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sábado, 24 de abril de 2021

Traição aos valores de Abril

 

Oh grande Jorge Coelho! A dignidade acima de tudo: "a culpa não pode morrer solteira". E ele, pergunto, que culpa directa teve na queda da ponte? Mas era responsável político. Essa é que era a verdade. E foi-se embora. Mas há quem, desde sempre, não entenda este princípio e, portanto, desde contornar a lei com "contabilidade paralela", escondendo a verdadeira dívida da Região, até, no plano partidário, receber valores, sob empréstimo ou não, e não declará-los, passando por negócios, alegadamente legítimos, porém sob investigação por terem suscitado dúvidas, a tal culpa anda a morrer solteira! A dignidade esvai-se por ausência de respeito pelos próprios e, já agora, por quem os elegeu. O 25 de Abril de 1974 não representa isto!



A História, desde sempre, relata situações abusivas e condenáveis. Em todo o Portugal. E ninguém escapa: ministros, secretários de Estado, membros disto e daquilo, directores, forças armadas, magistraturas, autarcas, por aí abaixo até às minúsculas regiões autónomas, eu sei lá quantas histórias envergonham, por ganhos, alegadamente, ilícitos, ou por subtis ou descarados favorecimentos a grupos económicos, compra de favores, concursos públicos limitados que deixam um rasto de dúvidas, situações estas que impedem e até esmagam a sobrevivência de outros. Dos íntegros. Dos que não precisam de meia-hora para enrolarem o rabo à saída de uma porta. Atingiu-se um ponto que até um condenado e preso pode candidatar-se à presidência de uma autarquia e ser eleito. "Já pagou a sua dívida à sociedade", dizem ou aceitam. Esquecem-se que o exercício da política e as funções de natureza pública constituem um serviço à comunidade e não um emprego. E que esse serviço deve ser prestado por impolutos e incorruptíveis. Na sua essência, o 25 de Abril está carregado desta mensagem. Em vão? Talvez!

No meio de tanta chafurdice, ainda mais doloroso é pressentir que, na voz do povo, em conversa de café, ainda subsista aquela peregrina ideia de que "ele rouba mas faz". Perdeu-se a vergonha e a sensatez, por interesses pessoais, partidários, de governação ou outra qualquer. De resto, ouve-se amiudadas vezes, o que é inquietante, da boca dos prevaricadores, que a "consciência está tranquila" apesar das "mãos não estarem limpas". 

Portugal e as suas Regiões Autónomas não são um caso isolado. Por todo o lado o Homem desonrou-se. A corrida à riqueza, mesmo que mal explicada, os jogos subterrâneos tomaram conta do sentido da verticalidade, da idoneidade e coerência que um punhado de valores deveriam caracterizar a pessoa de bem. Por isso, é-me ininteligível que, no plano do funcionamento normal de uma sociedade, no tempo político e com a experiência vivida, continuemos a assistir a situações onde "a culpa morre solteira". Retirar consequências políticas é coisa rara. 

Passaram-se 47 anos de ABRIL. Ainda tenho em mente, a bater-me consecutivamente, a frase do Padre José Martins Júnior: "O cravo que matou o medo, e os medos que matam os cravos" (...) E agora, volvidos 47 anos, 564 meses, 2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o MEDO???... "Perguntem ao vento que passa"... notícias dessa Alvorada que varreu a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!. 


Se há culpas relativamente ao prato que nos oferecem, essas são nossas, exclusivamente nossas, pois, enquanto povo, continuamos a permitir que a frase de John Dalberg-Acton (1834/1902) continue plena de actualidade: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". 

...

Porque esta é a noite do inesquecível Abril, deixo aqui o texto do Padre Martins Júnior. Li, reli e tanto descobri nas entrelinhas deste texto. Obrigado, Amigo Padre. É tempo de ouvirmos "Os Vampiros" do intemporal Zeca.


O CRAVO QUE MATOU O MEDO
E OS MEDOS QUE MATAM OS CRAVOS





Com o mesmo entusiasmo com que vivemos a Semana Azul do Mar, a Semana perfumada da Flor, a Semana universal de Tudo, assim também quero respirar a plenos pulmões a Semana Vermelha de Abril. E é esta que me domina de domingo a domingo, tal qual a Semana da Páscoa libertadora, desde Domingo de Ramos ao Domingo da Vida reconquistada.

Porque se os dias compõem as semanas, as semanas preenchem os meses e estes enfeixam os longos anos de uma vida, tudo somado só tem nome e identidade se em cada parcela constitutiva nascer e reverdecer a energia vital que lhes deu o ser. Numa palavra, o Abril histórico só existe se ele habitar os momentos do quotidiano, como os cravos revividos nos canteiros da nossa casa.

Por isso, iniciei anteontem este revérbero aprilino, evocando o enterro do machado da guerra em 1974, quando se estancou a hemorragia a que estavam condenados os jovens portugueses em território africano, ao serviço da ditadura colonialista. Hoje, quero reaver o estrebuchar de outro monstro que torturava gerações e gerações de homens e mulheres, à sombra da bandeira verde rubra de Portugal: o MEDO !!!

Reescrevo o monstro com maiúscula, como no título, porque tratava-se de um MEDO estrutural, trepidante vírus genético que serpeava no ventre das mães, grávidas de um Ser Vivo e grávidas desse monstro que se preparava para engolir a criança logo à nascença. Nascíamos todos sob o signo do MEDO. E mais flagrante e deprimente era o rebanho anónimo que nem dava por isso… A mudez perfeita sob o perfeito terror regimental! Medo de falar, de escrever, de sair à rua, de manifestar a sua dor, numa palavra, medo de respirar! A polícia política, disseminada por praças e becos, umas vezes fardada e espingardada, outras cavalgada, outras paramentada nas igrejas e confessionários, quase sempre, porém (a mais requintada e viperina) a polícia nua, sem armas, sem rosto e sem ruído! Pode afirmar-se, sem nesga de erro, que a “PIDE” foi a implacável “COVID/Salazarista”. Invisível, feroz e fatal!

Famosos e esplendorosos como os militares de Abril são todos os homens e mulheres, jovens, operários, intelectuais, que expiaram em lúgubres masmorras o crime de esconjurar esse MEDO visceral da nação portuguesa e devolveram ao Povo o direito de falar, de escrever, de manifestar os seus dramas, de proclamar as suas vitórias!

E agora, volvidos 47 anos, 564 meses, 2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o MEDO???... “Perguntem ao vento que passa”... notícias dessa Alvorada que varreu a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!

Verdade seja dita: se hoje posso escrever esta crónica, é sinal que algo mudou. Mas, sem armar ao trágico, bastar tactear pelas ruas e esquinas da cidade, entrar nos domésticos corredores desta terra e verificar que, afinal, os medos têm tomado conta dos cravos, esfrangalhando-os, amputando-lhes pétalas e seiva. Os medos dos mandantes, dos chefes, dos despedimentos, da fome iminente, medos (com minúscula) de falar, de contestar, de gritar a própria dor, enfim, o regresso ao silêncio, à cobardia, ao sado-masoquismo de outros tempos. Até na comunicação social! Jamais esqueci o desabafo de um jornalista (já lá vão três décadas) que às minhas observações nada lisonjeiras sobre uma das suas peças pró-governamentais, responde-me ao ouvido: “O que é quer? Isto é o meu ganha-pão”! E mais não disse.

Ironia das ironias – maldição sobre maldição, digo eu – assentou arraiais à nossa porta Sua Insolência a COVID, para consolidar o império dos medos quotidianos, veículo prestimoso de anestesiar os cérebros, a pretexto da saúde, e passar a outros medos de maior gravame, os medos estruturais que tolhem a fala e o ânimo das gentes.

Tempos de carestia, tempos de seca severa e austera!

É a hora de não deixar que os medos matem os cravos, a hora de cultivar o CRAVO que mata o MEDO!

21.Abr.21
Martins Júnior

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