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sábado, 4 de julho de 2020

A escolha que sobrava para a TAP


Por
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 
02/07/2020

Já o escrevi demasiadas vezes para ter de desenvolver muito mais: a renacionalização da TAP, depois da estranhíssima privatização na 25ª hora organizada por Passos (quando já sabia que não seria primeiro-ministro), foi uma fraude política. Uma fraude política dirigida por António Costa, executada pelo seu amigo Lacerda Machado – que depois foi nomeado para o Conselho de Administração da companhia aérea – e pelo qual deu a cara o agora eurodeputado Pedro Marques. O seu sucessor no Ministério limita-se a ter de resolver o que todos recebemos. A cláusula do contrato, que permite aos privados recuperarem os cerca de 200 milhões que emprestaram à TAP através de prestações acessórias no caso do Estado reforçar a sua posição acionista, é a confissão da própria fraude.


Escrevi, há uns dias, que havia três escolhas possíveis: meter mais dinheiro na TAP e manter esta situação pantanosa e insustentável, nacionalizar a TAP por via de aumento de capital ou de outra forma, ou permitir que TAP fosse à falência– deixando de ter uma companhia de bandeira ou criando uma nova, mais pequena, ao lado. À hora a que escrevo ainda não é claro se o controlo público se fará a bem ou a mal. Espero que seja a bem. A boa notícia é que foi posta de lado a possibilidade da injeção de dinheiro público sem controlo público. Não repetiremos Novo Banco, porque não entregamos o dinheiro do Estado para que outros tomem todas as decisões. O chumbo do acordo de empréstimo, por parte do Conselho de Administração da TAP, fechou essa parte de toda esta triste novela, que vai da privatização pela calada da noite à renacionalização que nunca o foi.

Quem julga que com a solução de Passos Coelho não estaríamos na mesmíssima situação, está desatento: teríamos de salvar a TAP, porque precisaríamos dela na mesma. Aliás, a principal conclusão do que se passou há cinco anos é que, no essencial, não mudou nada. Por isso mesmo foi uma fraude.

Sobravam as outras duas possibilidades. Há muito que defendo que Portugal não deve depender do turismo para viver. Mas dizer isso não é achar que podemos deixar a casa arder. 90% dos nossos turistas chegam pelo ar (os opositores do TGV estarão seguramente orgulhosos desta dependência) e uma parte não negligenciável vem pela TAP. Os responsáveis do turismo explicam o efeito que teria o desaparecimento da TAP para a nossa principal atividade exportadora. Seria estranho que o Estado gastasse milhares de milhões para tentar salvar a economia e deixasse falir uma das que mais ajuda a exportar. E não se julgue que esta escolha é a mais confortável para o Governo. Terá de ser ele a reestruturar a empresa, com custos políticos. E não sabe ao certo o que o espera. Só pode haver um plano para a TAP quando o Estado souber ao certo o que lá se passa, o que não tenho a certeza que acontecesse na atual solução.

Falar dos custos da nacionalização ignorando os efeitos da falência para a economia, para o Estado e para o emprego é fazer demagogia. E se é para meter dinheiro do Estado, que o Estado controle o dinheiro que lá põe – e os privados não queriam pôr nenhum.

David Neeleman não queria ficar. Mas queria ir-se embora com algum. Esse algum seria garantido pela tal cláusula que nunca deveria ter existido. Perante isto, a nacionalização à bruta foi a arma negocial do Estado. Na realidade, o litígio é mau para todos. Ao Estado, porque pagará mais do que Neeleman lhe pede, através da decisão de um tribunal arbitral. A Neeleman, porque terá de esperar pela resolução judicial. Mas o controlo público ou a falência eram as únicas alternativas. Acionistas privados que não querem pôr um cêntimo na TAP não lhe garantiam qualquer futuro. O resto é barganha negocial em torno de uma meta de 50 milhões, que tinha um valor um simbólico para o Governo. Humberto Pedrosa, que quer continuar na empresa – suponho que por razões de prestígio social –, chegou a ser uma possibilidade para desbloquear o impasse. Não sei se no fim ainda o será.

No momento em que escrevo, o Estado cedeu pagar 55 milhões, cerca de um quarto do que teria pagar segundo a cláusula. Mas quer que a Azul, de Neeleman, renuncie à conversão em ações do empréstimo de 90 milhões (a taxas de juro de assalto) que fez à TAP. É por isto que tudo está pendurado e é por isto que o Governo pode ter de optar por uma nacionalização, no Conselho de Ministros de hoje. É para aí que as coisas apontam no momento em que escrevo. Mas o controlo público (70% para o Estado, 25% para Humberto Pedrosa e os restantes 5% continuam com os trabalhadores) é certo. Não havia outra saída para quem não concorde com a falência.

Nenhuma novela acaba sem um bom dramalhão. E o amigo de Costa e dos negócios, primeiro responsável pela desastrosa fraude política da "nacionalização", com respetiva cláusula que agora torna tudo mais difícil, já começou a vender a sua narrativa, tentando passar para quem chegou há uns meses a responsabilidade deste desfecho. Todas as personagens se podem tentar reinventar. Sempre no registo opaco que caracteriza alguém que tem como cargo ser amigo de alguém, Lacerda Machado não foge à regra. E a Costa, dá-lhe jeito enjeitar as suas próprias responsabilidades. Lacerda ainda tentará passar pelo homem que tentou salvar a TAP. Tudo se consegue, basta querer muito.

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