O meritório trabalho da jornalista Maria Catarina Nunes, inserto na edição de hoje do DN-Madeira, constitui uma “pedrada no charco”. O suicídio é tema preocupante e vem de longa data. A sensação que tenho é que se vive em um penoso deixa andar. Há governantes que olham para a sociedade como se estivessem a olhar para si próprios. Para com os seus botões, dirão, pressuponho: se eu e os do meu círculo estão relativamente bem, os outros, certamente, apesar das dificuldades, vivem com ausência de problemas. Simplesmente porque não conseguem perceber que a organização social de hoje, constitui uma boa solução para um problema errado. É dramático quando se constata que na paradisíaca Madeira, a tal do "povo superior", apresenta quase dois suicídios por mês e de 1,3 tentativas por dia (471,4 por ano). Dramático. E a secretária da Inclusão e dos Assuntos Sociais vem hoje dizer que "mais do que as palavras contam os actos". Quais?
Em Novembro de 2009 apresentei, na Assembleia Legislativa da Madeira, uma comunicação sobre a sociedade que estávamos a construir. Essa intervenção surgiu na sequência de um trabalho do jornalista do DN-M, Ricardo Duarte Freitas, sobre as causas do suicídio. Nesse texto, a páginas tantas, o juiz do Tribunal de Família e Menores, Dr. Mário Silva, sugeriu uma reflexão sobre o actual modelo de sociedade que estávamos a construir para os jovens. "O suicídio e o parassuicídio (tentativa de suicídio) são problemas que naturalmente me preocupam e que me levam a reflectir sobre o modelo de sociedade que estamos a construir, nomeadamente para os nossos jovens, com a busca exaustiva da perfeição aos vários níveis e com expectativas por vezes excessivamente altas". Eu diria, escrevi então, que o Juiz tinha tocado, exactamente, no núcleo central do problema, isto é, na organização social consequente de uma vaga eléctrica, nervosa, sustentada na febre do "ouro" e na riqueza rápida. De facto, passámos da Sociedade da Manufactura para a Sociedade de Mentefactura, na feliz síntese de Luís Cardoso. O que hoje está em causa, já não é o músculo mas a cabeça e a FACTURA. De forma rápida e sem acautelar todas as variáveis. E isso, tal como salientou David Vice, determinou que os anos noventa e seguintes ficassem para a História como a década da pressa e da cultura do nanosegundo.
Em Janeiro de 2013 regressei ao tema. Escrevi: “(…) vivemos encarcerados, lamentando e não actuando. Em 2011, registaram-se mais 110 suicídios do que em 2010 (dados nacionais), segundo o Instituto de Medicina Legal (IML). "Os 1208 casos registados, que correspondem a três suicídios por dia, estão, contudo, longe de representar a real dimensão deste fenómeno, já que “muitas vezes o Ministério Público dispensa a autópsia quando tem suspeitas fundadas de que não houve crime”, conforme esclareceu Duarte Nuno Vieira, ao tempo presidente do IML. O suicídio é a principal causa de morte não-natural no país, tendo ultrapassado o número de mortes na estrada. Segundo notícia do Público (Lusa - 08 de Setembro de 2012), em 2009, verificou-se um suicídio a cada quatro horas, tendo sido a Madeira a Região de maior incidência. E apesar disto assim se verificar há um estranho silêncio no equacionamento das causas que estão associadas e que são potenciadoras dos dramas pessoais e familiares. Esta auto-destruição da vida aflige-me e, certamente, aflige todos os que amam a vida. E o que é sensível por aí é o silêncio sobre este arrepiante drama, certamente, porque tem muito que se lhe diga. A depressão, a melancolia, a grande tristeza, a desesperança e o pessimismo, entre múltiplas causas que aos especialistas compete identificar, deveriam ser motivo de análise e debate aberto, face a um quadro que me parece ser muito preocupante. Quem o comete está, obviamente, em grave e profunda depressão e, por isso mesmo, deveria estar sob vigilância, até porque os sinais ou tendências suicidas não surgem de um dia para o outro. Mas a sociedade pouco se rala, individualista que é, tampouco quem governa entende serem necessárias adequadas políticas. Escreveu Morpheu: "(...) o suicídio é muitas vezes uma solução patológica para um angustiante problema que a pessoa considera intransponível, como o isolamento social, as dolorosas injustiças, ingratidões, maus tratos, violências psíquicas a vários níveis, um lar que se desfez durante a infância, situação altamente traumatizante, cuja ferida se arrasta numa dor insuportável e culmina mais tarde numa depressão gravemente patológica que conduz a um triste final da vida. É ainda, a consequência de uma doença física grave, o desemprego, a toxicodependência, o envelhecimento que não se aceita, etc”. Li que "90% dos suicídios se verificam em resultado de múltiplas doenças psíquicas ou psiquiátricas. Cerca de 15% dos suicidas sofrem de depressão, em que a desmotivação de vida é insuportável, e torna-se imbatível o não querer viver. Dir-se-á que a pessoa perdeu toda a capacidade energética e a vida deixou de ter o mínimo sentido ou interesse. Cerca de 7% sofre de dependência alcoólica".
Naqueles 15%, é convicção minha, encontram-se muitos que são a consequência da sociedade que estamos a construir. A sociedade do ter antes do ser, a sociedade da ambição sem limite, a sociedade das aparências, das festas, da vergonhosa ostentação, da competição com o outro embora sem meios para tal, a sociedade que também relega, não olha, castiga o eventualmente mais fraco atirando-o para a margem dos desprotegidos. É esta a sociedade que, de olhos vendados, constrói, alegremente, as armas da sua destruição. E nem conta dá do tortuoso caminho que está a percorrer. É esta louca correria, sem o sentido da responsabilidade, do bom senso, da honradez, do passo de acordo com a perna, que conduz, paulatinamente, às insónias, à ansiedade, à angústia, às drogas sejam elas de que tipo forem e, finalmente, deduzo, à desesperança. A este tipo de organização social digo, com firmeza, NÃO, OBRIGADO!
O desenvolvimento não é isto nem é para dar nisto. O desenvolvimento tem a ver com três dimensões inter-relacionadas:
a) Com uma dimensão económica, ligada à produção e distribuição dos bens;
b) Com uma dimensão social, ligada às condições de vida e com as desigualdades;
c) Com uma dimensão cultural, ligada, fundamentalmente, com o património num sentido lato, enquanto conjunto de capitais (capital social, económico, cultural e o simbólico).
Isto implica que a palavra desenvolvimento deva ser enquadrada no sentido endógeno e integrado, como resultado de considerações de ordem filosófica, ideológica e metodológica. São estes factores que entendo como os pressupostos que devem conduzir à contextualização do desenvolvimento. Senhora secretária, mexa-se, por favor.
NOTA
Síntese de alguns textos já publicados.
Ilustração: Google Imagens.
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