Por
João Abel de Freitas,
Economista
A importância da China
A transição energética e ecológica precisa de ser repensada e, no caso das renováveis, começa na mina. Caso contrário, não passa de uma grande falácia em termos ambientais.
A importância da China
1. Alguma imprensa europeia ligada à temática da energia noticiou, nos dias de Natal, que Pequim passou a colocar sérios obstáculos/proibição em situações específicas à exportação das tecnologias de mineração e tratamento das Terras Raras.
Esta decisão da China vem criar problemas agora e de futuro nomeadamente à União Europeia que é altamente dependente da importação de metais críticos, em que as terras raras se enquadram e, sobretudo, dificultar o desenvolvimento de fileiras industriais nestas áreas.
Esta posição em nada contribui para relações normais diplomáticas, políticas, económicas. É preciso construir uma nova diplomacia europeia para assegurar relacionamentos credíveis (comerciais e de investimento) de longo prazo com a China.
Neste momento, funciona um impasse de contrapartida, com a Europa em perda maior até porque age sem autonomia. Nada, na Europa, em áreas críticas, se aprova sem a supervisão americana. Exemplos, casos Huawei, chips, tecnologias, etc. Esta a resposta de Pequim, bem ciente dos efeitos na desindustrialização. Mas é o ditado “amor, com amor se paga” a funcionar.
E fica espaço à pergunta. Alguém beneficia com estas guerras económicas? A curto prazo, só prejuízo. A longo, depende de quem melhor se apetrechar para reagir com vantagem. E não me parece que vá ser a Europa!
Terras Raras
2. Por Terras Raras entende-se um conjunto de 17 metais existentes na crosta terrestre, devidamente identificados, pelas tecnologias actuais, muitas vezes associados a elementos radioactivos, como o urânio e o tório.
O valor das terras raras decorre da sua aplicação, depois de devidamente transformadas em produtos, em vários sectores das tecnologias verdes como baterias para veículos eléctricos, equipamentos eólicos e fotovoltaicos, equipamentos de toda a ordem para a economia digital (computadores, telemóveis, smartphones, etc.) e até equipamentos de defesa. Neste contexto, a sua exploração assume um elevado grau de sensibilidade.
A distribuição geográfica das reservas conhecidas de Terras Raras apresenta-se muito concentrada com predomínio para a China (60%), República Democrática do Congo e em muito menor grau Austrália e EUA.
A China é um quase monopólio na exportação de terras raras, cobalto e lítio (cerca de 90% das importações da Europa) e não tenciona partilhar esta situação a não ser em moldes por si negociados. Pelo contrário, até está a investir no reforço desse domínio no mercado mundial através de importações ou de investimentos no exterior quer na mineração, mas também na refinação e consórcios industriais como as baterias.
Quanto ao lítio, recentemente, foram identificadas, nos EUA, jazidas potencialmente importantes, embora com graus de risco de exploração ainda por afinar.
Lei das Matérias-Primas Estratégicas
3. A Comissão Europeia apresentou, em Março de 2023, uma proposta de Lei dos Metais Críticos, no sentido de intensificar os seus esforços para garantir o acesso futuro a minérios como o lítio e o cobalto na tentativa de minorar a sua dependência do exterior e em especial da China.
Se esta lei vai ser bem-sucedida é outro problema porque avança com muito atraso como acentua Georges Rickeles, director associado do Centro de Políticas Europeias (EPC), ao afirmar: “acho que é muito claro que a China está estrategicamente preparada para a próxima economia mineira. Está preparada para a transição verde e para a era zero das emissões líquidas. E a Europa não”. Admite mesmo um atraso europeu de, no mínimo, 15 anos.
Esta lei aprovada no dia 7 de Dezembro 2023 pelo Parlamento Europeu (PE) integra uma lista de 16 matérias-primas estratégicas e visa conseguir um contributo diferenciado da UE até 2030 de 10% na mineração própria, 40% no processamento e 15% na reciclagem.
No entanto, para além dos atrasos tecnológicos constatados face à China, que tem de longe a liderança mundial nestas matérias, como é costume na União Europeia, o grande problema que entrava o avanço é o da falta de meios financeiros atribuídos. E aqui surge sempre a divisão. Nada de comum em dinheiros. Dinheiro em conjunto nunca. Eurobonds ou coisa semelhante é um termo banido do léxico da UE, apesar do PE ter apontado para um Fundo.
Outro aspecto de discórdia é a aceitação dos projectos comunitários pelas populações locais, preocupadas com os efeitos ambientais e sociais da exploração dos recursos. O caso do lítio em Portugal é um exemplo.
Uma situação típica do Ocidente
4. Recuando alguns decénios, a situação da China no mundo não era a de domínio tecnológico nestas áreas.
Os EUA e mesmo a Europa mantinham uma posição relevante nas matérias-primas estratégicas. Só que as questões ambientais começaram a ganhar relevo e a cedência fácil dos políticos europeus apoiaram a deslocalização da mineração para outras paragens. Fácil enviar o “lixo” para o mundo subdesenvolvido num processo de forma negligente ou pouco inteligente.
Tanto assim é que os efeitos desta política são hoje contestados. Rolf Kubi, director administrativo da Eurominas (associação empresarial) não deixa de se exprimir da seguinte forma: “Afinal, os painéis solares ou as turbinas eólicas não devem produzir apenas electricidade verde, mas também precisam de ser feitas de matérias-primas verdes”. E afinal a mineração das matérias-primas tem pouco de verde. É mesmo poluente.
A Europa a caminho de uma segunda dependência energética?
5. O domínio da política energética anterior de influência alemã (Energiewende) levou à dependência do gás russo que se conhece. Parece que nada ensinou, estando a Europa a deslisar de forma leviana para uma outra dependência, a dos metais críticos e estratégicos.
Não será de parar para pensar e agir diferente?
Ninguém advoga o abandono das energias renováveis e, por conseguinte, a solução para os metais críticos merece reflexão profunda, no sentido de se chegar a uma estratégia sustentada de colmatar as necessidades da Europa. Mas será que é uma questão resolúvel sem o estabelecimento de uma estratégia energética comum?
Não estarão a ser ultrapassadas as capacidades instaladas em renováveis com todos os inconvenientes que isso acarreta, designadamente a dependência não resolvida antes apontada, mas ainda dificultando a entrada de outras fontes de energia mais seguras e de baixo carbono?
A UE, apesar de ter dado alguns passos, ainda não foi capaz de conjugar todas as fontes de energia de baixo carbono, em especial definindo o papel concreto da nuclear que é, sem dúvida, a que reúne condições para menos dependência ao nível da União Europeia. Esse equacionamento requer um novo sistema produtivo industrial e mudanças profundas ao nível da formação.
A energia é uma pedra basilar em toda a sociedade porque se liga a tudo. Sem energia voltaríamos à idade da pedra e com a energia no estado presente, em que 80% é de raiz fóssil, o aquecimento global com todos os efeitos que já vamos conhecendo começa a tornar o Planeta inabitável em várias zonas que rapidamente se vão estendendo.
A transição energética e ecológica (baixo carbono) precisa de ser repensada e, no caso das renováveis, começa na mina. Caso contrário, não passa de uma grande falácia em termos ambientais. Quase tudo a reequacionar e de forma urgente. Porque não aproveitar as eleições que aí vêm para ponderar estes aspectos fortes de uma nova civilização em Portugal e na Europa? Estamos numa altura de mudança.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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