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20 Abril 2020
Onde encontrar o financiamento para reconstruir a
economia em bases diferentes e em quantos anos? Tudo isto sem contar com a
União Europeia, ou contando muito pouco.
1. Tenho escrito várias vezes que, em
todos os momentos significativos da vida, há um antes e um depois, que
marcam o processo.
Mário
Centeno tem a incumbência, como presidente do Eurogrupo, de evitar o seu
“desmoronamento” e de levar o barco a bom porto, perante uma via sinuosa, e o
perigo de encalhar e adornar é muito grande. Daí, a explosão, as palmas, de
como quem sente, felizmente, ainda não foi desta que o barco se desfez.
O antes
foi toda aquela maratona conturbada da negociação com nuvens muito negras a
pairar, com os comportamentos impróprios dos políticos holandeses, o que
faz parte do seu ADN, todo aquele processo em que a ruptura parecia/seria
fatal.
Como
resultado, uma saída, sem dúvida, um alívio e uma grande e completa
frustração de fundo dos europeus. No limite, evitou-se, por agora, a
fragmentação da zona euro. E depois? A grande incerteza.
O pacote
aprovado de cerca de 540 mil milhões de euros, aparentemente aparece-nos como
uma soma de peso. Não nos podemos esquecer, no entanto, que são muitas as
bocas. E comparando com os 750 mil milhões de euros que a Alemanha de motu
proprio avançou para apoiar a sua recuperação, a relativa pequenez destes
milhares de milhões de euros aprovados no Eurogrupo não escapa ao mínimo
confronto.
A Alemanha
sozinha dispõe de 210 mil milhões de euros a mais que toda a União
disponibilizou! Qualquer coisa aqui não está bem. Umas migalhas para “os
fracos” do Sul, com países da dimensão da França, Itália e Espanha! Surreal.
2. Os 540 mil milhões de euros estão
divididos por fatias: 100 mil milhões destinados a custear o lay-off
(programa Sure) e os horários reduzidos para que as pessoas se mantenham no
activo; 200 mil milhões através do BEI traduzem-se em linhas de crédito às
empresas, sobretudo de apoio às PME; e, finalmente, a de 240 mil milhões de
euros, a mais contestada e a mais gravosa, a tranche que empurra cada país
a resolver sozinho a sua situação.
E porquê
esta afirmação?
Estes 240
mil milhões de euros traduzem-se em linhas de crédito a obter junto do
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), mais conhecido pelo mecanismo da
austeridade dos tempos da troika, pela sua política de imposição de programas
de ajustamento.
Cada
Estado-membro que decida recorrer a este empréstimo pode fazê-lo até um
montante equivalente a 2% do seu PIB.
O que ficou
então acordado?
Uma taxa de
juro mais baixa e a não obrigatoriedade de tal empréstimo estar sujeito a um
programa de ajustamento. Foi esta questão de condicionalidade que ia partindo a
reunião, que sofreu um alívio contra a vontade da Holanda e inicialmente de
outros três países. Mas os 2% continuam. E este crédito apenas pode ser
utlizado em despesas directas e indirectas com a saúde, o que já está a
originar discrepâncias de entendimento sobre o conceito “despesas indirectas”
entre os países membros.
3. Uma vez mais não se entrou a fundo
no problema financeiro e de desenvolvimento da UE e, assim, daí decorrem
condições desiguais entre as economias mais devedoras e as mais desafogadas.
Vejamos:
O que ficou
decidido assenta directamente em dívida a suportar por cada país membro.
Os países
com dívida excessiva como Itália, Portugal, Espanha, Grécia vão ter de somar
mais dívida à dívida, um agravamento da sua situação presente, tanto mais que
se esperam grandes recessões económicas com contracções substanciais do PIB e,
subindo o rácio dívida/produto estrondosamente, as condições de mercado vão
complicar-se. O rating vai deteriorar-se.
