Por
João Abel de Freitas,
Economista
Com as novas tecnologias de informação e agora com a Inteligência Artificial, a velocidade de circulação da desinformação quase não encontra limitações tecnológicas. Uma questão-chave para o ano em curso, rico na ida às urnas.
No Fórum de Davos deste ano, que se realizou na Suíça de 16 a 19 de Janeiro, circularam dois relatórios perfeitamente distintos em tudo.
1. O relatório anual do Fórum Económico Mundial de Davos – The global risks report 2024 19th Edition, Insight Report – distribuído um pouco antes, a 10 de Janeiro, debruça-se sobre os riscos potenciais que poderão afectar as sociedades globalmente, distinguindo entre o curto (dois anos) e o médio/longo prazo (dez anos), onde a Desinformação aparece como risco de primeira linha.
Este relatório foi elaborado na base de um painel de 1400 personalidades (peritos, cientistas, representantes da sociedade civil, dirigentes políticos e empresariais) a quem foram colocadas uma série de questões sobre os riscos globais, para os próximos anos, arrumadas segundo cinco áreas: economia, ambiente, geopolítica, sociedade, tecnologia.
2. O relatório da OXFAM – Le rapport Multinationales et Inegalités 2024 – distribuído no Fórum de Davos, versa a Desigualdade, em duplo sentido, a economia e a pegada de carbono.
A OXFAM é uma ONG, sem fins lucrativos, que confedera múltiplas organizações a nível de vários países e se articula em parceria com muitas entidades. Nasceu em 1942, no Reino Unido, na sequência de uma grande crise alimentar, com a finalidade de encontrar soluções para os problemas da desigualdade, injustiça e pobreza. Para isso, utiliza campanhas, programas de desenvolvimento e acções de emergência em situações concretas.
Neste relatório, surgem duas conclusões globais, com uma actualidade gritante e profundo significado:
⦁ As cinco pessoas mais ricas do mundo viram a sua riqueza duplicar desde 2020, enquanto mais de metade da população mundial, cerca de cinco mil milhões de habitantes, em idêntico período, viram a sua riqueza decrescer;
⦁ A pegada de carbono das pessoas mais ricas é duas a três vezes maior do que se pensava.
A Desinformação
3. O relatório do Fórum Económico Mundial evidencia, pela primeira vez, a ameaça crucial do papel da desinformação.
Numa noção simples, a desinformação consiste no uso de um conjunto de técnicas e práticas de comunicação e de informação de massas, com o propósito de influenciar de forma determinante a opinião pública, utilizando dados falsos, escondendo ou falsificando factos. Um processo de manipulação do pensamento e acção das pessoas, tendo em vista fins concretos como o enviesamento de resultados eleitorais.
Com as novas tecnologias de informação e agora ainda com a Inteligência Artificial (IA), a velocidade de circulação da desinformação quase não encontra limitações tecnológicas. Uma questão-chave para o ano em curso, rico na ida às urnas, em muitas partes do Mundo, quer a nível local, nacional ou por blocos de países como serão as eleições de Junho da União Europeia.
Portugal, em 2024, não escapa a nenhum deste tipo de eleições. Marca presença em eleições regionais – Açores (e a Madeira?), nacionais – Legislativas e Europeias. Só escapam mesmo as Presidenciais.
Mas muitos são os países (76 ao todo neste momento, mais a União Europeia) em que os eleitores serão chamados a se pronunciar. Países dos maiores em população, como o Bangladesh, Índia, Indonésia, México, Paquistão, Reino Unido, Rússia vão a votos e quase no final do ano os EUA. Se todas as eleições têm o seu peso, as dos EUA terão uma importância relevante, pois podem trazer ajustes profundos na configuração da geopolítica mundial.
O Fórum Económico de Davos prestou grande atenção a esta situação, aliás, na base do relatório antes referido que aponta a desinformação como um dos maiores riscos para a humanidade: “o uso generalizado da desinformação e as ferramentas para disseminá-la podem minar a legitimidade dos governos eleitos”.
O Fórum de Davos não se cingiu apenas a esta temática da desinformação, até porque o tema central foi o de “reconstruir a confiança” num Mundo marcado por conflitos, guerras e crises bem diversas.
Difícil em situação tão complexa, restituir confiança aos povos e até me permito ter sérias dúvidas de que muitos dos presentes estariam seriamente apostados nisso, pois em todos estes encontros, muitas presenças se devem a um jogo e a um aproveitamento de “negócios” de todo o género, nomeadamente políticos.
A crise mundial é de facto profunda, complexa e perigosa e, em certos domínios, como o ambiente, segundo vários cientistas o referem, os riscos podem estar a aproximar-se de “um ponto de não retorno”. Neste sentido, até acredito numa aproximação muito global ao reconhecimento do problema em teoria.
Já quanto às medidas de ataque nada de comum. Aqui, entram os interesses económicos, os negócios e a apropriação da riqueza. Basta olhar para o campo da energia, onde os desentendimentos são o dia a dia. Jogadas com os preços, nada na realização das metas de descarbonização nem mesmo para aqueles que as juram defender (veja-se a reactivação das centrais a carvão na Alemanha).
É o caos e não um esforço de conjugação para, de facto, reduzir os riscos climáticos, hoje no topo dos riscos globais, com as situações climáticas extremas a sucederem-se, as secas rigorosas, os incêndios, a perda da biodiversidade.
A Desigualdade
4. O relatório da OXFAM apresenta no resumo inicial um quadro com a quantificação das desigualdades, bem mais expressivas na economia e no social que no ambiente.
Não uso os indicadores na sua globalidade. Seleccionei aqueles que, embora em número reduzido, me parecem dar uma visão bem clara das desigualdades que caracterizam o Mundo de hoje.
Fixemos estes dados:
⦁ Se cada uma das cinco pessoas mais ricas do Planeta gastasse um milhão de dólares por dia, precisaria de 476 anos para esgotar a sua fortuna;
⦁ À escala planetária, os homens possuem 105 mil milhares de milhões de dólares a mais que as mulheres, ou seja, uma diferença equivalente a quatro vezes a economia dos EUA;
⦁ 1% dos mais ricos do Planeta possuem 43% de todos os activos financeiros mundiais;
⦁ 1% dos mais ricos do Planeta emitem tanto carbono como os 2/3 mais pobres da Humanidade.
Estes quatro indicadores não podem deixar-nos insensíveis perante a vida.
A terminar
5. Assinale-se a tese defendida no discurso em Davos do ultraliberal Javier Milei, presidente da Argentina. “A justiça social não é justa, nem contribui para o bem-estar geral”, acompanhada de um acrescento: “a redistribuição não é o caminho para resolver as desigualdades”.
Se a estas afirmações/teses de Milei se juntar a carta de 250 multimilionários, também defensores do capitalismo como Milei que, mais uma vez se dirigiram aos líderes mundiais, reclamando que querem pagar mais impostos a fim de combater as desigualdades, a cacofonia em Davos fica perfeita.
Os liberais portugueses têm de se decidir se fazem campanha eleitoral na linha de Milei ou na linha dos 260 ultra-ricos que defendem o aumento de impostos para si próprios, na linha da OXFAM que defende uma maior taxação das grandes fortunas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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