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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Chega ao fim o pesadelo!


Por
Nicolau Santos
Jornalista 
Especializado em Assuntos Económicos

Termina hoje o reinado de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal. É o fim de um pesadelo, que durou 10 anos, e durante os quais foram tomadas decisões que continuam por explicar e que custaram cerca de 15 mil milhões de euros euros aos contribuintes, além de terem prejudicado fortemente a imagem de Portugal no exterior, aumentado as taxas de juro da dívida pública e os custos de financiamento das instituições financeiras e desprestigiado o banco central.

Carlos Costa era diretor-geral do BCP para a área internacional mas não percebeu para que serviam as off-shores que compravam acções do banco com financiamento do próprio banco; era administrador da Caixa Geral de Depósitos e conduziu a expansão do banco público em Espanha, que acabou num enorme buraco – mas ele só se responsabiliza pelos dois anos em as coisas correram bem; disse aos portugueses que o Novo Banco nascia com activos limpos e seguros – e a instituição já teve de pedir 3 mil milhões ao Fundo de Resolução e ainda vai pedir mais; passou cinco emissões de dívida senior do Novo Banco para o BES mau – e por causa disso Portugal pagou mais pela sua dívida pública, os custos de financiamento dos bancos dispararam e o Fundo de Resolução terá de entregar pelo menos 600 milhões a esses fundos internacionais. E há mais, muito mais. Mas como Carlos Costa considera que o Novo Banco foi um sucesso, provavelmente é também o que pensa da sua atuação de uma década à frente do Banco de Portugal.

Resumamos então os casos polémicos em que Carlos Costa esteve envolvido ao longo da sua vida profissional.

Foi diretor-geral do BCP entre 2000 e 2004. Em 2001, Carlos Costa deu parecer favorável à renovação de créditos das sociedades offshore criadas para a aquisição de ações próprias. Carlos Costa que era diretor-geral para a área internacional, com o pelouro das sociedades sediadas em paraísos fiscais não viu nada de errado no funcionamento dessas off-shores, que tinham sido criadas em 1999 e que visavam manter artificialmente alto o preço das ações do banco. Por causa dessa manipulação do mercado, Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues seriam afastados da administração do banco e sujeitos a pesadas sanções. Em 2009, ouvido no âmbito do processo decidido pelo Banco de Portugal, Carlos Costa defendeu que a decisão que tomou de renovar os créditos foi normal e justificada. Em 2013, Costa afirmou em tribunal: “Não tinha conhecimento de qual era a prática da gestão discricionária, nem tinha conhecimento que não havia beneficiário último” das sociedades off-shores, acrescentando que as funções que desempenhava não o obrigavam a ter essa informação sobre as sociedades não residentes, com as quais assinou contratos de renovação de créditos. Portanto, Costa assinou de cruz, não quis saber o que faziam essas sociedades, que se fartavam de comprar ações do BCP com financiamento do próprio BCP, nem se os titulares dessas sociedades eram testas de ferro, nem quem eram os seus beneficiários últimos – embora fosse o responsável pelas sociedades sediadas em paraísos fiscais. Se isto não é incompetência é pelo menos sacudir com muito pouca vergonha a água do capote.

Em 2004, Carlos Costa é administrador da Caixa Geral de Depósitos com o pelouro internacional e supervisiona o plano de expansão do banco público em Espanha, liderado por Fernando Faria de Oliveira. A aventura começa bem mas salda-se no final por um prejuízo de 483 milhões de euros. Ouvido sobre as suas responsabilidades, Carlos Costa reclamou que a reestruturação do Banco Siméon e a sua transformação no Banco Caixa Geral correu bem entre 2004 e 2006, quando ele se encontrava em funções, mas que aquando do descalabro que se seguiu já ele estava no Banco Europeu de Investimento, como vice-presidente. A arte de bem sacudir a água do capote volta a ser demonstrada por Carlos Costa.

Em 2015, Carlos Costa, que tinha sido indicado para o cargo por José Sócrates, é reconduzido no cargo por Pedro Passos Coelho, a escassos quatro meses de eleições legislativas. A decisão é fortemente contestada pela oposição mas é um prémio para a colagem de Carlos Costa ao governo PSD/CDS e à política económica da troika.

