Que num estado laico o governo utilize os dinheiros públicos para a construção de megalómanas igrejas de gosto duvidoso, trata-se de um despudor difícil de entender, mas que o mesmo governo se esqueça de cumprir a sua obrigação de preservar o património construído, sem sequer corrigir os danos que lhe infligiu, está para além de qualquer compreensão.
Acabo de ler, no DN-Madeira, uma importante e oportuna "carta do leitor" assinada pelo Dr. Emanuel Gaspar. Sempre que por ali passo, a par das minhas recordações, entristece-me o facto de ver aquela capela em progressiva degradação. Governo e Diocese têm o dever, à luz da nossa História e da defesa do património, procurarem soluções. A carta hoje publicada constitui um alerta, dai que aqui a publique no sentido de ajudar na sensibilização que vise a sua reabilitação.
"Foi com profunda desolação que tomei conhecimento, por meio de uma recente Carta do Leitor deste DIÁRIO, que a Capela de S. Paulo encerrou ao culto por falta de segurança devido à sua degradação estrutural. A propósito desta lamentável notícia, gostaria de lembrar que esta capela foi construída nos arrifes da então vila do Funchal, nos finais do Séc. XV e inícios do Séc. XVI e foi sede da paróquia de S. Paulo e S. Pedro antes da construção da actual Igreja de S. Pedro. Adossada a esta capela encontra-se a residência do capelão, e mais a Este, o antigo hospital, com fachada já para a Rua das Cruzes, todos eles imóveis com interesse patrimonial.
Apesar das obras que sofreu ao longo dos séculos, este pequeno conjunto apresenta ainda alguns dos elementos originais: alguns portais de arcos quebrados, porta com ombreiras biseladas, ao gosto da época, janelas que possuem lintéis de recorte manuelino com arcos contracurvados, elegante pia de água benta em forma de cálice e o tecto mudéjar da capela-mor.
Pela sua indubitável importância, o conjunto imobiliário está classificado como de Interesse Público desde 1948, mas viu-se seriamente afectado com a construção da “Cota 40”, em 1996, que lhe provocou graves fissuras, sendo, inclusive, parcialmente demolido o pequeno hospital.
Dele apenas resta a porta chanfrada do Séc. XVI encimada por interessante mirante de madeira e tapa-sóis fasquiados, tipo “casinha de prazer”.
Desse ano de 1996 resta também a promessa por cumprir do restauro da capela de S. Paulo pelo Governo Regional.
Que num estado laico o governo utilize os dinheiros públicos para a construção de megalómanas igrejas de gosto duvidoso, trata-se de um despudor difícil de entender, mas que o mesmo governo se esqueça de cumprir a sua obrigação de preservar o património construído, sem sequer corrigir os danos que lhe infligiu, está para além de qualquer compreensão.
Esperamos que a Diocese do Funchal, celebrando actualmente os seus cinco séculos de existência, não deixe cair em ruínas esta capela quinhentista.
Enfim, ao lado da ermida encontra-se uma das casas do Funchal habitadas pelo grande poeta Herberto Helder..., talvez a poesia, a História e a vontade dos homens salve esta capela erguida nos primórdios do povoamento!
Ilustração: Google Imagens.
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