Adsense

sábado, 4 de abril de 2020

Novos tempos: O General Ramalho Eanes e o amor puro


Um texto do Padre José Luís Rodrigues, publicado na sua página facebook e que, pela importância da sua reflexão, aqui transcrevo. Obrigado.

1. Ouvi com toda atenção a entrevista do General Ramalho Eanes na RTP1 a Fátima Campos Ferreira. Não vou comentar a estatura moral, a referência extraordinária de um dos melhores portugueses que conheço, muito menos vou atrever-me comentar tanta coisa que ele nos falou sobre o mundo, a humanidade, a Europa e o nosso país e do muito que deverá ser feito na ocasião que nós todos embevecidos almejamos, o fim da tormenta do tsunami coronavírus. Foi bem claro o apelo veemente à conversão da humanidade e o que reacende em nós a esperança de que esta não seja uma oportunidade perdida.

2. Muito bonito e comovente o seu desprendimento à vida. Reparem na dureza das palavras, caso esteja em falta algum ventilador, nós os velhos de mais de 80 anos (o General tem 85 anos) devemos dispensá-lo para alguém mais jovem que tenha filhos para criar. É duro e não tenho dúvidas que o General Ramos Eanes tomaria essa decisão. A sua história confirma esta estatura e coragem moral.

3. Porém, devemos salientar que melhor seria existirem ventiladores para o idoso e para o jovem. E eu gostava muito de ter ouvido esta denúncia do nosso prestigiado General da actualidade. Não é aceitável esta crua eutanásia, se nos lembrarmos da leviandade nos cortes públicos nos sistemas de saúde nestes vários anos que nos precederam. A tragédia maior que o Covid 19 revelou é que, mesmo entre os mais ricos, ninguém está minimamente preparado para acolher vítimas em momentos de tragédia. Serve para pensarmos e não sermos tão irresponsáveis na hora de eleger os nossos representantes políticos. O encolher de ombros e o desinteresse pela participação cívica provavelmente encontrará neste tempo de Covid 19 algum ânimo para se redimir e fazer mudar comportamentos.

4. Voltemos à entrevista. Pretendo destacar para comentar um pouco duas frases que me chamaram à atenção, dado que fazem parte da minha área de ação. Primeira, «A espiritualidade não está no local de culto, está em cada um de nós e na relação de nós com os outros». Segunda, «Cristo é amor puro, ou seja, estar com os outros em todo o lado e qualquer lado de uma maneira solidária».
5. A quarentena do Covid 19 está a ser um grande desafio para a Igreja Católica e para todos os cristãos. Obviamente, que terão que mudar imensas coisas, embora tenha dificuldade em prever quais… Esta que falou o General parece-me óbvia, só lamento ser apenas ele a dizer, a espiritualidade não está restrita ou confinada aos espaços do culto, mas em cada pessoa, quando edifica a sua vida em função da verdade e da justiça para o bem de todos.

6. O confinamento colocou a vida religiosa também em casa. Estamos a fazer jus à expressão tão cara noutros tempos «a família é a Igreja doméstica». É verdade que os cristãos precisam dos sacramentos de forma presencial, mas não esqueçamos, o nosso corpo já é o templo do Espírito Santo, nós somos o corpo de Cristo (São Paulo) Santo Agostinho dizia que cada cristão é outro Cristo. Por isso, aqui se procura dizer tudo em tão poucas palavras.

7. Toda a vida cristã tem uma Sacramentalidade que não depende dos sacramentos em si mesmos. Por isso, no templo espiritual e glória de Deus Vivo que é cada pessoa, pode ser possível a prática religiosa sem intermediários e sem que necessariamente exista um espaço predeterminado para o culto. Poderão dizer, então as igrejas edifícios não servem para nada? – Ninguém diz isso. Serve este espaço igreja edifício para ser o lugar do encontro das várias espiritualidades que cada pessoa transporta, encontro da fraternidade que nós designamos comunidade, lugar da sensibilização para a dimensão família que é a humanidade inteira e lugar da experiência da paz que cada um deve tomar como alimento para levar para a realidade concreta do seu dia adia. Não descurando a dimensão do sagrado e da (re)ligação ritual ao transcendente que a humanidade sempre procurar estabelecer desde a sua origem.
8. A outra frase é a de Cristo, que se revela ser bastante clara e tão reveladora do que é o Cristianismo. A religião cristã é a descoberta de uma pessoa Divina e Humana, Jesus Cristo, que nos mostrou o que é e como é o «amor puro», que pode estar ao alcance de todos nós, basta perceber sempre e não apenas nesta travessia do deserto chamada Covid 19, «estamos todos no mesmo barco, ninguém se salva sozinho» (Papa Francisco). Ser cristão é pensar nisto, é procurar viver isto. A espiritualidade cristã, vivida por cada um ou na comunidade reunião, se não desperta esta luz, perdeu o rumo e não está centrada no essencial, que é o Evangelho do Cristo de «amor puro». JLR

Sem comentários: