O meu sogro, já falecido, foi uma figura muito respeitada no CDS. Chegou a ser deputado, para além de membro da comissão política. O Professor Jardim era uma personalidade fantástica, pelos seus princípios e valores, pelas amizades que sabia cultivar, pelo trato amável e sincero. Era uma pessoa encantadora com quem muito aprendi. Nos nossos debates muito amigos lá em casa, eu ia escrever discussões políticas, mas não, eram debates sérios e muitas vezes profundos, entre pontos e contrapontos, um dia, a conversa derivou para a relação entre a Democracia Cristã e o Socialismo Democrático.
Em síntese, dizia-me, que, apesar dos ramos católico, protestante e outros, inclusive o estado laico, grosso modo, a democracia cristã, pelo menos em Portugal, seguia de certa forma a pureza da "Doutrina Social da Igreja Católica", mormente os princípios e valores cristãos. E, portanto, sendo liberal, no quadro de uma economia humanista, diferenciava-se de outros liberais exactamente nos planos económico e social, isto é, queria ele certamente dizer, dos social-democratas, independentemente das designações que assumem. Diferenciava-se, ainda, na luta política pelos diversos poderes, porque, essencialmente, era o ser humano que estava em causa. Ah, obviamente, enaltecia que se opunha a todos os sistemas fortes, centralizados ou docemente autoritários. No essencial, eram democratas e cristãos.
É claro que este posicionamento conduziu a mais do que um debate e, volta e meia, lá estávamos, eu e o meu cunhado, a picá-lo para mais uma ronda, muitas vezes com um petisco pelo meio. Um dia, no meio de uma salutar gargalhada a propósito do que falávamos, disse-lhe que Cristo, pelas posições que assumiu, tinha sido um arreigado "socialista" e, pelo que se sabe, democrático! Não se vendeu, antes expulsou os vendilhões do templo. Não vou mais longe e fico por este enquadramento sumário resultante de saborosos diálogos, até porque não sou estudioso destas matérias e porque existe uma história de posicionamentos ideológicos muito complexos face aos formatos que existem um pouco por todo o mundo.
Ora, tudo isto a propósito dos últimos dias políticos, que me fizeram trazer em pensamento o Professor Fernando da Conceição Jardim. A pública luta por querer ser poder, ou melhor, de integrar uma coligação regional, prognostico eu, de onde sairá fragilizado, constitui uma fuga aos tais princípios que enformam a Democracia Cristã. Ou, então, a ambição política tornou-os mais social-democratas do que democratas-cristãos. Os princípios, mesmo que estejam inscritos em um qualquer papel, julgo eu, tornou-se letra morta. A ideia que começa a ser pública e notória, por um lado, é a de aproveitar a oportunidade, por outro, passar uma esponja sobre um passado terrível de ofensas grotescas que até invadiu a esfera familiar de várias figuras e, por outro ainda, negar uma parte da sua matriz ideológica. Agora, dizem-se próximos, mas a verdade é que, ao longo de quarenta anos, por múltiplas razões, pareceram-me nos antípodas da proximidade. Basta consultar o diário das sessões da Assembleia Legislativa.
Há, claramente, ausência de memória e de respeito pelo legado ideológico de tantas figuras de referência, algumas ocorrem-me ao ritmo que digito, entre muitos, os nomes de Konrad Adenauer, Robert Schuman, Diogo Freitas do Amaral, Adriano Moreira e Lucas Pires. Embora situando-me em um espaço distinto, não deixo de reconhecer a capacidade política, verticalidade e sentido de humanista.
Vou terminar este breve texto, escrito ao ritmo do pensamento, mas gostava que me ajudassem a compreender este desejo pelo "carro preto", como, há uns anos, tão bem classificou o Dr. António Fontes relativamente às benesses do poder. Para mim constitui uma dificuldade compreender certas opções. Talvez, por isso, deixo aqui um texto que encontrei a propósito de "um prato de lentilhas". Se a história é verdadeira ou falsa, não sei, mas perdura como mensagem popular.
Vou terminar este breve texto, escrito ao ritmo do pensamento, mas gostava que me ajudassem a compreender este desejo pelo "carro preto", como, há uns anos, tão bem classificou o Dr. António Fontes relativamente às benesses do poder. Para mim constitui uma dificuldade compreender certas opções. Talvez, por isso, deixo aqui um texto que encontrei a propósito de "um prato de lentilhas". Se a história é verdadeira ou falsa, não sei, mas perdura como mensagem popular.
"Conta a Bíblia que Esaú, filho de Isaac e Rebeca, chegando a casa depois de uma caçada, viu seu irmão gémeo, Jacó, preparando um ensopado de lentilhas. Morto de fome depois da lida na floresta, Esaú pediu a Jacó que lhe servisse um prato daquela deliciosa iguaria (para quem está com fome, tudo parece uma deliciosa iguaria…). Jacó, muito esperto, resolveu tirar proveito da situação, e exigiu em troca que Esaú lhe cedesse os direitos da primogenitura. É bom explicar que, embora gémeos, Esaú nasceu primeiro, e, portanto, era o primogénito. E ser primogénito, naqueles tempos bíblicos, era usufruir de uma série de vantagens, inclusive as bênçãos de Deus em pessoa. Claro que Esaú se arrependeu amargamente. Mas então já era tarde… Foi assim que a lentilha protagonizou uma lição para toda a eternidade: pense bem antes de trocar os seus direitos por um prato de lentilhas. Pode não valer a pena!"
Ilustração: Google Imagens.
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