Diariamente dou(amos) conta da solidariedade dos portugueses do Minho ao Corvo. Algumas peças jornalísticas, creiam, emocionam-me. Gente voluntária, jovens e menos jovens, que se entregam para minimizar os contratempos desta quase clausura forçada. Emociona-me a preocupação em preparar refeições para tantos milhares em confinamento obrigatório ou porque a idade e a saúde diminuíram a capacidade de resposta à vida. Apesar dos constrangimentos, há sempre quem esteja atento ao outro. Em outras circunstâncias, muitas vezes olho em redor e parece-me que cada um está para o seu lado, vivendo a sua vida envolvida em problemas mil, entrando e saindo dos edifícios de forma fria, como se fossemos apenas matéria. Mas ao menor sinal de convulsão, de instabilidade, esse povo que parece distante e individualista, emerge, abre-se e multiplica-se em gestos que explicam os verdadeiros sentimentos, os mais genuínos, que nos caracterizam enquanto povo quase milenar.
Dir-me-ão que há excepções. Muitas, infelizmente. Sobretudo os que se aproveitam das fragilidades. Os que olham para a desgraça e descobrem uma oportunidade de negócio. Obviamente que sim. Mas Mariza canta em "A Chuva":
"(...) Há gente que fica na história
Da história da gente
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir (...)
"(...) Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos (...)"
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir (...)
Interessa-me os que ficam na história, pois consola-me, dentro da turbulência, ver quem se levanta e parte ao encontro do outro em um quadro de responsabilidade recíproca. São de uma nobreza incalculável esses gestos. Mesmo em situações de razoável normalidade, quantos andam espalhados por instituições que promovem a ajuda ao semelhante fragilizado por carências várias, sem-abrigo ou com uma saúde debilitada? Centenas ou mesmo milhares. Somos, de facto, um povo fantástico. Sobretudo aquele povo que tem uma exacta medida do dinheiro, que sabe que não é por muito ter que se alcandora a um ser de reconhecido mérito, que sabe que a vida é efémera e que só tem um estômago!
Vejo tantos de medalha ao peito ou na fila para obtê-la e trago em memória Rui Veloso:
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos (...)"
E vejo tantos, anónimos, correndo a maratona da solidariedade, dando a camisa se preciso for e oferecendo gestos de um inesgotável amor em estado puro. Raramente o País se lembra deles, mas esses ficam "na história da gente". Excluindo os portugueses de eleição, os outros são, em uma grande parte, apenas os outros, as peças de uma máquina de gigantescos interesses. São tantos os que, um dia, cumpriram o refrão da "Valsinha das Medalhas": (...) Encosta o teu peito ao meu, sente a comoção e chora (...)", e mais tarde viemos a saber quem de facto eram: corruptos e trafulhas. Em contraponto, há tanta gente boa que parte e reparte!
Aproximam-se tempos muito complexos. Estou certo que vamos somar pobreza à pobreza existente. Se hoje, na Região, dizem os indicadores estatísticos, que ela atinge cerca de 81.000 pessoas, fácil será adivinhar que este número subirá na sequência do desemprego, dos compromissos assumidos e que deixarão de ser pagos, da habitação que será abandonada, das crianças que passarão dificuldades e dos menos jovens que vão voltar a sofrer as consequências, agora, desta maldita epidemia. Em crer estou que nos próximos quatro a cinco anos, não será possível a retoma de uma dita normalidade.
Tempos duros para quem mergulhou no pântano do desemprego, vive de pensões baixíssimas ou de salários muito àquem das necessidades mínimas. Tempos difíceis para muitos empresários que sentem o peso dos impostos e a responsabilidade de cumprir obrigações diversas, face às receitas que, naturalmente, não serão as melhores. Isto para dizer que os gestos de solidariedade são sempre bem-vindos, sobretudo porque a fome não pode esperar e a esperança morrer. Porém, não chega. Exige-se uma presença activa das instituições públicas, através de um princípio tão simples quanto este: o da prioridade estrutural. Em um quadro europeu que se desmorona e com as finanças do país e da região no vermelho, não faz qualquer sentido destinar milhões para obras que não são prioritárias, engrossar as estruturas de governo com mais colaboradores e assessores, enfim, não faz sentido cumprir "promessas" eleitorais em tempo de vacas magríssimas. Haja bom senso, equilíbrio na decisão política e respeito pelos mais frágeis da sociedade. Todos os cêntimos têm, hoje, um valor acrescido, para promover o emprego sustentável e a felicidade roubada por um invisível.
Ilustração: Google Imagens.
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