por estatuadesal
Clara Ferreira Alves,
Clara Ferreira Alves,
in Expresso, 11/08/2018)
(A Dona Clara, prosélita confessa do "bloco central", anda estarrecida com o PSD e com a incapacidade deste se apresentar como alternativa credível aos partidos da esquerda num hipotético noivado futuro com o PS. Passos Coelho, agora elevado a catedrático, do alto da cátedra deve estar a gozar fininho: o diabo não veio, mas depois dele veio o dilúvio, o dilúvio que atinge o PSD e faz a Dona Clara suspirar nos calores do verão.
Comentário da Estátua, 11/08/2018)
Nos últimos tempos, o PSD passa mais tempo a dar cabo do PSD do que é natural, apesar de ser o PSD, famoso pela querela e o dramalhão. Uma doença atacou os dirigentes e candidatos a dirigentes. Esta doença tem manifestações exógenas e exóticas do género verbal. Entre elas, uma propensão para manifestar disponibilidade. Estou disponível. Faz lembrar a famosa frase de Marco Paulo quando a internet começou a dominar o mundo e a fazer vender canções. Então e a internet, Marco Paulo? O que pensa disso? “Se a internet me quiser, estou disponível.”
O mesmo sucede com os líderes e putativos líderes, passaram à disponibilidade. Lembro-me de Passos Coelho dizer que estava disponível, embora não exagerasse a dádiva aos portugueses, limitando-se a avançar sem inimigos. Rui Rio esteve anos na disponibilidade, à espera do que ele chamava um chamamento, um clamor que se erguesse do partido e lhe entoasse o nome ao som de trompetas triunfais, e acabou por avançar sem grande convicção ou chamamento. Pedro Santana Lopes esteve disponível para ser candidato à Câmara Municipal de Lisboa, deixou de estar disponível, voltou a estar disponível e, depois de se classificar como absolutamente indisponível, considerou-se disponível para disputar com Rui Rio a liderança do partido. Acotovelado por prosélitos e oportunistas, instado e instantâneo, Santana Lopes acabou por perder, apesar de um certo chamamento de um nome que já tem um valor histórico. Santana e Rio avançaram porque todos os outros, os jovens turcos da novíssima geração, os brilhantes talentos políticos que carregarão a tocha olímpica no futuro, se consideraram indisponíveis para avançar. Ou tinham bons empregos nacionais e internacionais, ou não estavam para isso, ou faltava-lhes a coragem, ou falhava-lhes a vontade de dedicar a vida à política. Ficaram sentados a comentar os mais corajosos do que eles na televisão, onde os riscos são menores e se cultiva uma imagem senatorial que dá jeito para os negócios.
Os ultrajados pela vitória de Rio e amarrados a uma saudade eterna de Passos, um passismo passadista, ficaram nos cantos a conspirar. Um deles, Montenegro, declarou-se disponível para o futuro. O povo estará atento. E agora é Pedro Duarte, que não tem má reputação, a considerar-se disponível. E Santana, sendo Santana, resolveu sair do partido e estar disponível para fundar um novo partido. Reina a confusão. O único que esteve brevemente disponível e a seguir resolveu disponibilizar-se a tempo inteiro, entregando-se dia e noite a ganhar a eleição, foi Marcelo Rebelo de Sousa. Confessada a disponibilidade, logo rejeitada por Passos, Marcelo percebeu que a disponibilidade não valia um pataco. Era preciso trabalhar, meter a mão na massa, correr o país, falar com as pessoas, encontrar-se com os caciques e amigos e inimigos e articular uma atitude política com uma mensagem coerente. Marcelo não ficou sentado à espera que lhe caísse o cetro no colo.
Compreende-se o desencanto das hostes sociais-democratas com a vida na oposição enquanto as sondagens exaltam o PS e o elevam a quase absoluto, ou a poder com uma ajudinha do Bloco, que agora levou um tiro no porta-aviões. Percebe-se o terror de jazer na oposição nos próximos anos, vendo o país entregue à esquerda e o PSD reduzido a um partidinho, correndo o risco da autoaniquilação. E, justamente, por se calcular o perigo e existir uma possibilidade de arregimentar a metade, ou um terço, do país que não gosta de ver o PS de braço dado com o PC e o Bloco, seria natural que esta gente saísse da disponibilidade e começasse a fazer política em vez de distribuir entrevistas e comentários sobre o modo de fazer política. Sair do banco e fazer-se à vida.
Enquanto o PSD paira na angústia existencial e se retorce de inquietação, enquanto Rui Rio entende a impossibilidade de ganhar as próximas eleições, não deixando que isso lhe tire o sono, António Costa faz o que sempre fez, política. A tempo inteiro. Sem descanso. É assim que se ganham eleições, dando coiro e cabelo, lá diz o povo.
Costa estava na Câmara Municipal e não estava disponível. Quando o partido o chamou, embora não tenha sido um chamamento, Costa não disse que estava disponível. Simplesmente, avançou. Convocou eleições dentro do partido e massacrou a oposição e António José Seguro à passagem. A seguir, disputou eleições nacionais, que perdeu. Na noite da derrota, sorridente, Costa avançou com os dois partidos da esquerda e conseguiu a maioria parlamentar que necessitava para governar. De caminho, massacrou Passos Coelho e amigos. E, se virmos bem, reduziu o Bloco e o PCP a dois aliados que estão mais reféns dele do que ele deles, visto que o sabor do poder os entonteceu. E, para cúmulo, fez eleger para o Conselho Europeu, depois de ouvir os insultos de Schäuble, o amigo Centeno, o arquiteto financeiro. Não admira que o “New York Times” o considere um pioneiro da cultura antiausteritária e o grand manitou da esquerda socialista europeia. Em Espanha, Sánchez pratica a emulação, e o grego Tsipras não desdenha o método.
À direita, a malta dá um suspiro enfastiado e sopra para o lado, olha, estou disponível.
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