Senhor Dr. João Cunha e Silva, permita-me, há coisas que se pode pensar em função do posicionamento ideológico, porém não devem, publicamente, ser escritas. Por respeito e até humanidade. Em todos os aspectos, quando sabemos que vamos tocar, eu diria ferir, os que pouco ou nada têm, parece-me que a palavra "contenção" na escrita deve ser observada.
O Senhor critica o aumento do salário mínimo, exaspera-se contra o facto de, em "oito anos, ter passado de 400.000 para 900.000 os que ganham o salário mínimo", o qual a partir de Janeiro será € 705,00. Tudo, escreveu, porque houve uma "ajuda dos partidos à esquerda". Este texto, sabe, meu Caro, chocou-me. Não pela época de Natal, caracteristicamente solidária, mas porque olho para a sociedade que o Senhor, politicamente, ajudou a construir, e confrontar-me com 32,9% de pobres, pensões de miséria, múltiplas iliteracias que condicionam a produtividade, emigração forçada, uma legião de recibos-verdes, alta taxa de desempregados e sem qualificação profissional para os tempos competitivos que atravessamos, com o abandono e o insucesso escolar, com dezenas de instituições, inclusive, as ligadas à Igreja, que mitigam a fome, Licenciados que ganham 500, 600, 700 euros por mês, tudo isto, sabe, magoou-me, porque a sua crítica à "proletarização do salário" não faz o mínimo sentido.
Viver com € 705,00 (brutos) é viver com muitas dificuldades. Toda a família se ressente. É a habitação, a alimentação, os encargos com os filhos, as despesas de água, energia consumida, os transportes, as prestações disto e daquilo, a farmácia, os familiares a cargo, enfim, digo-lhe eu, ainda bem que o salário mínimo tem vindo a aumentar.
Ah, pois, a sua preocupação pela aproximação ao salário médio nacional, blá, blá, blá... sabe, na minha modestíssima opinião, o que está errado não são os € 705,00 de salário mínimo, o que está errado é que o salário médio não aumente em função das habilitações literárias, profissionais, anos de trabalho e de desempenho. O erro está aí. Sabe, meu Caro, sou contra todo o tipo de exploração, defendo o trabalho com direitos, mas também com deveres. Não é só ganhar mais... é trabalhar MELHOR visando a produtividade que conduz à satisfação e êxito de ambas as partes, do trabalhador e do empregador. A contrária conduz-nos à eternização da pobreza.
Sabe, felizmente, nós os dois (eu e o Dr. João Cunha e Silva) não passámos pela pobreza extrema, mas devemos fazer um esforço de pensamento que conduza à pergunta: como seria a minha vida se apenas ganhasse € 705,00?
Ilustração: Google Imagens.
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