Por
Francisco Louçã,
in Expresso Diário,
10/04/2021
Alguns dos pilares essenciais da acusação desabaram, a não serem salvos pelo recurso, José Sócrates clama vitória e ainda assim poderá ser julgado por crime com pena de prisão, vamos para uma década desde o início da investigação e ainda nem sabemos se haverá julgamento, ou sobre quê. Este panorama é um desastre e não começou com o maremoto de ontem. Antes de todos, é o processo penal no combate à corrupção, que não chegou incólume a esta fase do processo, que sai ainda mais desacreditado daquela sala de tribunal, o que tem gigantescas consequências. Por isso mesmo, talvez o primeiro dever seja perguntarmo-nos como se chegou até aqui e o que correu mal.
Os prazos deste processo não são compatíveis com a defesa do bem público. E tudo contribui para os estender: a dificuldade de uma investigação sem meios, além de confrontada com longos atrasos da cooperação internacional; a vontade do Ministério Público (MP) de compilar indícios para a tese que formulara antes das evidências, seguindo portanto todas as pistas possíveis ou imaginárias e dispersando-se em todas as direções; a discricionaridade de decisões de anular os prazos processuais, o que os torna irrelevantes; o gigantismo do processo, prolongando os procedimentos de instrução; os conflitos entre magistrados sobre a própria interpretação da lei.
Conclusão, o que correu mal nos prazos ainda pode correr pior. Mas se o resultado for que um caso de corrupção é julgado vinte anos depois do início da investigação, trata-se então de um fracasso irremediável.
Depois, foram os truques. E, desta vez, foram todos à uma: a prisão preventiva sem suficiente justificação processual, na base de suspeitas que foram entretanto abandonadas e substituídas por outras, ou a insistente divulgação de peças em segredo de justiça, incluindo gravações áudio e vídeo de interrogatórios em jornais preferencialmente especializados nesta indústria, seguindo a estratégia de mobilizar a opinião pública para um julgamento prévio. Pela insistência nestas técnicas, já não se pode acreditar que quem usa este método no MP, os funcionários ou eventualmente algum advogado que promova este crime de violação do segredo acreditem ou respeitem o valor da justiça, antes preferindo um ganho circunstancial num causa particular, mesmo que a cidade arda toda. Se me parece fundamental evitar o abuso da prisão preventiva, já a consequência da persistente revelação seleccionada e criminosa de peças da investigação só tem como único remédio possível a abolição radical do segredo de justiça, ou a violação de direitos dos cidadãos. O que os corruptos agradecerão, dificilmente será possível investigá-los.
Finalmente, ainda se combate a corrupção na presunção de que os corruptos contarão ao telefone os seus sucessos, ou que haverá um arrependido que se disponha a trair a família. Ora, não se vai a lado nenhum com as declarações de um Helder Bataglia, como se viu.
É meridianamente claro que o dinheiro é a chave da corrupção e, por isso mesmo, a prevenção se deve basear na verificação dos rendimentos. Assim, uma lei que obrigue à declaração e que, portanto, exponha os rendimentos injustificados, não só permite a inspeção das alterações patrimoniais, como conduz à punição da sua ocultação como crime, tornando mais direta a intervenção da justiça. Talvez um processo por enriquecimento injustificado seja menos espampanante, mas levaria à decisão pelo tribunal sobre mais crimes, no tempo adequado e com mais eficácia.
Se no combate à corrupção, depois de tudo isto, continuarem a eternizar-se os processos, se não lhe forem dados meios, se não for imposto o respeito pelas suas próprias leis e a capacidade de atingir todos os dinheiros que enriquecem criminosos, então não sairemos deste pântano em que a justiça foi aprisionada.
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