Raramente escrevo sobre matérias que envolvem clubes, entre outras situações, com Sociedades Anónimas Desportivas. Simplesmente porque, desde há muito, defendo uma estratégia muito distinta daquela que a Região seguiu para o desporto. Entrar nesse debate é aspecto que não me agrada, pelas paixões que, invariavelmente, se desenvolvem. Mas hoje vou fazê-lo, excepcionalmente, porque a realidade demonstra que a hora da verdade, parece-me, estar a chegar. Implacável.
O C. F.União, com 105 anos de uma história muito rica entrou em insolvência com 10 milhões de dívidas (Fonte: dnotícias, edição de hoje). O C. D. Nacional, outro com um passado brilhante, corre o risco de descer, uma vez mais, ao inferno da segunda Liga do futebol profissional, com todas as naturais consequências no financiamento. Na ilha vizinha, o Porto-santense, infelizmente, anda com o credo na boca. Enfim, estes os casos mais conhecidos, mas outros existem, permitam-me a expressão, "pendurados em dívidas", por um fio, vivendo ao mês, à semana e quantas vezes ao dia, fruto do empenhamento dos seus dirigentes. Isto deveria ser motivo de uma profunda reflexão, porque uma coisa é o saudável direito à ambição, outra é como sustentar essa ambição, em uma Região pequena, assimétrica e muito dependente.
É evidente que este é um tema com muitas variáveis em uma análise séria e que não podem ser descuradas: desde a cultura de uma prática física assumida pela população como bem cultural, até à Educação Desportiva Escolar (curricular), passando pelo Desporto Escolar até ao Desporto Federado. Ora, conhecido o caminho que foi seguido, tal permite-me dizer que se outro fosse o percurso, talvez não existissem tantas angústias e estados de insolvência, tanto dinheiro desperdiçado e os resultados porventura melhores, desde a taxa de participação ao alto rendimento.
Entre muitos textos publicados, vou deixar aqui dois excertos que peço que os considerem à data que foram escritos, mas que dão conta de um quadro que, julgo eu, merecia uma adequada reflexão.
19.12.2012
"O Povo começa a perceber as palavras de Chico Buarque: “Aqui na terra tão jogando futebol; Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll; Uns dias chove, noutros dias bate sol; Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (…)”. Pois é, tudo por uma questão de ausência de planeamento, de bom senso e respeito pela coisa pública. Alguns exemplos: na Região Autónoma da Madeira existem 37 campos de futebol, um por cada sete mil habitantes. O Funchal dispõe de dois estádios, financiados em mais de 80 milhões de euros. Foram investidos 60 milhões de euros nas dezassete piscinas construídas nos últimos dez anos. A opção política determinou projetos estandardizados, mas “de luxo, com sofisticados sistemas de ventilação, aquecimento a gás e tratamento de água inovador, em alguns casos” (DN-Madeira de 09.06.11); outra peça jornalística sublinha que, em apenas 6.018 dias, um clube geriu 65 milhões de Euros de financiamento público e, em 2009, cada atleta desse clube custou à Região mais do dobro do que o governo investiu por aluno nas escolas. Só mais uns dados do imenso rosário faraónico: há dias, o Instituto do Desporto da Região (IDRAM), cessou as suas funções com 52 milhões de euros de encargos assumidos e não pagos e, nos últimos dez anos, movimentou mais de 310 milhões de euros. As Sociedades Anónimas Desportivas (SAD’s) estão falidas, as piscinas não funcionam por atrasos na liquidação das faturas de gás e gasóleo, a esmagadora maioria dos clubes (176) e associações (25), dependentes do financiamento público, estão em colapso, face aos atrasos, que chegam a quatro anos, das transferências acordadas para as 63 modalidades desportivas. Isto é, o “monstro” criado engoliu o criador. (...)"
https://comqueentao.blogspot.com/2012/12/com-que-entao-existem-clubes-e.html
ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES NO CAPITAL DAS SAD'S. UM PROBLEMA QUE PODERIA TER SIDO RESOLVIDO EM 2007
29.01.2012
Agora "choram baba e ranho", andam todos aflitos, alguns com responsabilidades na hierarquia política a saltarem do navio e dirigentes do desporto, que foram empurrados para a megalomania, que hoje começam a ver os seus nomes manchados, inclusive, no Banco de Portugal. Gente que esteve de boa fé e que, agora, sentem que ninguém os protege. Uma vergonha! Mas nada do que está a acontecer não foi por falta de aviso. Desde os primórdios dos anos 80 que o financiamento ao desporto, em geral, e, mais tarde, a criação das Sociedade Anónimas Desportivas, foi motivo de algumas reflexões e aconselhamento sobre os erros que estavam a ser cometidos. Na Assembleia Legislativa, entre 1996 e 2000 este assunto foi exaustivamente tratado sem qualquer sucesso. A maioria PSD encarregou-se de chumbar todas as propostas. Mais tarde, entre 2007 e 2011, o mesmo aconteceu. Portanto, a decisão agora tomada de alienação das participações no capital social das SAD's, só peca por tardia. Em 2007, o grupo parlamentar do PS propôs dois anos de adaptação a um novo regime que entraria em vigor em 2009/2010. O projecto em causa foi chumbado. Em 2010 o grupo parlamentar voltou a equacionar o problema, projetando a alienação de tais participações até 31 de Dezembro de 2012. Foi preciso o Ministério das Finanças impor. Ora, dizia-me um velho Professor que, infelizmente, já faleceu: "quem é burro pede a Deus que o leve e o diabo que o carregue". É que já não paciência para aturar tanta arrogância de um partido e de um homem! (...)"
