No tempo de Passos Coelho e da troika, todos os dias ao ligar o televisor, para seguir as notícias, vinha-me sempre à cabeça: o que será que hoje vão anunciar como medida de austeridade! Foram largos meses assim, a conjugar o verbo rapar na primeira pessoa. Esmifraram a carteira dos portugueses. Hoje o problema é outro, assisto a um serviço de notícias para conhecer o último caso de corrupção, tráfico de influências, fraude, participação em negócio, etc. etc.. A ocorrência de factos preocupantes, sobretudo porque envolvem figuras com responsabilidades públicas, é tão evidente que deixa um rasto de preocupação em qualquer pessoa. Parece, até, que a corrupção vicia e dá prazer!
Li, esta manhã, no "Público", a última: "a investigação, centrada nas autarquias de Santo Tirso, Barcelos e Instituto Português de Oncologia do Porto, apurou a existência de um esquema generalizado, mediante a actuação concertada de autarcas e organismos públicos, de viciação fraudulenta de procedimentos concursais e de ajuste directo com o objectivo de favorecer, primacialmente, grupos de empresas, contratação de recursos humanos e utilização de meios públicos com vista à satisfação de interesses de natureza particular".
O mais curioso destas situações é que, mesmo que tão badaladas sejam os sucessivos actos de corrupção, suspeitos ou mesmo confirmados, mesmo que punidos à luz da Lei, os prevaricadores continuem a persistir, esquecendo-se que é sempre uma questão de tempo até uma das pontas ser apanhada. Julgo que partem do princípio que o crime compensa, até porque nem todas as situações são averiguadas e levadas à Justiça. Os casos são tantos e variados que dão, certamente, com algum humor digo, para coleccionar figuras através de uma caderneta de cromos. Tal como as utilizadas no futebol!
Ora, a prática delituosa que assenta sempre em uma vontade clara de quem a pratica, conjugada, obviamente, com a oportunidade, gera, no cidadão cumpridor, um sentimento de revolta. E isto remete-me para uma pergunta tão simples quão profunda: quais as razões mais substantivas que conduzem a que alguns prefiram o caminho da conquista do dinheiro fácil, a um percurso de vida com dignidade? É evidente que este é um tema exaustivamente tratado e motivo, até, de trabalhos de natureza académica. Não é, portanto, aqui, o espaço para o fazer ou tecer considerações profundas. Fico, naturalmente, por aquilo que é mais evidente em jeito de espanto e desabafo.
E assim sendo, assalta-me uma outra questão: que cultura de seriedade e de honestidade foi interiorizada ou estamos a transmitir e que educação para os valores da cidadania estão a ser estimulados (acção preventiva), para travar a crescente onda de actos de péssima imagem e que atentam contra os interesses do colectivo? Há, com toda a certeza, um longo caminho a percorrer, desde logo pelo Estado, que deveria atacar os factores permissivos da fraude (são muitos), através da robustez do próprio Estado, ao invés do enfraquecimento das instituições.
Não é um assunto que se resolva com um estalido de dedos, mas através de uma acção douradora e interligada ao longo de muitos anos.
Li um texto de Flávia Milhorance (Copenhague/BBC Brasil -2016): "(...) A Dinamarca colhe hoje os frutos de mais de 350 anos de empenho contra a corrupção no setor público e privado e, mais uma vez, figura no topo do ranking de 168 países da ONG Transparência Internacional, o principal indicador global de corrupção (...) Na raiz do bom desempenho dinamarquês estão iniciativas de meados do século XVII (...) numa época em que a nobreza gozava de vários privilégios, o rei Frederik III proibiu que se recebessem ou oferecessem propinas e presentes, sob pena até de morte. E instituiu regras para contratar servidores públicos com base em mérito, não no título. A partir de então, novas medidas foram sendo instituídas período a período (...) Menos regalias para políticos ("Regras claras sobre conflitos de interesse, códigos de ética e declaração patrimonial são muito importantes"); pouco espaço para indicar cargos; transparência ampla; polícia confiável e preparada; baixa impunidade (...)". Mais adiante a autora do artigo salienta: "As leis não são tão duras, o que é duro é o mecanismo de punição. A tolerância à ilegalidade na Dinamarca é baixíssima não só com relação às instituições, mas até com indivíduos do convívio que infringem normas das mais simples". Ora aí está...
É claro que leva muitos anos para atingir este patamar em que a sociedade repudia os que infringem as nomas. Mas só por aí se chega à confiança social. Porque "a confiança social traz regras informais ao jogo. São regras não escritas, entre pessoas. A confiança é a palavra-chave da autorregulação". Nós, portugueses, infelizmente, grosso modo, ainda estamos no patamar que anuncia "que o mundo é dos espertos"! Falta, na escola, menos conhecimento enciclopédico e um maior investimento para uma vida assente em princípios e valores.
Ilustração: Google Imagens
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