Artigo de opinião de Carlos Pereira
publicado na edição do DN de 04 de Setembro de 2018
Não há assunto mais estruturante para a economia de uma região insular do que a mobilidade que permita que pessoas e bens possam circular em território nacional sem constrangimentos que os discriminem face aos restantes portugueses. Nesse sentido, as infra-estruturas e os modelos de mobilidade devem ser centrais nas opções políticas. O arquipélago da Madeira está no meio do Atlântico, distante dos centros de decisão e a sua afirmação, no plano nacional e europeu, exige uma ligação adequada com o exterior, seja em frequência, mas também em qualidade e preço. Tudo isto consistente com as debilidades estruturais e, por isso, cumprindo escrupulosamente as orientações constitucionais da continuidade territorial.
Vou dividir este tema em dois blocos distintos: a mobilidade aérea e a mobilidade marítima, para pessoas e mercadorias.
Comecemos pela mobilidade marítima e em particular o transporte de bens. Na RAM, persiste um modelo de transporte de mercadorias em contentores, tendo surgido a meio do caminho, e depois desaparecido repentinamente, uma experiência de transporte não convencional, a custos mais baixos e que alcançou, em pouco tempo, uma quota de mercado superior a 10%. Uma experiência de transporte, de mercadorias e passageiros, em ferry, que entretanto regressou, mas apenas sazonalmente.
Sendo assim, o contexto actual em termos de transportes marítimos traduz uma situação que remete a Região para dificuldades de competitividade no plano nacional e europeu. Constrangimentos identificados como custos da ultraperiferia, que ajudam a justificar diferenças fiscais (que também foram congeladas) mas que não têm sofrido mudanças positivas. Este grave condicionalismo tem demorado muito a ser resolvido e tem a sua origem em compromissos assumidos no passado, baseados em pressupostos falsos e manipulados. Desde a reestruturação dos portos regionais ocorridos no início da década de 90 pouca coisa mudou, apesar das evidências e das promessas que quase tudo devia mudar! De qualquer forma, depois de uma exaustiva análise e debate, que ocorreu nos últimos anos, cuja síntese factual pode ser lida no livro “a Herança”, não perderei tempo com o diagnóstico e gostaria de concentrar-me nas soluções. Essas, do meu ponto de vista, devem ocorrer nas infra-estruturas, no modelo de exploração portuária, no funcionamento do mercado dos fretes marítimos e na logística.
Comecemos pela operação portuária. Tenho uma opinião clara nesta matéria. Esta questão é instrumental e a Região deve assegurar que este elemento operacional e imprescindível não onera, com mais-valias a terceiros, o custo da mercadoria. Para isso não há muitas soluções e estou certo que hoje o mais adequado é envolver todos os interessados, seja a Região, sejam os grandes importadores/exportadores sejam as restantes PME’s, que devem ser representadas pela ACIF. Neste contexto, deve ser criada uma nova entidade que envolva todos estes intervenientes, em percentagens adequadas, mantendo a Região a função de árbitro. Deve ser uma espécie de associação sem fins lucrativos que garanta a operação portuária a preço de custo, num regime de concessão dando um inestimável contributo para a competitividade da economia regional. Mas só isto não chega. É preciso mais.
O segundo passo é criar as condições para evitar uma estrutura de mercado cartelizada em termos de fretes, como hoje persiste. É óbvio que a solução para a operação portuária, apresentada em cima, facilita este objectivo porque retira da equação uma entidade que é líder no transporte de mercadoria e usa a sua preponderância na operação portuária para retirar proveitos no domínio do mercado. Mas, apesar de tudo, ainda não me parece suficiente. Para evitar situações de abuso da posição dominante e garantir concorrência entre os armadores, a Região deve ter uma atitude proactiva na observação e análise da formação dos preços, envolvendo, ou não, a autoridade da concorrência. Na prática tem de impedir a cartelização e das duas uma: ou assegura que os reguladores (autoridade da concorrência em primeiro lugar) também protegem os consumidores da Madeira ou a Região providencia essa garantia envolvendo-se directamente na regulação do sector.
Em terceiro lugar, e na mesma linha de objectivos, é fundamental reverter a verticalização que hoje existe do sector dos transportes marítimos, introduzindo medidas para que, por exemplo, a logística não esteja entregue a uma única entidade que, ainda por cima, tem um domínio no âmbito do frete. Há medidas concretas que devem ser introduzidas para que a logística não esteja dominada por uma única entidade. Finalmente, o papel da autoridade portuária deve contribuir para manter o preço do transporte marítimo competitivo pelo que as taxas associadas à APRAM devem estar em linha com a média das praticadas no resto do país. É óbvio que para isso é fundamental a reestruturação desta empresa pública de modo a amortizar o investimento (inútil, diga-se) do terminal de cruzeiros e outras aventuras jardinistas. Para fechar esta agenda para o transporte marítimo, a Região deve equacionar de forma permanente o transporte de mercadorias em ferry, assegurando assim mais concorrência, menos preço, mais competitividade.
Quanto ao transporte marítimo de passageiros, o caminho deve ser torná-lo permanente. É um esforço grande mas é uma exigência para o caminho da continuidade territorial sem barreiras.
No próximo artigo apresentarei a visão para a mobilidade aérea.
Ilustração: Google Imagens.
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