Em 3 de Agosto de 2015, Carlos Costa anuncia a resolução do Banco Espírito Santo e o nascimento do Novo Banco, que teria um balanço completamente limpo de créditos de cobrança duvidosa. Em 2017, considerou na Assembleia da República que «o Novo Banco foi um sucesso». Até agora, o Novo Banco já recorreu a três mil milhões de euros de injeções de capital do Fundo de Resolução para sanear ativos problemáticos. E já anunciou que vai precisar de mais dinheiro, esgotando provavelmente os 3,89 mil milhões de euros da almofada financeira que foi garantida à Lone Star aquando da venda da instituição. A palavra sucesso tem um estranho significado na boca de Carlos Costa.

Carlos Costa tem o mérito de ter afastado Ricardo Salgado e toda a sua administração do leme do BES. Escolheu uma nova administração, liderada por Vítor Bento. E quando se supunha que o Banco de Portugal sabia finalmente tudo o que se passava no banco, eis que Carlos Costa anuncia a sua resolução, quatro meses depois de ter escolhido Vítor Bento. Depois pede-lhe encarecidamente para se manter, agora como presidente do Novo Banco. Bento aceita mas diz que precisa de três a cinco anos para implantar a instituição no mercado. Carlos Costa aceita. Três meses depois sucumbe às pressões do governo PSD/CDS e diz que afinal o banco é para vender em seis meses. Passos Coelho não queria que o caso BES/Novo Banco contaminasse as eleições de Outubro. Vítor Bento demite-se. Carlos Costa pede ajuda a António Horta Osório, que indica um dos seus mais fiéis compagnons de route, Eduardo Stock da Cunha. Stock chega e não consegue vender o banco nem em seis meses nem num ano. Ao fim de dois demite-se. Segue-se António Ramalho. Esta trapalhada é designada como um sucesso por Carlos Costa.

Carlos Costa anuncia que há 17 interessados na compra do Novo Banco. Quando chega a hora nem uma das propostas se aproveita. Costa tenta uma segunda vez e fica nas mãos de apenas um interessado: o fundo norte-americano Lone Star. Os americanos não pagam um tostão pelo banco. Metem mil milhões para o recapitalizar e pedem uma carta de conforto de 2,4 mil milhões ao Estado. Mário Centeno, então ministro das Finanças, recusa. O Banco de Portugal conduz a venda e fica explícita uma cláusula que garante que o Novo Banco pode recorrer a injeções de capital do Fundo de resolução até 3,89 mil milhões de euros se encontrar nos seus ativos incobráveis ou de cobrança muito duvidosa. Mas como Carlos Costa tinha dito que o Novo Banco nascia sem problemas ninguém se preocupou demasiado. Afinal não era assim. Os activos do Novo Banco afinal tinham imensos pecados e até agora o Fundo de Resolução já foi obrigado a injetar quase 3 mil milhões de euros na instituição – e seguramente vai esgotar a almofada de 3,89 mil milhões. Mais um sucesso para a coleção de Carlos Costa.

No final de 2015, Carlos Costa anuncia a resolução do Banif, surpreendendo tudo e todos. Mais um custo de 3 mil milhões. Há dois anos que o Banco de Portugal tinha representantes no conselho de administração do banco. A instituição apresentou em Bruxelas oito planos de recuperação, todos chumbados. Apesar disso, pelos vistos os representantes do banco central na administração do banco não conseguiram fazer nada para travar o caminho da instituição para o abismo. Outro sucesso do longo reinado de Carlos Costa.

Mesmo a terminar 2015, Carlos Costa tem nova decisão extraordinária: decide retirar do Novo Banco cinco emissões de dívida sénior subscritas por grandes fundos internacionais (Black Rock e Pimco, entre outros) que estavam no Novo Banco e passá-las para o BES mau, provocando perdas de cerca de 1,4 mil milhões de euros a esses investidores e lesando gravemente a imagem de Portugal junto dos mercados. A decisão levou, segundo esses grandes investidores, a uma subida das taxas de juro da dívida pública e a custos de financiamento recorde para os bancos nacionais. Além disso, de acordo com a Bloomberg e o Financial Times, essas entidades boicotaram a operação de colocação de 500 milhões de euros de dívida subordinada da Caixa. Em 2017, o acordo tentado entre o Governo português e o Fundo de Resolução com esses investidores apontava para uma reparação de 600 milhões de euros.

Seria fastidioso continuar. Estes factos mostram o descalabro que foi a gestão de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal. Infelizmente, a fatura sobrou para o país, para os contribuintes portugueses e para o sistema financeiro. O custo total das suas decisões aproxima-se seguramente dos 15 mil milhões de euros. Mas Carlos Costa retira-se agora para gozar a sua bem forrada reforma, enquanto pensa com os seus botões como foi um grande sucesso a sua passagem pelo Banco de Portugal.

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