O problema é sério e complexo e, por isso, incompatível com o populismo bacoco, normalmente ignorante.
Por CARLOS PEREIRA
26 SET 2018 - DN
Passou-me pela frente um vídeo, de propaganda, cuja mensagem principal, e única, era uma lengalenga que se resumia à defesa, dizia o interveniente, de uma “solução global para os transportes aéreos e de carga”. Pensei, pensei e voltei a pensar e conclui que isto é tão crítico e profundo como responder à pergunta “qual a cor do cavalo branco de Napoleão?”. Ou seja: não é nada. Por isso, dado que nenhum partido tem sido capaz de clarificar o que quer efectivamente para o transporte aéreo (ou outro qualquer, diga-se em abono da verdade) julgo que vale a pena reflectir sobre o que está em causa.
Para que todos percebam melhor o problema em questão, façamos um pequeno exercício aritmético com dados reais. A operação aérea para a Madeira gerou em 2016 (únicos dados oficiais disponíveis) cerca de 125 mil viagens ida e volta para residentes. Isto significa que era possível o Estado comprar todas essas viagens a 192 euros (acima do preço médio que o Engenheiro Antonoaldo referiu na audição na Assembleia da Republica) e oferecê-las aos madeirenses e porto-santenses. Ou seja: o dinheiro do Estado daria para entregar gratuitamente, i.e., distribuir, sem contrapartidas financeiras por parte dos residentes, todas as viagens que os madeirenses e porto-santenses fizeram num ano. Ora, isto demonstra bem o ganho das companhias que actuam neste marcado e faz-me sublinhar o que tenho repetido: não gosto da ideia do Estado gastar muito dinheiro para entregar às companhias aéreas com base no argumento do cumprimento da nossa Continuidade Territorial. Pensem nisto e passemos à frente.
Desde 2008 que a Região optou por um processo de liberalização que, conforme explicou muito bem João Welsh, neste jornal, foi amplamente discutido na Madeira, sobretudo através de um grupo de trabalho competente, e cuja solução teria de ser um compromisso entre as necessidades do turismo e a resposta às exigências da Continuidade Territorial dos madeirenses, de modo a garantir viagens mais baratas e com mais frequência. O princípio base daquela alteração foi a liberalização e o subsídio associado ao modelo foi estabelecido como um valor fixo de 60 euros. Já a segunda alteração, no quadro da liberalização, ocorrida em 2015, pretendia dar uma resposta aos preços das tarifas para os residentes que, em alturas críticas de pressão da procura continuavam elevados, ficando, no ar, a ideia que a liberalização de 2008 não correspondeu totalmente às expectativas. Não vale a pena discutir as razões deste processo, mas sim abordar o futuro, como este conjunto de artigos tem procurado fazer.
O modelo de subsídio de mobilidade em vigor introduziu uma outra nuance estrutural: estabeleceu, para os residentes, um preço máximo de cerca de 80 euros com tecto de 400 para viagens de ida e volta entre o Continente e a Região. Na prática, se as viagens forem menos de 400 euros o madeirense adianta o valor global da viagem, mas paga apenas 80 euros. Na altura, alertei para o óbvio: o tecto de 400 euros iria colocar a média dos preços acima desse valor. Fui apelidado de ignorante mas o tempo, mais uma vez, deu-me razão. Pior, com esta boa notícia de viagens a 80 euros, veio acoplada uma má notícia de tarifas muito altas obrigando o residente a adiantar muito dinheiro, muitas vezes sem ter capacidade para o efeito. Pergunta: por que não se estabeleceu logo à cabeça os 80 euros? Por razões óbvias. A liberalização não é compatível com fixação de preços e a acontecer isso, dessa forma, as tarifas reais ainda iriam subir bastante mais, obrigando a verbas ainda mais elevadas do OE mas, e sobretudo, a colocar em causa a competitividade do mercado de turismo da Região. Seria uma tremenda irracionalidade. É fácil por isso perceber que o problema é sério e complexo e, por isso, incompatível com o populismo bacoco, normalmente ignorante, que alguns não resistem a aprofundar. Por isso, vamos a outras perguntas que quem quer governar deve responder sem subterfúgios redondos e apalermados. Deve então ficar tudo como está? Deve ser o assunto tratado na discussão partidária e, normalmente, truculenta da Assembleia da República? Deve haver uma solução, no quadro das negociações em curso, entre governos? O modelo deve ser Regionalizado? Quem deve pagar os custos da mobilidade? Deve-se manter a liberalização iniciado em 2008? As tarifas que os residentes têm acesso estão na média das apresentadas pelo Senhor Antonoaldo? Se não estão, qual a razão para a diferença? Deve ser equacionado o retorno ao modelo público, com serviço público? É a tudo isto que tentarei responder, de acordo com o meu ponto de vista, no próximo artigo...
Ilustração: Google Imagens.
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