Decorria o ano de 2011. Era eu líder do grupo parlamentar. Para as Legislativas Regionais, o candidato pelo PS-M, Dr. Maximiano Martins, Economista, convidou-me e ao Dr. Carlos João Pereira, também Economista, para integrarmos a lista de candidatos à Assembleia Legislativa da Madeira. Pediu-nos que integrássemos o 4º e 5º lugares dessa lista. Aceitámos. Entretanto, surgiu uma figura que se impôs: ou vou em 4º ou haverá problemas. Face à situação e no sentido da estabilidade, dissemos ao Dr. Maximiano Martins que, se precisasse de nós, poderia colocar os nossos nomes nos lugares que não originassem qualquer embaraço ou problema interno. Lembro-me de lhe ter dito que, pessoalmente, poderia ser o primeiro suplente da lista. Assim, o Carlos surgiu em 7º e eu em 8º. Depois, colocou-se o problema do PS apresentar uma proposta de figuras de um possível governo regional. Uma tentativa de demonstrar que havia na sociedade quem fizesse melhor. Uma vez mais, o Dr. Maximiano Martins, propôs-me que aceitasse aparecer aos olhos da opinião pública como a figura indicada para a administração da Educação. Disse-lhe que melhor seria encontrar uma personalidade independente, do meio universitário e de reconhecida qualidade. Pedi-lhe carta branca!
E assim marquei um encontro com a Doutora Liliana Rodrigues, Professora da Universidade da Madeira. Uma figura que conheço desde os seus 10 anos de idade. Foi minha aluna na antiga escola dos Ilhéus. Conversámos demoradamente e, em nome do Dr. Maximiano, dirigi-lhe o convite. Ficou de pensar. Dias depois disse-me que aceitava o projecto político.
Saliento: a Doutora Liliana não foi candidata a Deputada, apenas, no caso de vitória, seria a figura indicada para administrar o sector educativo. Um facto que, logo à partida, demonstra a sua total independência e ausência de qualquer interesse em colocar de lado a brilhante carreira académica pela opção de uma "carreira" política. Por esta via, a do serviço à comunidade, mais tarde, veio a integrar um tal "Laboratório de Ideias" e, depois, em 2014, a sua escolha para o Parlamento Europeu.
O tempo que esteve em Bruxelas, integrando a lista nacional do PS, foi amplamente reconhecido. Basta ler as newsletter que publicou, para nos apercebermos do seu valor e da sua determinação. Na sua última carta, de despedida e a agradecimento, escreveu:
"(...) Chegou ao fim o meu mandato no Parlamento Europeu. Foram cinco anos de trabalho intenso e de muitos combates políticos. Tive a oportunidade e a honra de conhecer e de trabalhar com pessoas que admiro, dentro do meu grupo político e fora dele. Não há democracia sem respeito, diálogo e negociação. Sempre foi esse o meu entendimento da política. (...) Sabia que não conseguiria mudar o mundo, mas fiz tudo o que esteve ao meu alcance para o tornar mais justo e mais livre. Defendi a minha região e o meu país sem deixar de os perspectivar no seu contexto europeu. A Europa é a nossa casa. (...)"
Do meu ponto de vista é ininteligível o seu afastamento. Não está em causa quem a substituiu, mas quem não permitiu que continuasse. Foi uma traição com todas as letras. Uma traição à pessoa, ao partido socialista e aos madeirenses em geral. Cinco anos, em um Parlamento de setecentos e muitos deputados, é muito pouco, para conhecer, integrar-se, estabelecer relações pessoais privilegiadas, conhecer os complexos dossiês europeus, o reconhecimento entre os pares, fazer lóbi, capacidade para propor e levar a que os outros percebam as causas que subjazem ao seu desempenho. Substituíram uma mulher por outra mulher. Substituíram a experiência pela aventura! Lamento.
Esta era a situação há quase dois anos. |
Mas há um outro aspecto que ressalta. E isso faz-me regressar ao princípio deste texto, apenas para enaltecer que, curiosamente, as figuras de 2011, uma a uma têm vindo a ser afastadas: o meu caso não conta, mas fui demitido (nunca foi essa a minha intenção, pois é conhecido o contexto em defesa da imagem do partido perante factos gravosos);
ao Dr. Carlos Pereira, ex-líder do PS-M, tudo fizeram para que deixasse a liderança, quando, sob a sua presidência, tinha trazido o PS de cerca de 11% (2015, já com a presença do actual candidato "independente" à presidência do governo) para uma posição de recuperação do eleitorado, duplicando os resultados para a Assembleia da República; depois, conseguiu cerca de 30% nas autárquicas (2017) e um estudo de opinião concedeu-lhe 35,8% de intenções de voto para as próximas Legislativas Regionais (empate técnico com o PSD). Carlos Pereira que fez um mandato de excelência na Assembleia da República, que publicou um notável livro sobre a Madeira (A Herança), que é um dos melhores tribunos de sempre, hoje, tem, pressuponho, a "guia-de-marcha" para uma saída dos lugares de topo da representação partidária regional e nacional. Oxalá esteja enganado;
o Dr. Maximiano, outro Economista, com um passado de enorme prestígio e experiência em lugares gestionários de topo nacional, acabou por se retirar em 2015. Agora, foi a Professora Doutora Liliana Rodrigues. Mas existem muitos outros (são tantos os militantes de enorme valor, da base ao topo) que, de forma discreta, saíram ou vão desistindo da participação política. Isto é, os melhores, entre os quais não me incluo, obviamente, refiro-me às referências de qualidade técnica e política em vários sectores e áreas da governação, subtilmente, estão a ser mandados para fora do tabuleiro político-partidário. E há gentinha que continua na sombra, que está quando interessa e não está quando a maré é difícil, que só actua nos bastidores, que nunca se compromete, sempre à espreita de uma oportunidade, mas nunca assume uma posição contra este estado de coisas que repugna, sobretudo pelo oportunismo e pelos interesses pessoais em detrimento do colectivo e da Madeira. Obviamente que os eleitores não são cegos. Percebem e muito bem. Daí, uma parte, mesmo que ínfima, que ajuda a compreender os últimos resultados.
Ilustração: Google Imagens.
NOTA
Não escrevo movido por qualquer interesse ou intenção. A minha história não se compagina com ressabiamentos. Trata-se de um sentido desabafo. Em 2011 saí por iniciativa própria, porque considerei que o meu tempo político tinha chegado ao fim. Abri espaço a outros melhores que eu. Prescindi, até, de fazer o mandato de 2011/2015, por substituição (não fui eleito), face ao falecimento da Drª Isabel Sena Lino. Hoje, com setenta anos de idade e independente, eu que nunca fui candidato ao Parlamento Europeu ou à Assembleia da República e que nunca reivindiquei lugares, sinto-me, agora, mais livre que nunca para analisar factos. Que fique claro que a minha posição é a de um mero CIDADÃO observador e eleitor, embora com convicções políticas que não abdico.
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