Não sou de guardar datas. Muito poucas fazem parte das inesquecíveis. Umas rejubilo pela felicidade que me provocam; outras trazem-me o profundo amargo que a tristeza martiriza. O 21 de Agosto é uma delas. Eu que não sou de superstições registo o fatídico dia do ano 13, com o somatório dos algarismos (21) ser igual a três! Sinto um nó na garganta como se a apertassem para fazer explodir a lágrima contida. Passo, pelos vários espaços da casa, interiores e exteriores, e aí encontro o contraponto ao sufoco, porque a sua presença permanece ali, embora não estando, porque me recordo da Amizade, da sua prontidão para tudo, para o convívio ou para uma simples tarefa que eu, desajeitado, não conseguia fazer, da sua gargalhada, o seu abraço apertado e o seu beijo que nos unia quase como irmãos. O Miguel era assim, transportava o perfume da amizade e da solidariedade, não aquela feita de palavras ocas, mas a expressa no dia-a-dia. Vivi e escutei os seus longos desabafos, as suas angústias relativamente aos seus amigos, os seus dramas profissionais e algumas vezes descongestionei com palavras as lágrimas de sofrimentos vários pela incerteza do dia seguinte. O Miguel era assim. Tanto ria a bandeiras despregadas, alegrando todos em redor, como vertia a lágrima pelo seu bom coração.
Faz hoje um ano que a minha família o perdeu. Era o mais novo de cinco irmãos. Pessoalmente, perdi mais do que um cunhado, perdi um Amigo. E de perdas posso falar, dos meus pais aos meus sogros passando por outros muito, muito próximos. Na família, sentimos os seus desaparecimentos, obviamente que sim. Só que entre o esperado e o inesperado a diferença, sabe-se, é substancial. Nos primeiros, a dureza dos factos leva-nos a interiorizar, aceitar e a acomodarmo-nos às circunstâncias. Há um tempo de consciencialização de que nada mais podemos fazer. Com o Miguel a meta da vida foi angustiante, desde logo perante os que, desesperadamente, tentaram trazê-lo de volta, como se aquele fosse, apenas, mais um episódio para relatar mais tarde, em uma Quinta-feira ou num fim-de-semana, no meio de umas saudáveis gargalhadas com um petisco de permeio. Não foi. O Adeus foi inesperado e definitivo. E assim passámos um ano em choque e luta pela aceitação da tecla da vida que determina o fim.
Sei o que pensa aquela legião de amigos que tinha, dos mais chegados a outros amigos de amigos. Sei da sua relação fácil desde os do topo até aos mais humildes da sociedade. Sei das suas recordações e das cumplicidades sem limites. Sei dos laços inquebrantáveis de união, mesmo quando as palavras eram azedas no calor de uma qualquer discussão. Sei a quantos ajudou de diversas maneiras e por quantos foi ajudado no quadro dessa cumplicidade. Sei das incompreensões do tecido empresarial que vive no princípio de todos deverem a todos, em claro desrespeito por quem pouco dorme e muito trabalha. Eu sei!
O Miguel repousa na profundeza do mar, frente ao seu lugar de eleição, o Jardim do Mar. O seu “Stress Zero” (que ironia!) por ali passa e ancora muitas vezes em sinal de uma memória que não se apaga por muitas que sejam as voltas da vida e por muito que se repita que a “vida continua”. As embarcações dos seus amigos idem, e creio, mesmo sem qualquer alerta, nas suas tripulações e amigos, por momentos, perpassa-lhes o sentimento que o Miguel está aqui.
À Susana e ao João um beijo e um abraço. Gostamos muito de vocês. Na passada semana, no dia que fizeste anos, Susana, telefonei-te e não te dei parabéns. Apenas disse-te, propositadamente, que a partir de um determinado momento da vida não fazemos anos, acrescentamos experiência, mesmo as mais amargas. A foto que aqui deixo expressa a sua alegria de viver. O Miguel, para nós, Susana e João, anda por aí, porque não o esquecemos. Ele vive em nós e estou em crer que zela por nós!
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário