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sábado, 10 de abril de 2021

O Ministério Público está em causa

 

Nota prévia

Sou apenas um cidadão. Tenho, obviamente, sentido de justiça, mas não a confundo com a Justiça, feita de normas e de códigos que aos Tribunais dizem respeito. Há um aspecto que tenho por adquirido: não me deixo levar pelo que a comunicação social apresenta. Leio, observo, compagino e formo uma opinião de acordo com as minhas sínteses, falíveis, porque não assentes em estudos que me permitam manifestar uma opinião. Não li uma única página das milhares que compulsam o "Processo Marquês", portanto, seria de todo leviano assumir a minha convicção sobre os comportamentos lícitos, ilícitos e/ou criminosos dos arguidos. 


Ora, uma coisa é o que a comunicação social publica, outra a prova dos alegados factos; uma coisa é o que é publicado que reflecte os interesses editoriais e as convicções de quem escreve, outra o alinhamento e compaginação jurídica dos elementos de prova; enfim, uma coisa é o que julgo saber, outra a verdade. E assim sendo, porque não sei nem me compete, nem absolvo nem condeno. Aceito as decisões baseadas na desejável independência do Tribunal enquanto Órgão de Soberania. Certamente que sempre houve inocentes condenados e sempre existiram culpados que acabaram por se passear no princípio de "in dubio pro réu". Não posso e não devo é vestir uma beca e, desconhecendo, armar-me em um qualquer justiceiro de trazer por casa. 

Um aspecto parece-me evidente: o Juiz Ivo Rosa estudou, cruzou elementos, olhou para a Lei e arrasou, este é o termo, quase toda a argumentação do Ministério Público. Será, por isso, que daí se pode extrair a convicção que também ele é um corrupto, por, pressupostamente, neste primeiro momento, "inocentar" os arguidos? Não. Ele fundamentou e colocou em causa a investigação realizada. Os patamares superiores da Justiça avaliarão o seu trabalho, validando ou não tudo quanto justificou. De qualquer forma, hoje, qualquer cidadão olha para o que Ministério Público "vendeu" durante sete longos anos e tem o dever de questionar-se: afinal, o que esteve ou está por detrás de toda a investigação? 

A Justiça não se guia, julgo eu, por convicções ou pelo "acho que", mas sim por factos e provas. De José Sócrates e de todos os outros, reforçado agora pelo que ouvi do Juiz, não tenho por adquirido que cometeram insanáveis crimes. Se os perpetraram, então podemos estar face a um quadro de "crimes perfeitos". E em crimes perfeitos não acredito. Há sempre pontas soltas que acabam por gerar a prova que confima o acto ilícito ou criminoso. 

Estranho no meio de tudo isto que, umas vezes, seja dito que a "justiça, embora tardia, funcionou"; em outros momentos, vá lá saber-se porquê, há quem se agarre às suas convições para determinar um veredicto que acaba por atingir o juiz que apreciou os tais milhares de páginas.

Como é óbvio eu e qualquer pessoa de bom senso sustentará que o lugar dos corruptos e criminosos é na cadeia. Mas julgo que ninguém aceita que uma qualquer condenação resulte de convicções não provadas. Hoje, quem está em causa não são os arguidos, mas o Ministério Público. Como sublinhou Miguel Sousa Tavares, se estivesse no lugar dos Procuradores do MP, demitia-se. A Justiça precisa de uma nova ordem. Os portugueses ficaram esbugalhados. Como é possível, questionarão.


A MONTANHA PARIU UM RATO

Por estatuadesal
09/04/2021



Sócrates foi corrompido? Talvez. Rosário Teixeira é um incompetente? É! Seguindo a leitura que Ivo Rosa esteve a fazer do despacho instrutório do processo Marquês, fiquei com os cabelos em pé. Crimes imputados mas já prescritos, acusações sem qualquer indício que vá além de um argumento de romance, incongruências e contradições factuais de datas, desconhecimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional, contradições mesmo entre partes várias da acusação. Como é possível que um processo desta importância tenha tantas falhas, aberrações e atropelos ao Direito?


Tudo começou com a prisão de Sócrates. À época o Ministério Público não tinha qualquer prova que incriminasse o detido. Prendeu para investigar. Investigou e deve dizer-se que nenhum político em Portugal, em algum tempo, foi tão devassado e escrutinado como Sócrates. O facto de o MP não ter encontrado nenhuma prova objetiva e insofismável de que Sócrates tenha sido corrompido, deve levar-nos a pensar. Com milhares de escutas ao próprio e a todos os que o rodeavam, apreensão de emails e correspondência cobrindo largos períodos de tempo, em nenhum momento vem ao de cima “conversas” que indiciem os presumíveis crimes?! É, de facto, tão estranha essa ocorrência, tanto ou mais estranha ainda que a facilidade com que o amigo de Sócrates lhe fazia chegar elevadas quantias de dinheiro.

Depois de ter promovido a prisão de um ex-Primeiro Ministro, com informação prévia à imprensa e às televisões, o Ministério Público tinha que construir posteriormente uma acusação que justificasse uma tão grave diligência. Não conseguiu, apesar de ter recorrido a uma panóplia de atropelos aos formalismos e às regras mínimas do processo penal, como ficou patente na longa leitura de Ivo Rosa.

No final da decisão de Ivo Rosa o que restou? Essencialmente as dúvidas do Juiz em o amigo de Sócrates lhe entregar dinheiro de forma capciosa e sub-reptícia, indiciando tal um crime de corrupção sem objeto identificado – ainda que já prescrito -, originando em consequência um crime de branqueamento de capitais.

É sabido que a Justiça ainda vai seguir o seu percurso e que o MP irá seguramente recorrer da decisão de Ivo Rosa. Contudo, apesar de não ser jurista, parece-me que dificilmente a decisão agora havida poderá ser muito alterada, tal o cuidado e a qualidade jurídica dos argumentos contidos neste despacho de pronúncia.

Contudo, deve desde já elogiar-se Ivo Rosa. Pela primeira vez no processo Marquês a comunicação social e as televisões não foram informadas previamente do que iria ser o resultado das suas decisões. O segredo de justiça foi respeitado até ao fim, o que é inédito no âmbito do dito processo.

Sendo a Justiça um sistema imperfeito – porque humanos e imperfeitos são os seus agentes -, fiquei hoje com a sensação de que o sistema contém em si, ainda assim, uma lógica de contrapesos que lhe permite corrigir os seus próprios limites e falhas.

Assim o consiga fazer em tempo útil e com o mínimo de danos para quem sofra de tais deficiências. No caso de Sócrates, tal já não será possível. Devido à mediatização do processo, decorrente das reiteradas violações do segredo de justiça, para o bem ou para o mal, já todos o julgámos.

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