Ficam aqui os artigos dos diplomas apresentados e chumbados.
Projecto apresentado em 2007:
Artigo 52.o
Objecto
1. O financiamento público ao desporto compreende a comparticipação nos custos associados às seguintes vertentes:
a) Construção, manutenção e apetrechamento de infra-estruturas desportivas públicas ou privadas, estas se consideradas de interesse público;
b) Formação de agentes desportivos;
c) Programas de desenvolvimento do desporto escolar, do desporto para todos e do desporto para cidadãos portadores de deficiência;
d) Fomento, recuperação e preservação dos jogos tradicionais;
e) Planos de desenvolvimento no âmbito do alto rendimento desportivo exclusivamente no quadro dos atletas madeirenses;
f) Deslocação de pessoas e bens a provas nacionais e internacionais;
g) Comparticipação nos encargos resultantes da organização de competições desportivas consideradas de interesse público;
2. O financiamento a que se refere a alínea f) do número anterior fica limitada às categorias iguais ou equivalentes a juniores e seniores, as designadas por selecções da Madeira e praticantes que se enquadrem na alínea e) do número anterior e no artigo 21º deste diploma.
3. Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional ou com praticantes que exerçam a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitas ao regime jurídico contratual, não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte da Região e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção de infra-estruturas ou equipamentos desportivos e respectiva manutenção, reconhecidas pelo membro do governo responsável pela área do desporto.
3. No âmbito da aplicação do número anterior, considerando-se a necessidade de um período de adaptação ao novo regime, estipula-se a época desportiva de 2009-2010 para a entrada em vigor do número anterior.
a) No cumprimento do número anterior, o governo regional alienará as suas participações nas Sociedades Anónimas Desportivas.
Projecto apresentado em 2010:
Artigo 47.o
Sociedades desportivas
1. São sociedades desportivas as pessoas colectivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação em competições desportivas, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada no âmbito de uma modalidade, nos termos da lei.
2. O governo regional alienará as participações sociais que a Região Autónoma da Madeira detém nas Sociedades Anónimas Desportivas até 31 de Dezembro de 2012.
CAPÍTULO VII
Financiamento do desporto
Artigo 57.o
Objectivos
O financiamento público ao desporto visa, prioritariamente, contribuir para a generalização da prática desportiva, a elevação do bem-estar e da saúde das populações, a ocupação salutar dos seus tempos livres, o acesso ao espectáculo desportivo, o combate às desigualdades, dificuldades e constrangimentos resultantes da insularidade, a coesão social e a integração nacional e internacional através dos praticantes madeirenses individuais ou integrados em equipas de alto rendimento desportivo.
Artigo 58.o
Objecto
1. O financiamento público ao desporto compreende a comparticipação nos custos associados às seguintes vertentes:
a) Programas de desenvolvimento do desporto escolar, universitário, federado, do desporto para todos e do desporto para cidadãos portadores de deficiência;
b) Construção, manutenção e apetrechamento de infra-estruturas desportivas públicas ou privadas, estas se consideradas, excepcionalmente, de interesse público;
c) Planos de desenvolvimento no âmbito do alto rendimento desportivo exclusivamente no quadro dos atletas naturais da Região Autónoma da Madeira ou com residência permanente e provada, no mínimo, de quatro anos anos;
d) Deslocação de pessoas e bens a provas nacionais e internacionais;
e) Formação de agentes desportivos;
f) Comparticipação nos encargos resultantes da organização de competições desportivas consideradas de interesse público;
g) Fomento, recuperação e preservação dos jogos tradicionais;
2. O financiamento a que se refere a alínea d) do número anterior fica limitado às categorias iguais ou equivalentes a juniores e seniores, as designadas por selecções da Madeira e praticantes que se enquadrem no número três e seguintes do artigo 24º deste diploma.
3. Compete ao membro do governo regional que tutela o desporto, regulamentar os apoios que visem a celebração de contratos-programa visando a participação desportiva nacional e internacional.
4. Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional ou com praticantes que exerçam a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitas ao regime jurídico contratual, não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte da Administração Regional Autónoma e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção de infra-estruturas ou equipamentos desportivos, considerados de interesse público, reconhecidas pelo membro do governo que tutela a área do desporto.
5. No âmbito da aplicação do número anterior, considerando a necessidade de um período de adaptação ao novo regime, estipula-se a data de 1 de Janeiro de 2013 para a entrada em vigor desta disposição.
Ilustração: Google Imagens
https://comqueentao.blogspot.com/2012/01/alienacao-das-participacoes-no-capital.html
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