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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

SOMOS CADA VEZ MENOS. PORÉM, A POLÍTICA DO PRIMEIRO-MINISTRO É A DE ENCERRAR MATERNIDADES! AS CAUSAS NÃO INTERESSAM.


Ontem escutei o primeiro-ministro Passos Coelho sobre a tão badalada "reforma do Estado". Deu um exemplo, o das maternidades: "(...) Andamos quase há dois anos e não conseguimos encerrar porque há sempre expedientes administrativos e jurisdicionais que o impedem. Depois aparece a desinformação à mistura" (...) o "processo administrativo está tão complicado" que não se consegue concretizar esse encerramento. "Há aqui qualquer coisa que precisa de ser alterado". Ora bem, foi logo dar o exemplo que, do meu ponto de vista, não deveria ter dado. E isto porque, naturalmente, o primeiro-ministro sabe que temos um grave défice entre nascimentos e óbitos. Em referência a 2013, nasceram 82.787 e verificaram-se 106.543 óbitos. Daí que a preocupação não seja a de encerrar mas a de desenvolver políticas que aumentem o "índice sintético de fecundidade" que, em 2013, foi de 1.21. 

As perguntas, óbvias, que o primeiro-ministro deveria fazer são tão simples quanto estas: que razões estão na origem das portuguesas terem um "índice sintético de fecundidade" tão baixo, afinal, por que somos cada vez menos? Quais as razões desta crise demográfica, de claríssima regressão populacional? Quais as consequências a médio prazo? O primeiro-ministro não se questiona e prefere encerrar as maternidades. É mais fácil.
Não tem muito tempo li uma entrevista ao geógrafo Jorge Malheiros que explicou o fenómeno do saldo demográfico português ser cada vez mais negativo. A jornalista Catarina Pires (Notícias Magazine) colocou uma série de questões, exactamente aquelas que o primeiro-ministro, intencionalmente, passa ao lado:
O convite à emigração, feito pelo primeiro–ministro no início do seu mandato, parece ter sido aceite...
Sim, e isso leva-nos a pensar que país que remos. Se Portugal continuar a perder a po pulação mais jovem e a envelhecer de for ma substancial, daqui a trinta ou quarenta anos estará, provavelmente, nos sete/oito milhões de habitantes. Ora, a regressão de mográfica significa normalmente declínio e perda de dinâmica económica. Em países com níveis de desenvolvimento médio ou elevado, à componente económica está as sociada, em regra, estabilidade demográfi ca e não regressão, muito menos forte. Es tamos a falar de um país com dez milhões e meio que em trinta ou quarenta anos pode rá ter, se nada for feito, menos dois ou três milhões de pessoas. Imagine um país com um conjunto de população idosa nacional e estrangeira – porque pode dar-se o caso de a seguir aos golden visa para quem inves te em imobiliário caro, termos o golden visa II para idosos que venham passar a sua refor ma a Portugal – assistida pelos poucos mais jovens que restam. Seria um país franca mente triste. E estranho.
Diz que nenhum país consegue ter cresci mento económico com regressão demográ fica. É uma pescadinha de rabo na boca? 
Repare, o envelhecimento em si não é mau, a velocidade a que está a acontecer é que é problemática. O desequilíbrio entre jovens e idosos, e sobretudo entre ativos e não ativos idosos, é que pode pôr em causa muitos aspetos da sustentabilidade social. Uma sociedade precisa da experiência dos mais velhos, mas também de população jo vem para arriscar e inovar. A questão cen tral é a do equilíbrio entre gerações, fun damental para a sustentabilidade social. Se acreditamos num modelo de Estado so cial, temos de ter uma população ativa que seja suficiente para cobrir as despesas rela cionadas com os não ativos. Um desequi líbrio neste domínio terá custos elevados. E não se trata apenas da sustentabilidade da Segurança Social, está em causa o próprio funcionamento do Estado e da economia, pa ra os quais a população ativa contribui atra vés dos seus impostos, diretos e indiretos, dos seus rendimentos e da sua produtivida de. E, além disso, creio que há outro aspe to importante, que é de ordem mais sim bólica, e que tem que ver com o nosso «es tado de alma» enquanto nação e povo, que transpõe para a geração seguinte a ideia de futuro, de progresso, de mudança, o que é bem mais difícil de fazer com uma população muito envelhecida.
A crise demográfica em Portugal tem para lelo na Europa?
Tão extrema não. Mas a Europa atra vessa, toda ela, com exceções como a França e a Irlanda, uma situação demo gráfica muito complicada, sobretudo nos países do Sul e do Leste, que têm natali dade e fecundidade mais baixas e per dem população por via dos saldos migra tórios negativos. Mas em Portugal o pro blema é mais grave ainda, e daí falar-se em crise demográfica. Temos as taxas de fecundidade mais baixas do mundo, so mos um dos dez países mais envelheci dos do mundo e fizemos uma transição muito rápida em direção a este envelhe cimento. Não obstante a necessidade de a Europa criar políticas comuns em ma téria de demografia, Portugal tem de ter uma política própria.
Como se inverte, então, esta tendência?
Acredito que é possível, em cerca de dez anos, retomar uma natalidade próxima dos cem mil nados-vivos anuais. Para isso, é necessária uma política amiga das pes soas. O discurso de que «as pes soas não es tão melhor, mas o país está» tem de acabar. O país são as pessoas, os cidadãos. Dito is to, apesar de se verificar uma componen te estrutural de diminuição da natalidade, há níveis mínimos que estão em sintonia com o desejo que muitos casais jovens têm de ter, pelo menos, dois filhos. Tendo em conta esse desejo e o volume de população portuguesa que ainda não o realizou e tem idade para o fazer, creio que seria possível voltar aos cem mil nascimentos, o que já permitiria um equilíbrio entre nascimentos e óbitos, aproximando-nos da reposição das gerações. Não é preciso crescer, nem crescer muito, estes valores já atenuariam o processo de envelhecimento.
E em que consistiria essa política amiga das pessoas?
Para inverter a tendência de crise de mográfica, tem de haver no domínio económico uma clara política de cria ção de emprego e de melhoria do quadro das relações laborais. É preciso estabili dade para se ter filhos. Não se pode pe dir às pessoas que os tenham num qua dro de precariedade e vulnerabilidade, porque os filhos são para muito tempo, não são para seis meses, como os contra tos de trabalho precários. Depois, com plementarmente, podem criar-se incen tivos diretos à natalidade: subsídios, me lhoria dos sistemas de apoio às crianças, como a rede de creches, aumento das li cenças parentais, reformas mais cedo para quem tem filhos… há uma série de medidas de compensação que podem ser criadas. É essencial ainda equilibrar o fe nómeno migratório de forma a que, por exemplo, os portugueses que emigram não sintam a necessidade de ter os filhos fora do país. Nasce um número significa tivo de crianças de pais portugueses no estrangeiro. Se os juntássemos cá, tínha mos um saldo natural positivo".

NASCIMENTOS
213.895 (1960); 180.690 (1970); 152.071 (1981); 116.299 (1991); 112.774 (2001); 96.856 (2011); 82.787 (2013)
ÓBITOS
95.007 (1960); 93.093 (1970); 95.728 (1981); 103.882 (1991); 105.092 (2001); 102.848 (2011); 106.543 (2013)
ÍNDICE DE FECUNDIDADE
3,20 (1960); 3,00 (1970); 2,13 (1981); 1,56 (1991); 1,45 (2001) 1,35 (2011); 1,21 (2013)
Ilustração: Notícias Magazine
Indicadores: Pordata

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