviamente que os tais profissionais os dominam, mas olhando para os contextos, preferem estar quietos, optando por navegar nas águas sem ondas.

Mas há que sair disto. Por uma sociedade sem donos do pensamento. O mérito de governar está no conhecimento, na capacidade e na autenticidade. Só os medíocres têm medo do que os outros pensam. E neste aspecto a Escola afigura-se-me determinante na construção de uma sociedade livre. O problema é que a Escola também está doente.

Ilustração: Google Imagens.

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