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24 Maio 2021
China e Índia são os países determinantes desse futuro asiático. Mas como vencer os atrasos e, em simultâneo, explorar as potencialidades? Que mercados privilegiar, ocidentais ou asiáticos?
O que aqui escrevo é bem menos que o título. Umas notas apenas sobre a China e a Índia. O que as separa, o que as une ou pode vir a unir. China e Índia, os países determinantes desse futuro asiático.
A Índia e a China, duas grandes civilizações que, após um passado de influência no Mundo, de mais de 2000 anos, sofreram uma interrupção no trajecto de 200 anos, saem desse afundamento com muita luta e quase em simultâneo. A Índia, em 1947, através de um longo e penoso processo de independência do Reino Unido, e a China torna-se República Popular em 1949, depois de uma guerra duradoura contra o império japonês, seguida de guerra civil entre o Partido Comunista, PCC e o Kuomintang, este apoiado pelos EUA.
Interessante registar que, em 29 de Abril de 1954, os dois países assinam, sob as Presidências de Nehru e Mao Tsé-Tung, um tratado sobre o Tibete que, no seu preâmbulo, continha cinco princípios de grande alcance:
O respeito mútuo da integridade do território e a soberania de cada um
A não agressão
A não ingerência
A igualdade e os benefícios mútuos
A coexistência pacífica
Contexto geopolítico
A situação de vizinhança entre países nesta zona da Ásia é muito instável. Pesam o passado histórico, as religiões, as culturas, os processos de constituição dos países. China, Índia e Paquistão, países vizinhos a que podemos acrescentar o Bangladesh mantêm, por razões diferentes, relações de tensão, atingindo, por vezes, intensa agressividade militar.
Paquistão e Índia com um tronco comum separado na independência. Separação dura, custou meio milhão de mortos e 14,5 milhões de refugiados. Há quem os considere inimigos “hereditários”. No Paquistão, uma guerra posterior dá o Bangladesh.
China e Índia são rivais de outro nível, grande competição e algumas guerras/escaramuças fronteiriças. A mais marcante, a guerra Sino-Indiana de 1962, por causa de Caxemira, território cedido pelo Paquistão à China, que era requerido pela Índia.
As relações são de facto complexas. A China sempre privilegiou a ligação ao Paquistão e a Índia à URSS. Durante algum tempo, os dois países navegaram na “órbita” da URSS, até à dissidência sino-soviética em finais de 1950, quando começa a aproximação da China aos EUA.
Na década de 1990, verifica-se uma clara distensão nas relações Índia-China. As reformas político-económicas de Deng Xiaoping suscitaram o interesse da Índia. Os ensaios nucleares da Índia, condenados de imediato pela China, antes mesmo dos países ocidentais, comprometeram esta situação. Algum tempo depois, um novo desanuviamento traduziu-se num enorme aumento das trocas comerciais.
Desenvolvimento económico a ritmos diferentes
China e Índia, em 1980, estão numa situação económica semelhante em termos de PIB. A Índia, à data, com menos 280 milhões de habitantes apresenta uma situação ligeiramente favorável no PIB per capita (Índia 266.58 dólares/ano e China 194.80).
Em 40 anos, a China arranca com taxas de crescimento económico a alta velocidade e marca grande distanciamento na produção de riqueza (PIB 2020: China 12.901.904 M€ contra 2.314.077 M€ da Índia, cerca de 5,6 vezes mais). A Índia neste período aproxima-se da China em termos de população, mas mantendo grande atraso em infra-estruturas materiais (transportes e energia) e áreas do ensino e saúde.
As razões desta situação
Após a constituição como países, a Índia integra o movimento dos não-alinhados e a China apoia-se na URSS. Ambos defrontam-se com um mundo ocidental hostil, tanto mais porque, de certo modo, “copiam” o mesmo modelo de desenvolvimento: o da URSS. Mas o foco principal do Ocidente era contra a China comunista onde o regime e a intervenção na guerra da Coreia pesaram muito.
A China rompe com a URSS, em finais de 1950, numa dissidência política de base económica e em período convulsivo no PCC que se prolonga até à morte de Mao (1976). Depois de muitas lutas no seio do PCC, em 1979/80, a visão de Deng Xiaoping começa a impor-se no plano político, mas sobretudo nas estratégias de desenvolvimento. As grandes reformas começam na agricultura, exactamente um dos alvos da discordância sino-soviética. A reforma agrícola atribuiu a exploração da terra a cada família com a autorização de vender no mercado o excedente de produção.
Os resultados positivos não se fizeram esperar e quebra-se a resistência política às reformas da ala conservadora. Estabeleceu-se assim a economia de mercado a que as autoridades chinesas apelidaram de economia de mercado socialista.
Nos sectores industriais distinguem-se os sectores prioritários e os não prioritários e nestes o governo encorajava as empresas privadas a concorrer com as públicas estabelecendo a existência de um duplo preço. Uma parte da produção escoada a preço fixo pelo Estado, a restante vendida em mercado livre.
Com regras bem definidas e a criação das zonas de economia especiais, “um país, dois sistemas”, ocorre uma forte implantação de IDE que leva consigo tecnologia, know-how comercial e mercados que permitem à China constituir-se na “fábrica do mundo”. Em paralelo, a China vai modernizando a sociedade em termos de ensino, I&D, infra-estruturas materiais e imateriais, dando garantias de estabilidade aos investidores.
Na Índia, a situação permanece menos definida e sem reformas de fundo nem estratégia, apesar de, por razões, diria, quase naturais, o Sector serviços foi-se impondo como veículo do desenvolvimento. Mas muito se atrasou e hoje a Índia depara-se com mais de 200 milhões de habitantes sem acesso à energia (há quem refira 400), com um ensino não universitário caótico, um sistema de saúde a provar as suas deficiências na pandemia (apesar das vastas capacidades nas farmacêuticas) e infra-estruturas de transporte interno muito deficientes.
Eis a situação, grosso modo, que separa os dois maiores países asiáticos e do Mundo.
Pode a Índia ser uma nova China?
Separa-as uma vincada décalage no grau de desenvolvimento económico. A correcção de problemas estruturais precisa de tempo e gerações.
A estratégia da China não terá aplicação hoje. Teve o seu tempo. A própria China enfrenta alguns problemas de monta (demografia e organização) para continuar a manter elevadas taxas de crescimento na aproximação do PIB per capita aos mais avançados. Tem a seu favor o avanço de certas tecnologias no caminho para a central solar no espaço ou o TGV de 800Km/hora.
A Índia reúne imensas potencialidades de progresso. Cultura, língua e o papel da diáspora são grandes trunfos. Os serviços modernos onde está implantada e a sua apetência para a matemática também. Mas terá de resolver o caos no ensino e nas infra-estruturas materiais, duas grandes condicionantes.
As grandes interrogações
Como vencer os atrasos e, em simultâneo, explorar as potencialidades? Que mercados privilegiar, ocidentais ou asiáticos? Uma maior imbricação das economias sino-indiana, que já existe nas farmacêuticas, não poderá constituir um vector seguro?
A Índia hesitou e não aderiu ao RCEP, a maior zona de comércio livre do Mundo, com receio de invasão do seu mercado por produtos sobretudo chineses, mas ficou em aberto a sua adesão. Está contudo na Organização da Cooperação de Xangai (OCX) com a China, Rússia e outros países da Eurásia.
O Ocidente tenta afastá-la do caminho natural da cooperação asiática, nomeadamente da China. Para onde se inclinará Modi?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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