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quinta-feira, 30 de abril de 2020

1º de Maio, mudança e respeito por quem trabalha


A turbulência social e o facto de agora, amiudadas vezes, falar-se de mudança de paradigma organizacional, não é uma questão que surge na sequência da pandemia que o mundo está a viver. A década de 80 consolidou aquilo que já nas décadas anteriores se adivinhava como uma probabilidade, eu diria mesmo, uma inevitabilidade. Quanto muito, a pandemia veio despertar, ou melhor, pode tornar-se em um acelerador no despertar de um oceano de consciências para a imprescindibilidade de rompimento com processos que a evolução científica e tecnológica determinou e, de forma rápida, está a estabelecer.


Yuval Harari, no livro "Homo Deus - História breve do amanhã" (2015), refere, nas páginas 363/364 (8ª edição): "Em Setembro de 2013, dois investigadores de Oxford, Carl Benedikt e Michael Osborne, publicaram The Future of Employment, em que analisaram a probabilidade de, nos próximos vinte anos, várias profissões virem a ser substituídas por algoritmos informáticos. O algoritmo criado por Frey e Osborne para fazer os cálculos estimou que 47% dos empregos nos Estados Unidos estejam em elevado risco de desaparecer. Por exemplo, há 99% de probabilidades de que em 2033, os operadores de telemarketing e os mediadores de seguros percam os empregos para os algoritmos. Há uma probabilidade de 98% que aconteça o mesmo aos árbitros dos vários desportos, 97% para os caixas de supermercados e 96% para os cozinheiros. Empregados de mesa 94%. Assessores jurídicos 94%. Guias turísticos 91%. Pasteleiros 89%. Motoristas de autocarro 89%. Trabalhadores da construção civil 88%. Auxiliares veterinários 86%. Seguranças 84%. Marinheiros 83%. Empregados de balcão 77%. Carpinteiros 72%. Nadadores-salvadores 67%. E por aí fora. (...) É também evidente que até 2033 poderão surgir muitas novas profissões. (...) No início deste capítulo identificámos várias ameaças concretas ao liberalismo. A primeira é a possibilidade de os humanos se tornarem inúteis numa perspectiva económica e militar. É claro que isto é uma possibilidade, não uma profecia. (...)"

Ora bem, o ano de 2033 constitui, apenas, uma referência temporal ditada por um algoritmo. Tudo pode vir a acontecer mais tarde, mas é óbvio que o século XXI será de ruptura dos formatos tradicionais que enformaram a organização social como a conhecemos. Aqueles investigadores que Yuval Harari traz à colação só estão a "explorar projectos, sonhos e pesadelos que darão forma ao século XXI - desde o vencer da morte à vida artificial".

Ora, a luta gloriosa de Chicago (1886) pela conquista de melhores condições de trabalho, onde se incluía a redução da jornada de trabalho para oito horas, luta onde morreram muitos trabalhadores no confronto com as forças policiais, tem de ser vista como uma referência que "só perde quem deixa de lutar". Só que o mundo do século XIX não é o mundo do século XXI. Aquela apenas foi uma etapa de um processo. Exige-se, assim, uma redobrada atenção ao que se passa neste momento, é certo, mas sem descurar o futuro que está aí ao virar da esquina. E isso implicará substanciais mudanças nas posturas sindicais, que implicarão, necessariamente, uma visão estratégica mais alargada de toda a organização social, refiro-me, de todos os sistemas, económico, financeiro, político, educativo, saúde, social, cultural e até o religioso.

Porém, ao que assisto, não é à emergência de uma preocupação que o futuro se faz agora, mas a um constante adiamento que, obviamente, nos distancia daquele mundo que não pode ser travado. Olho para o trabalho de Carl Benedikt e Michael Osborne sobre o futuro do emprego, distancio-me das percentagens ditadas pelo algoritmo, e uma coisa parece-me evidente: a escola, em 2020, continua a formar para empregos que não vão existir com a dimensão e a importância que hoje ainda assumem. 

Há um sucessivo adiamento do que é essencial e prioritário, preferindo os políticos mascarar o futuro com tentativas de resposta que, contextualizando, logo se percebe serem de todo inadequadas.
Trago em memória o "Admirável Mundo Novo", escrito em 1931, por Aldous Huxley, o romance que prognostica sérios desenvolvimentos, entre outros, na tecnologia, que revolucionaria, profundamente, a sociedade. Um outro, mais recente, A. Tofller, em uma curiosa entrevista publicada na revista Executiv Digest, quando a páginas tantas se referiu aos estabelecimentos de aprendizagem:

“(...) o Sistema Educativo assemelha-se a uma fábrica que produz informações obsoletas de forma obsoleta; não por não ter os manuais académicos actualizados, mas porque, simplesmente, não estão relacionados com o futuro dos estudantes. Se o modelo de produção que lhes é ensinado é a produção em linha, eles ficarão preparados para trabalhar em processos de rotina, repetitivos, que ignoram o indivíduo. Já foi moda, mas nos últimos 100 a 150 anos”. E diz mais: quando iniciou a sua actividade profissional o seu chefe “não queria o seu cérebro mas sim os seus músculos”. Compaginado com este posicionamento, Tom Peters, um guru da gestão, sublinhou: “bem vindos ao mundo do soft e da massa cinzenta”. 

Não existe caminho alternativo às mudanças que estão a acontecer e à imperiosa necessidade de assumir dois aspectos cruciais: por um lado, a assumpção de uma atitude prospectiva, de antecipação do futuro, planeando e programando em função de um futuro desejável na interligação de todos os sistemas; por outro, o respeito pelos direitos de quem trabalha. 
A lucidez Yuval Harari, no livro "Homo Deus - História breve do amanhã", deve funcionar como uma campainha de alarme. Aliás, com outros enquadramentos, ele segue, por exemplo, entre outros, as construções teóricas que li em Charles Handy, Gary Hamel, Peter Senge, Peter Drucker, Michael Porter e Tom Peters, no quadro da excelência na construção do futuro. E quando escrevo, neste 1º de Maio, sobre a necessidade de um novo sindicalismo que antecipe o futuro e que por ele lute, é também porque, por paradoxal que possa parecer, não alinho em frases emblemáticas que cito de cor: "nada mais certo no futuro que o emprego incerto", ou "a empresa do futuro chamar-se-á Eu, SA", ou então, "só os paranóicos sobreviverão" ou então, ainda, "no futuro só existirão dois tipos de gestor: os rápidos e os mortos". Frases interessantes, que parecendo motivadoras e de espaço no despertar de um novo mundo global, acabam também por serem perversas quando se aprofunda sobre o que significam e o que elas escondem por detrás da sua apriorística leitura.  
Viva o 1º de Maio com mudança, mas com liberdade, equidade, dignidade e respeito por quem trabalha na "sociedade líquida" de Z. Bauman. Se é bom para as empresas, naturalmente que também terá de ser para quem trabalha.
Ilustração: Google Imagens.

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