Segui pela RTP-Madeira uma peça sobre a tomada de posse dos corpos gerentes da Associação Desportiva da Camacha. E lá estava o representante do poder, o Director Regional dos Desportos, em um acto puramente administrativo e que diz respeito, única e exclusivamente, aos associados daquela instituição. Este facto faz-me trazer à colação o perigoso cordão umbilical do associativismo ao poder político. Porque raio têm de estar presentes em um acto que não lhes diz respeito? Ora, quem conhece a história do associativismo desportivo encontra a resposta naqueles que são os três períodos importantes das relações Estado/Desporto: o primeiro, 1932, período que o Estado nega a prática do desporto; o segundo, 1942, período que o Estado não proíbe mas controla; e o terceiro, 1974, onde se assiste ao reconhecimento do desporto pelo Estado, enquanto direito fundamental, ratificado na Constituição de 1976.
Esta imagem do DN-Madeira é significativa: o presidente da Assembleia Geral que deveria ocupar o lugar no centro, está numa ponta. No centro estão os "poderes", um eleito outro não. |
Sobre o primeiro, baseado do Decreto-Lei 21.110, que é uma delícia ler e esmiuçá-lo, o governo do Estado Novo, pura e simplesmente, pretendeu acabar com aquilo que considerava ser a "mania do desporto". Não vou aqui desenvolvê-lo quer do ponto de vista pedagógico, político e das consequências para o associativismo. O terceiro período corresponde a um direito constitucional sobre o qual, genericamente, os cidadãos dominam as suas traves-mestras. Já o segundo período parece-me muito interessante na relação directa que apresenta com a omnipresença do governo em tudo quanto mexe no associativismo. Com uma ressalva, antes o Estado impunha a sua presença, agora, é o associativismo, ainda com réstias da canga, que solicita a sua presença e eles, obviamente, aceitam!
Em 1942, através do Decreto-Lei 32.241 de 05 de Setembro, foi criada a Direcção Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar. Esta Direcção Geral, lê-se no diploma, tinha, essencialmente, em vista criar o órgão do Estado responsável pela promoção e orientação da Educação Física do povo português e de introduzir a disciplina nos desportos (...) a sua competência permitia tomar todas as iniciativas no campo da Educação Física, conhecer o que se passava no seio das organizações no sentido de conduzi-las (...). Assim surgiram, entre outros cargos, os inspectores dos desportos os quais, imagine-se, tinham assento nas assembleias gerais dos clubes e associações, nos congressos, nas direcções e conselhos técnicos das instituições. A Direcção Geral, inclusive, aprovava os nomes dos elementos propostos para os corpos gerentes com uma declaração individual que dava conta de serem fiéis à Constituição do Estado Novo. O ministro da tutela podia até substituir os corpos gerentes por comissões administrativas. Até os orçamentos associativos tinham de ser aprovados por quem representasse o Estado. O domínio politico era puro e duro no que concerne ao controlo do regime!
Hoje, não é assim. Eu diria que não é descarada essa presença. Eu diria que o processo está tão refinado que não necessita de legislação. Todavia, por diferentes formas esse condicionamento acontece. Os exemplos vão desde o interesse em colocar no associativismo figuras conotadas com o partido do poder até à política de apoios ao associativismo. Dir-se-á que o controlo é feito de uma forma diferente, mais subtil, onde muitas vezes só na aparência os processos são livres e democráticos. O poder comparece nos jantares de aniversário e promete(ia) o que pode e aquilo que sabe não ser impossível; o poder reparte o bolo financeiro sem qualquer nexo na perspectiva do desenvolvimento, como se isto pudesse assentar na lógica dos "potes"; o poder, até, algumas vezes, mostra-se zangado com este e com aquele para demonstrar isenção e distanciamento, mas na hora da verdade concilia na lógica do pensamento do eleitorado que é associado; o poder não precisa de estar presente nas reuniões associativas porque uma grande maioria conhece a resposta que o poder deseja; o poder não precisa de aprovar listas, apenas nos bastidores trabalha para que o líder seja pessoa da sua confiança; o poder não precisa de aprovar orçamentos, porque controla os cordelinhos do financiamento público. Eu diria que o domínio político puro e duro continua no que diz respeito ao controlo por parte do regime. Daí o presidente eleito da Associação Desportiva da Camacha ter, na tomada de posse, pedido desculpa ao poder por ter sido, em alguns momentos, truculento na sua intervenção reivindicativa.
Fico por aqui. Apenas complemento com uma frase do Doutor Manuel Sérgio: "Se a sociedade está errada, o desporto não pode estar certo".
Ilustração: Google Imagens.
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