Estes países
vão enfrentar grandes dificuldades na obtenção de financiamento a baixo custo,
de que tanto precisarão para o seu relançamento económico e para funcionamento
normal da economia, e os custos com a dívida vão onerar os orçamentos,
limitando-lhes pesadamente a actividade.
Portugal
pode contrair dívida um pouco acima de 4 mil milhões de euros, uma gota de água
do que vai precisar. Em comparação com o montante do tempo da troika,
financiamento aproximadamente no montante de 78 mil milhões, são mesmo muitos
mil milhões a menos.
Este acordo,
há quem refira, é apenas o princípio. Até admito que seja.
Mas se já
foi difícil para um montante tão diminuto que apenas se reduzissem certos
aspectos dos condicionalismos de acesso, o que não acontecerá para se avançar
com a vaga promessa da criação de um fundo destinado especificamente ao
relançamento da economia europeia a ser gerido pela Comissão Europeia?!
Daí que
esteja de pé a afirmação do primeiro-ministro António Costa na entrevista à
Lusa: “precisamos de saber se podemos continuar com 27 países na União
Europeia, com 19 na zona euro, ou se há quem queira sair” – e claramente
disse que se referia à Holanda.
Em minha
opinião, começa a ser tarde para se equacionar uma depuração no seio da União.
Não avança, pelo contrário, perde poder na arena internacional com estes dois
grupos antagónicos no seu seio. Um grupo que aponta sistematicamente para
soluções base na aplicação de medidas de austeridade é castrador de progresso.
Ofende princípios fundacionais da União, como a solidariedade.
A dimensão
dos impactos na economia
4. O quadro qualitativo dos efeitos na
economia da crise pandémica em curso está desenhado.
Quantificar
é deveras mais arriscado. Mas várias instituições, como o FMI, já avançam nesse
sentido apontando uma queda do PIB de 8% e uma taxa de desemprego de 14% em
Portugal, em 2020.
Mário
Centeno avançou que, por cada 30 dias úteis de paragem da economia portuguesa,
nas condições presentes do seu funcionamento, o impacto no PIB anual é de uma
quebra de 6,5%. No défice também o Ministério das Finanças já tem valores
estimados.
E qual será
no emprego?
Tudo isto
está condicionado – à grande incerteza – i.e., ao número de meses em que
vamos continuar ao ritmo actual.
E, depois,
poderemos pensar em sectores importantes como o turismo, os transportes aéreos,
certas zonas do comércio e serviços praticamente congelados e muitos outros, a
velocidade reduzida. E as exportações?
Sobre o
turismo, a grande questão é: em que situação ficará a economia dos mercados
emissores? Lembremo-nos de Espanha que sairá destroçada desta crise pandémica e
de outros e outros nossos mercados… Quantos anos demorarão estes países a
reerguer-se?
As nossas
exportações têm um problema semelhante. Como vai ser possível retomar o seu
fluxo ao padrão normal quando os mercados de destino se encontram em situação
de ruína? Quanto tempo levará a sua reconstrução?
E,
internamente, ao nível do País, que parte do tecido económico será destruída.
Ou seja, qual o número de empresas que jamais abrirá nos diversos sectores económicos?
E qual a sua importância?
Todas estas
dúvidas/certezas qualitativas apontam para a necessidade de um plano
estratégico de recuperação da economia e da sociedade. Mesmo com a informação
precária existente urge começar. Mas há aqui um outro problema da maior
importância. Onde encontrar o financiamento para reconstruir a economia
em bases diferentes e em quantos anos?
Tudo isto
sem contar com a União Europeia, ou contando muito pouco, pois em vez de uma
programação e estratégia de fundo está a perder-se a guerra com divergências
insanáveis entre os países. Se não houve entendimento sobre o custeio da
pandemia, que deveria ter assumido um carácter colectivo, como haverá para o
fundo de reconstrução/relançamento da economia europeia?!
O autor
escreve de acordo com a antiga ortografia.
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