Adsense

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O ABRIL DE UMA CERTA DESILUSÃO


Sinto um desencanto com a actividade de alguns políticos. Não é de agora que olho para o país e para a região com desilusão. Não se trata de um desencanto com a democracia, mas com os homens e mulheres que a interpretam. Há excepções, muitas, mas é do quadro geral que me refiro. Não é sequer da promessa não cumprida, porque existem vicissitudes que se interpõem entre a vontade e a concretização. O desencanto está na realidade comportamental, nos jogos de poder, no que é oferecido na montra em função do que, intencionalmente, escondem no armazém dos pequenos e grandes interesses. O desencanto está entre as aparências e a realidade, entre a desejável competência e a mediocridade, nas diferenças entre o ser político e o ser estadista. Talvez esteja a ser ingénuo, mas passados quarenta e cinco anos deste mês de Abril de grata memória, era expectável uma outra maturidade que não existe.




Sintetizo: falta-nos referências com credibilidade, já aqui o disse uma vez, pessoas sem manha, gente experiente e com um passado impoluto, políticos capazes de colocarem no devido lugar ou mesmo expurgarem os juvenis de uma geração espontânea ou os que carregam na sua matriz, não o serviço público à comunidade, mas os vícios aprendidos e interiorizados no quadro de que "o mundo é dos espertos". Alguns, ao longo de 40 anos, fizeram fortuna à custa de um vasto labirinto, outros tentam, agora, fazê-la, seguindo o mapa labiríntico que regista as subtis marcas da saída para o êxito. 

O rol é extenso: são as contratualizações estranhas que, ainda ontem, o Diário deu conta enquanto "suspeita de favorecimento"; é a complexa e infindável barafunda no sector da Saúde, com 60.000 actos médicos em espera, médicos contra médicos e três secretários em três anos e meio de mandato; é a Educação onde não há memória de tantos e condenáveis problemas, de taxas de abandono e insucesso, de privatização, à mistura com ignóbeis perseguições; é a pobreza (quase 30%) tratada sob a forma de caridade e esmola; é o abandono de centenas de idosos nos hospitais; é a patética arrogância das declarações, como aquela que desvaloriza quem está há cinco meses sem ser remunerado; é a farsa das comissões de inquérito na Assembleia Legislativa, normalmente feitas por medida; é o histórico chumbo às propostas da oposição, por melhores que sejam, simplesmente porque a maioria rejeita a presença de outros protagonismos; é aquela oposição que, sem espelho, vocifera, quando, ainda recentemente, os mesmos quase colocaram o povo a pão e água; são os artigos de "opinião" que de opinião nada têm; é a multiplicação de partidos e o salto deste para aquele, o que indicia que mais do que as convicções o que interessa é a conquista de um lugar ou poder; é a miserável colagem, sobretudo com interesses empresariais, de umas figuras a outras, como quem espreita para que lado vai a onda, dando a entender, também, que estão com todos desde que os salvaguardem; é a amnésia de uns quantos, inclusive, do ex-presidente da República, sobre a nomeação de familiares para cargos, quando, nesse campo estão todos descalços até ao pescoço; é a ridícula substituição de quem, cautelosamente, seguiu a aprendizagem até ao patamar da competência; é o vergonhoso ataque e exclusão de quem é portador de sabedoria, substituindo-o por imberbes; é a existência de grupos económicos, com interesses monopolizadores, sentados à mesa do orçamento ou servindo-se de "bons telefones"; é o despudorado assalto ao poder porque cheira a emprego; é a candidatura sem vínculo que transmite a ideia de falência partidária; são os que disfarçam insuficiências, porém, sobre tudo opinam; são juízes em greve, embora pertençam a um Órgão de Soberania; decisões judiciais que deixam um rasto de perplexidade pelos abusivos comentários deixados nos acórdãos; são os intermináveis processos que se arrastam anos até à prescrição; são os escândalos e ausência de plausível justificação, para quem é insulano, desde os preços das ligações aéreas até aos fretes marítimos; é a sistemática violação da contratualização pública; é a corrupção, quase todos os dias anunciada; é a proliferação de "reguladores" que pouco ou nada regulam; é a Europa que queremos, mas que impõe a forma como querem que vivamos; é a Autonomia Político-Administrativa apenas de papel; é a banca, sempre nos limites ou em ruinoso estado, apesar de "vender" o dinheiro cada vez mais caro ou deixando clientes com uma mão à frente e outra atrás; é o desajustado salário médio anual dos "patrões" das empresas do PSI 20 que auferiram 996 mil euros em 2017, o que significa "46 vezes mais alto do que o custo médio que as empresas cotadas têm com os seus trabalhadores. Em 2015, essa diferença era de 33 vezes"; é a constatação dos ricos estarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres; é a violência social, entre outras, a doméstica, feita de sangue. Eu sei lá... tal é o rosário provocador de desencanto. 

Não perdi a excitação daquele Abril, quando, na Guiné Bissau, me encontrava, ao serviço de uma vergonhosa guerra colonial, mas estamos a precisar que o povo ponha isto na ordem dos princípios e dos valores que o enformaram. Começa a ser tempo de regressar às canções de intervenção, porque isto não vai, apenas, com afectos e "selfies". Falta cultura e cidadania. O problema é que não vejo solução. Os mais velhos, porventura mais atentos, olham para este filme com preocupação e nem querem saber, o que me leva a deduzir que, lamentavelmente, aproveitarão para passear e mandá-los passear no domingo de eleições. Tem sido assim. A desilusão é tal que quando um "político" é visado por cenas chocantes, tornadas públicas, e nada lhe acontece, parece-me óbvio que de certas pessoas nada, rigorosamente nada, podemos esperar. 
De qualquer forma, apesar das derivas e do desencanto, nada substitui a Democracia, a Liberdade, a possibilidade de escrever e denunciar, embora a censura, disfarçadamente, ande por aí...
Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários: